Quando crimes como este ganham repercussão nacional, é natural que comecem os questionamentos: por quê, afinal, uma mulher permanece em um relacionamento marcado pela violência? E a não denunciar? Muitos são os motivos mas um que merece a consideração é a dependência econômica. A nota técnica "Violência doméstica e familiar contra a mulher" de 2017 do Senado Federal aponta que 29% das mulheres ouvidas pela pesquisa mostram que a questão financeira é a principal motivação. Deste percentual, 32% já sofreram violência doméstica.
Quando se olha a renda média destas mulheres, o resultado dá bons indicativos: 33% delas não têm renda alguma enquanto 24% recebem até dois salários mínimos. E destas, 30% não exerce trabalho remunerado. Uma simples observação apenas deste indicativo oferece um único pensamento: que a violência doméstica e familiar precisa ser combatida e prevenida em uma longa caminhada que passe pela autonomia financeira. Um destes passos é o empreendedorismo feminino.
A violência no âmbito doméstico e familiar torna-se um grande desafio para a mulher trabalhadora, que tem que faltar para fazer exames como corpo de delito, testemunhar no distrito policial e, muitas vezes, é demitida por conta disso. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, de 1997, demonstrou que 25% dos dias de trabalho perdido por mulheres tem como causa a violência.
Mas vale trazer a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), de 2016, que aponta que 51% dos empreendedores iniciais são mulheres. E de acordo com pesquisa do Sebrae-SP, 35% das empresas chefiadas por mulheres estão nas casas das mesmas. Atenta a estes dados, a cartilha "Prevenção da violência doméstica com a Estratégia de Saúde da Família" traz informações básicas para as mulheres formalizarem seus negócios, como criar uma Microempresa individual (MEI) e uma lista de cursos de capacitação oferecidos pelo Sebrae-SP.
Disponível em quatro línguas (francês, inglês, espanhol e português), a cartilha também é distribuída para as imigrantes em todo município de São Paulo. Coordenada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, tem a parceria da prefeitura, do Sistema Único de Saúde e apoio do Sebrae-SP. São mais de 55 mil exemplares e, somente na região central, 11.400 exemplares que chegam nas unidades básicas de saúde como dos bairros do Bom Retiro, Cambuci e Humaitá.
Desde Fevereiro de 2018, um termo de cooperação entre o MPSP e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania foi assinado, possibilitando que a Coordenação de Políticas para Mulheres apoiasse o projeto "Prevenção da Violência Doméstica com a Estratégia de Saúde da Família", idealizado pelo MPSP em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e com a colaboração da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
Depois de quatro anos trazendo conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e os direitos das mulheres a milhares de mulheres de todo o Estado, por meio da formação de agentes comunitárias de saúde pelo MPSP sobre o enfrentamento à violência contra a mulher, o projeto foi finalista do Prêmio Innovare, o mais prestigiado na área jurídica, em 2016. Desde o começo do ano, a iniciativa virou lei em São Paulo, oficializando um programa do Ministério Público que apresenta resultados bastante consistentes na prevenção à violência doméstica em áreas de maior vulnerabilidade.
Graças a este trabalho que um grupo de mulheres participaram do primeiro curso Super MEI, para potencializar suas veias empreendedoras. Atendidas pela rede protetiva de Saúde e Assistência Social da região central da capital, elas têm entre 25 e 65 anos e aprenderam com consultores do Sebrae-SP conceitos básicos de gestão e administração de empresas.
Tanto o curso como o projeto fazem parte de um entendimento que cabe ao Ministério Público, garantidor constitucional da cidadania, articular políticas públicas com todos os entes federativos. É papel do MP alavancar a comunicação entre os serviços como fiscal da lei para, assim, conseguir prevenir e salvar a vida de mais mulheres.
*Fabíola Sucasas, promotora de justiça e diretora do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). É assessora do Núcleo de Inclusão Social do Centro de Apoio Operacional (CAO) Cível e de Tutela Coletiva