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‘As plataformas sociais são uma ameaça à democracia’, afirma ministro da Justiça

Flávio Dino defende regulação das redes sociais que passaram a lucrar com discursos de ódio

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Por Andreza Matais , Vera Rosa e Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - Responsável por propor ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um pacote batizado como “antigolpe”, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse ao Estadão que as redes sociais passaram a lucrar com discursos de ódio e precisam ser reguladas.

“As plataformas são uma ameaça à democracia”, afirmou o ministro, ao negar que sua proposta cerceie a liberdade de expressão. “Ditatorial é o modelo de hoje”. Não tem viés ideológico nisso.”

O ministro da Justiça, Flávio Dino, defende controle nas redes sociais Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Estadão – O pacote antigolpe preparado pelo Ministério da Justiça inclui o endurecimento da lei contra plataformas digitais que atentem contra o estado democrático de direito, mas não foi até hoje para o Congresso. Por que o governo recuou?

Eu acho o contrário. Há uma crescente formação de opinião, dentro do governo, favorável ao tema, um convencimento geral quanto à necessidade de avançar em relação ao projeto que tramita na Câmara (PL das Fake News). Estou bem otimista. Muito em breve, de duas uma: ou nós enviaremos um projeto autônomo do governo, ou esse conteúdo que nós defendemos vai ser incorporado pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Não interessa a cor do gato, interessa que ele mate o rato. Para mim tanto faz, o que interessa é que haja um passo.

Estadão – Mas esse projeto das fake news trata somente da regulação pelas próprias plataformas.

O atual projeto das fake news trata somente de autorregulação. A meu ver, de modo inadequado, na medida em que é uma autorregulação facultativa. Hoje, as plataformas são imunes a responsabilidade e isso gera uma série de distorções.

Estadão – Como o sr. responde a críticas de que isso fere a liberdade de expressão?

Nós estamos tratando de seis crimes, de terrorismo e contra o estado democrático de direito. No nosso projeto, eu diria que 99% do que trafega nas plataformas vai continuar como sempre trafegou. Agora, você tem 1% que são esses seis crimes. Não podem ser admitidos. Juridicamente falando, é essa simetria que nós estamos buscando.

Estadão – O presidente Lula enviou carta à Unesco dizendo que os ataques golpistas foram organizados por meio de plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Existe entendimento do governo de que, da forma como está, não dá para ficar?

Não pode ficar. Autoritária é a falta de regulação. Ela conduz a uma ditadura dos donos do negócio. Ditatorial é o modelo em que as plataformas, sem regulação nenhuma, lavam as mãos e ganham dinheiro. Em torno do enunciado “Eu odeio o Lula e vou explodir uma bomba no Palácio do Planalto” há zona de penumbra? Não. Bomba é bomba, matar é matar. Estamos tratando do que obviamente o texto diz, que você está tramando um atentado terrorista ou contra o Estado Democrático de Direito? Onde isso viola liberdades?

Estadão – Essas plataformas podem se tornar uma ameaça à democracia?

Elas são uma ameaça à democracia, pela ausência da regulação. Elas são muito boas. É como energia nuclear: ela salva vidas e também mata pessoas.

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Estadão – O sr. se refere às redes sociais ou aos aplicativos de mensagens?

A esse mundo digital de forma geral. Até o lar tem regulação, mas a internet não pode ter. Que conversa de maluco é essa?

Estadão – E quem vai arbitrar o que é ou não fake news?

Em última análise, o Judiciário. No nosso projeto, não estamos tratando de mentira, de fake news de forma geral. Mas essa é uma preocupação do governo também.

Estadão – Mas essa também é uma preocupação do governo. Na Venezuela, o presidente Nicolas Maduro recorreu a avatar, pessoas falsas, deep fakes, para fazer propaganda do regime.

É uma prova de que a regulação é uma necessidade. Não tem viés ideológico.

Estadão – Tratar das fake news será o próximo passo?

Sim, claro. Como é um tema difícil, abordamos de modo fatiado. Nós escolhemos seis crimes, na proposta do Ministério da Justiça, e já há quem ache que queremos regular a internet inteira.

Estadão – Como as empresas reagem à regulação? O Brasil é um mercado importante, não dá para dizer que as empresas vão sair daqui.

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Isso não existe. Há uma compreensão de que é um debate mundial, as plataformas sabem disso. Já tivemos reuniões. Estamos numa espécie de catequese democrática. As empresas vão ter que se adaptar e ganhar menos dinheiro. O fato é que elas ganham dinheiro com ódio. É preciso colocar balizas. Para combater o diabo, o primeiro passo é falar com ele. Estamos cumprindo esse itinerário de poder diminuir o inferno.

Estadão – Uma outra crítica ao projeto das fake news é que a imunidade parlamentar é estendida para atuação em plataformas on line. O sr. concorda com isso?

Eu sou contra, mas essa é uma deliberação do Congresso. Sou adepto de uma interpretação mais restritiva da imunidade parlamentar de um modo geral. A imunidade na Constituição é restrita a opiniões, palavras e votos. Criar uma imunidade parlamentar de um modo geral na internet me parece que ultrapassa a sua origem. Alguém vai dizer ‘Mas hoje os mandatos são exercícios na internet’. O problema é que estes mandatos não estão no escopo da proteção constitucional. O projeto (das fake news) vai muito além. Espero que esse conteúdo não seja aprovado. Se for, acho que o Supremo Tribunal Federal vai voltar a uma interpretação mais restritiva, a do abuso da imunidade parlamentar. Uma coisa é imunidade para fiscalizar; outra é para cometer crimes, ameaçar ministros do Supremo, coisas que aconteceram no Brasil.

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