Os aromas do vinho: fato ou fake?

Os aromas do vinho: fato ou fake?

Publicado por: Beto Gerosa Publicado: 16/10/2023 10:42 Visitas: 369 Comentários: 0

Se existe um tema do mundo do vinho que causa espanto, risinhos desconfiados e é facilmente associado ao perfil do enochato com certeza é o dos aromas do vinho. Mas calma lá! Assim como a crase na língua portuguesa, os aromas não estão aí para humilhar ninguém. Eles existem e – isso é importante – não são afetação de enófilo metido a besta e sim uma característica do vinho. OK, às vezes os críticos exageram, e mentem um pouquinho, mas é o momento mais lúdico de uma degustação. Associar os possíveis aromas de um vinho a um repertório pessoal e tentar identificá-los e descrevê-los é parte do desafio. E da diversão. É fato, não é fake

Aqui mesmo, neste Guia dos Vinhos, muitas vezes recorremos a estes descritivos. Tentamos destacar os mais evidentes, aqueles que os leitores e consumidores podem usar como referência na escolha da sua garrafa, ou que são tão característicos de uma uva ou um lugar que são sinônimo de identidade do vinho e merecem ser citados. Talvez apareça aqui ou ali aromas que um bebedor eventual esboce aquela incrédulo “ah, vá!” Mas deve-se levar em consideração que provamos mais de 600 rótulos e temos o que se chama de um nariz mais treinado. O objetivo é apenas passar alguma referência ao leitor. Mas há sempre a dificuldade intrínseca de transformar em palavras nossas percepções, que remete a um pensamento do escritor israelense Amos Oz, em sua obra Rimas da Vida e da Morte: “Para que descrever com palavras o que não são palavras?”. Se encaixa com o mundo dos aromas do vinho, não?

Em uma degustação de um evento oficial, em um concurso ou mesmo em uma mesa de amigos amantes de Baco, descritores detectados e vocalizados com alguma euforia não soam assim tão estranho: “Tem um damasco evidente aqui”, ou ‘esta compota de goiaba neste carménère me lembra o doce de tacho de minha avó” ou ainda “este petróleo está flutuando neste riesling”. Mas numa roda descompromissada de amigos, na refeição de negócios, em um primeiro jantar romântico ou no almoço com o cunhado, não pega bem. Bem, no almoço com o cunhado, talvez afaste ele dos próximos eventos.

 

 

Mas eu não sinto nada...

Se o teu negócio é só beber e ainda precisa se convencer da importância do aromas, e da diferença que eles fazem ao vinho, faça uma experiência muito simples. Tome um gole de um vinho. Agora repita a operação tampando o nariz. Sentiu? Sentiu o quê? Quase nada, né? É a prova dos noves da ligação daquilo que se cheira com aquilo que se bebe, do olfato ao paladar.

Mas não fique desesperado se você não sentir muita coisa nas primeiras vezes que meter o nariz no copo, e não recitar um poema de aromas.

 O reconhecimento tem a ver com memória, experiência pessoal e treino, muito treino. Se você é do tipo que nunca passou perto de uma horta, não manuseia temperos e desvia da cozinha fica difícil identificar aqueles aromas de pimenta-do-reino e especiarias que geralmente aparecem nos vinhos elaborados com a uva shiraz, por exemplo. Em qualquer situação, vinho e comida sempre se encontram…

Se teu conhecimento de flores vem do papel de parede do computador também fica complicado reconhecer uma violeta em um tinto português de touriga nacional ou em um malbec argentino de boa extração. E por aí vai.

Aliás, se surge aquele tutti-fruti na sua taça que te remete ao chiclete da infância, qual o problema? É a sua régua. Cada um tem a madeleine que lhe cabe em busca de seu tempo perdido… e nem todo mundo tem vocação para ser Proust na vida.

 

 

É química, estúpido!

Os seres humanos, bebedores ou não de vinho, são capazes de identificar cerca de 10.000 diferentes tipos de aromas. Detalhe, as mulheres, comprovadamente, são melhores nisso. Até o momento já foram registrados pelos cientistas cerca de 1.000 componentes aromáticos nas uvas e vinhos. E você aí nem para descobrir aquela cereja berrando no pinot noir, hein?

Mas vamos deixar claro uma coisa. Vinho não é vitamina de padaria, só tem uma fruta lá dentro, a uva.

Outra coisa, as rosas plantadas próximo a alguns vinhedos não transferem o seu perfume ao vinho. Elas estão ali para alertar o vinhateiro do perigo iminente de uma praga, pois são mais frágeis que as parreiras. O perfume das rosas chegam de outra maneira. E também ninguém joga café, mel ou frutas brancas e vermelhas no mosto na hora da fermentação. Minha finada mãe achava que era assim.

Aquela amora, o café, as flores, o mel, enfim, os descritivos aromáticos, são resultado de vários fatores desde propriedades químicas da uva até a própria elaboração do vinho – vinificação, leveduras utilizadas, métodos de envelhecimento – e variam de percepção de pessoa para pessoa.

Quando você inala os aromas de um vinho você está de fato em contato com uma série de substâncias voláteis que flutuam no espaço vazio da taça – por isso que balançamos a taça, para que estas substâncias se misturem ao oxigênio, revelem sua grandeza e se modifiquem. E também por que é bacana à beça ficar rodopiando o copo antes de mandar o vinho pra dentro, né?

O que se percebe no nariz, seja qual for a origem, são moléculas aromáticas, a exemplo do linalol, do nerol e do limoneno, encontrados também em frutas e flores e chamados de aromas livres pela química. São compostos com nomes estranhos que vamos citar só para justificar a pesquisa realizada: terpênicos, ésteres, fenóis voláteis, alcoóis, aldeídos e acetonas, acetatos, lactonas, hidrogenados, sulfurados, etc.

Um pinot noir é geralmente associado ao aroma da cereja, mas você não estará errado se comentar: “Mas que maravilhoso 4-etoxicarbonil-y-butirolactona encontrei aqui neste pinot!”.

Outros exemplos dos compostos químicos presentes nos vinhos e os aromas que entregam:
Ésteres: octanoato de etilio. Aromas: abacaxi, peras.
Composto terpênico: Limonemo e citral. Aromas: casca do limão, lima, laranja.
Alcoóis: álcool feneletílico. Aromas: rosas e mel.
Ácidos: ácido acético. Aromas: vinagre.
Lactonas: sotolon. Aroma: frutos secos.
Fenóis voláteis: 4-metil-2-metoxifenol. Aroma: fumo.

Meio chato ver a coisa deste ponto de vista. E pode perder ainda mais a poesia. O composto sulfurado p-mentha-8-thiol-3-one, encontrado em alguns brancos da uva sauvignon blanc da região francesa do Loire, também é observado na urina do gato. Portanto, em grandes concentrações, o tal xixi de bichano é de fato um aroma presente neste branco, e, creia, sinal de qualidade da bebida! Apesar de ser estranho mesmo. O problema é sempre o contexto, como no divertido trecho do filme Estômago, que pode ser visto logo abaixo.

Outros aromas se originam das leveduras utilizadas na fermentação. Ao transformar açúcar em álcool elas criam dezenas de compostos químicos aromáticos, como frutas tropicais, pão torrado e ainda produzem fenóis voláteis que lembram aromas de terra, apesar de não ser originários do solo.

Os aromas, indicam estudos recentes, não vêm somente da natureza, também são produto da ação do homem, resultado de gerações de vinicultores que adaptaram seus vinhedos e ajustaram a fermentação até atingir o máximo que o vinho podia proporcionar.

Isso lhe cheira bem?

Se devidamente treinados, nossos receptores e o bulbo olfativo – áreas onde as sensações são registradas e decodificadas – permitem identificar, além dos aromas, as principais características de um vinho, como a variedade da uva, o terroir (de onde ele vem), o estágio de evolução da bebida e até dão pistas de sua safra. Mas aí estamos num nível profissional avançadíssimo.

Parece muito complicado? É um pouco, vinho não é exatamente um tema simples. Para beber ninguém precisa aprender nada. Basta virar a taça. Para conhecer, e tirar mais prazer da bebida, é preciso se dedicar um pouco e observar com mais atenção o que vem da garrafa.

Nosso Guia dos Vinhos pretende trazer um pouco mais deste universo para você, numa linguagem simples e acessível, mas sem perder profundidade.

O tema aromas entra um pouco nesta nebulosa área que tanto apaixona quem descobre seus mistérios como afasta quem enxerga neste jogo uma complicação desnecessária.

Nós aqui no Guia dos Vinhos fazemos parte do primeiro time. Muitas vezes, basta reconhecer que o pinot noir na taça tem aroma de pinot noir, ou seja, remete a outros pinot noir já provados e agradaram ao paladar. Já é uma habilidade útil na sua rotina de bebedor de vinho. Se você não tem vocação para arqueólogo de aromas, uma espécie de Indiana Jones do vinho em busca camada aromática perdida, está tudo bem também. Afinal, o cheiro é apenas parte do prazer.

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