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Opinião|Sonhar e construir um novo Brasil

Modesto Carvalhosa defende nova ordem constitucional, com mudanças estruturais

Atualização:

É fácil criticar os tempos atuais. São muitas as injustiças, as desigualdades e as violações de direitos fundamentais. Especialmente fácil é a crítica ao Estado, seja por sua ineficiência no atendimento do interesse público, seja por sua aptidão para criar novas e mais profundas distorções. Executivo, Legislativo e Judiciário são encarados como os grandes vilões nacionais.

Nesse cenário de muitas críticas, o difícil é apresentar soluções, especialmente soluções coordenadas, que não apenas resolvam questões pontuais, mas enfrentem de forma consistente as causas dos muitos e variados problemas do País. Por isso é extremamente bem-vindo o novo livro do professor e advogado Modesto Carvalhosa, Uma Nova Constituição para o Brasil: de um país de privilégios para uma nação de oportunidades (LVM Editora, 2021), que oferece para discussão uma proposta de “solução estrutural para os problemas que permanentemente nos afligem”.

Segundo o diagnóstico do professor Carvalhosa, “no Brasil o Estado é hegemônico, não restando à cidadania nenhum papel em nossa construção civilizatória. A sociedade civil é dominada por um Estado que se estruturou para preencher todos os espaços. Essa dominação é fundada numa oligarquia que tem como instrumento a Constituição de 1988, que outorga privilégios institucionais à classe política e ao estamento burocrático, em detrimento daqueles que trabalham e empreendem no setor privado”.

Modesto Carvalhosa defende uma nova ordem constitucional, com mudanças estruturais no plano político, institucional e orçamentário. “No Brasil não existe uma classe econômica dominante, mas, sim, uma classe política dominante. (...) As instituições políticas (governo e Congresso, assembleias, câmara de vereadores) são ocupadas pelo estamento oligárquico, que se autogera, que se reproduz incestuosamente, e que se vende, a preço de ouro, caso a caso, para os grupos de interesses na formulação de leis e de políticas que nem de longe atendem ao interesse público”.

O livro traz uma proposta de anteprojeto de nova Constituição, fundamentando e explicando o porquê de cada um dos seus 134 artigos. Em contraste com o modelo analítico adotado pelo Constituinte de 1988, Modesto Carvalhosa propõe uma Constituição principiológica, preservando, assim, o status constitucional apenas para algumas normas fundamentais.

Composto de sete pontos, o Preâmbulo já delineia o novo equilíbrio proposto pelo professor Carvalhosa. “A Nação brasileira se funda no primado da lei, nas liberdades individuais e coletivas asseguradas pelo Estado Democrático de Direito, na plena responsabilidade das instituições políticas e administrativas perante todas as pessoas físicas e jurídicas que compõem a sociedade civil, sem discriminação ou privilégios de qualquer espécie ou natureza”, lê-se no segundo ponto do Preâmbulo.

Para corrigir as distorções dos valores fundamentais da democracia, que restringem o acesso dos cidadãos à vida pública, Modesto Carvalhosa propõe extinguir o “profissionalismo político”, a partir de um tripé que considera fundamental: não reeleição, voto distrital puro e candidaturas independentes.

No plano político, o professor Carvalhosa propõe, entre outros pontos, acabar com o voto proporcional, assegurar o caráter facultativo do voto, eliminar os fundos públicos para partidos, instituir o recall (perda de mandato de deputados, prefeitos e vereadores por iniciativa dos eleitores) e proibir as emendas parlamentares ao Orçamento.

Na nova ordem constitucional proposta, todos os recursos orçamentários devem ser discricionários, vedadas as despesas obrigatórias, vinculadas ou impositivas. Além disso, as despesas com folha de pagamento dos servidores ativos e inativos não podem ultrapassar o teto de um quarto das receitas orçamentárias.

São muitas as mudanças relativas ao Poder Judiciário: mandato de oito anos para os magistrados dos tribunais superiores; o Supremo torna-se apenas Corte constitucional, composto pelos magistrados mais antigos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos cargos, por sua vez, são preenchidos pelos desembargadores mais antigos dos tribunais federais regionais. O critério de antiguidade também é adotado para as chefias dos ministérios públicos, polícias judiciárias e tribunais de contas.

Como reconhece o professor Carvalhosa, trata-se de uma proposta para ampla discussão. Além de uma vigorosa reflexão pessoal sobre as estruturas do poder, o texto expressa a convicção de que é possível realizar mudanças profundas. “Temos no Brasil todas as condições para que se possa levar avante uma mudança cultural consistente capaz de alterar as estruturas do nosso Estado atrasado, hegemônico e opressor”, afirma.

Ainda que não se furte a fazer críticas contundentes, o livro de Modesto Carvalhosa nunca flerta com o conformismo ou o desencanto. É antes a profissão de fé de quem nunca desistiu do Brasil, do seu povo e das oportunidades que nascem do exercício livre e responsável da cidadania. Trata-se de um oportuno e necessário convite para sonhar e construir um novo Brasil.

ADVOGADO E JORNALISTA

Opinião por Nicolau da Rocha Cavalcanti