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Opinião|Saneamento precisa olhar para o setor elétrico

Mais jovem e ainda em formação, a regulação do saneamento deverá observar as experiências do setor elétrico para que as metas de universalização sejam alcançadas

Por Arthur Sousa

Poucas atividades econômicas com forte regulação no Brasil possuem correlação tão próximas quanto os setores elétrico e do saneamento. Embora construídos sobre marcos regulatórios criados em momentos históricos distintos, ambos estão assentados na participação do capital privado nos investimentos de atualização da infraestrutura ou na prestação dos serviços de saneamentos.

É fundamental neste momento entender essas simetrias para que sejam dadas as oportunidades de aprimoramento, principalmente do setor do saneamento. Mais jovem e ainda em formação, a regulação do saneamento necessitará observar as experiências do setor elétrico para que as metas de universalização sejam alcançadas (99% da população com acesso à água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 2033).

Importante pontuar, entretanto, que a meta fixada pela Lei 14.026/2020 deixou de depender exclusivamente dos investimentos acima dos R$ 40 bilhões por ano. Para chegarmos à universalização será importante observarmos as semelhanças com o setor elétrico.

A regulação daquilo que podemos chamar de moderno setor elétrico surgiu nos anos 1990 e tinha relação com a desestatização, principalmente das empresas de geração e distribuição de energia. Isso funcionou até o surgimento de uma enorme crise de oferta de energia, no evento que ficou conhecido como “apagão”. A crise energética impôs a todos, pela via da sobretaxação tarifária, um racionamento de energia.

A segunda fase de regulação trouxe uma revisão do marco regulatório, o que permitiu o planejamento de expansão do setor elétrico por meio de leilões para atender à demanda futura. Os modelos de leilões foram consolidados e vigoram até hoje. O segundo objetivo, o da modicidade tarifária, jamais foi alcançado plenamente.

Embora tenham estruturas regulatórias distintas e peculiares de cada setor, o saneamento passa hoje por momento similar à primeira fase do setor elétrico, como o avanço privado na gestão de empresas, seja na administração plena dos serviços de saneamento, seja na operação de áreas específicas.

Tanto os primeiros contratos do setor elétrico quanto os atuais para o setor de saneamento se depararam com o mesmo problema. Em boa medida foram formatados com base em algumas premissas que correm o risco de não serem confirmadas. As dificuldades identificadas nos contratos de saneamento não são muito diferentes daquelas enfrentadas pelo setor elétrico.

Por isso merece atenção o acompanhamento e a execução dos contratos atuais de saneamento e propor revisões se necessário. Só isso vai assegurar a condição de o País avançar rumo à universalização, tão importante ao Brasil. Já estamos atrasados e ficaremos ainda mais se não compreendermos a realidade do setor.

E isso não significa a possibilidade de quebrar contratos ou algo além de apenas reconhecer que o recente processo de mobilização do setor de saneamento pode requerer ajustes a exemplo do setor elétrico. O País precisará de maturidade ao abrir o diálogo sobre os contratos e promover as mudanças necessárias à realidade à medida que venham a ser identificadas in loco. O processo terá de ser amplo, com discussões públicas e transparentes, e deve envolver o setor privado, governos municipais, estaduais e federal, além das agências reguladoras.

Já temos muitos contratos assinados. Até 2013, as cidades tinham 103 contratos firmados com o setor privado. De lá para cá, até 2023, esse número alcançou 178 contratos, segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon). Com isso, o número de municípios atendidos por concessionárias de saneamento administradas pelo capital privado passou de 217 para 850 no período.

Significa dizer que o novo marco legal funcionou e será importante que siga assim, de forma que é fundamental haver contratos aderentes à realidade para que siga sendo um caminho viável para os investimentos.

É preciso reconhecer, entretanto, que há um complicador no modelo institucional do setor. A Constituição brasileira dá aos municípios a titularidade do saneamento, o que exigirá maior capilaridade ao diálogo. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), ainda jovem se considerada à equivalente Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é quem deve coordenar esses ajustes. Já começou e trabalha hoje em vários temas, da harmonização das normas contábeis aplicadas às concessões ao estabelecimento de normas para revisões tarifárias dos serviços de tratamento de água e esgotamento sanitário.

Há pouco, a ANA também lançou o projeto para a Tomada de Subsídio n.º 2/2024, a fim de elaborar a agenda regulatória 2025-2026. O objetivo é obter dados capazes de ajudá-la a refinar a regulação do setor. O saneamento tem uma correlação com o setor elétrico, e a boa notícia é que há um caminho possível para os ajustes. É bom aproveitarmos essa experiência vivida pelo setor elétrico antes que fique tarde.

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CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ENERGIA E MEIO AMBIENTE (IEMA), MEMBRO DA MOBILIZAÇÃO EMPRESARIAL PELA INOVAÇÃO DA CNI, CONSELHEIRO DE EMPRESAS, FOI CEO DA GDSUN E VICE-PRESIDENTE DA CONCREMAT, EMPRESA DO GRUPO CHINÊS CCCC

Opinião por Arthur Sousa

Conselheiro do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), membro da Mobilização Empresarial pela Inovação da CNI, conselheiro de empresas, foi CEO da GDSUN e vice-presidente da Concremat, empresa do grupo chinês CCCC