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Opinião|Como economizar R$ 65 bi de dinheiro público por ano?

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Não raro, a prestação de serviços públicos fundamentais é comprometida por graves falhas em contratações públicas – notadamente o superfaturamento, que pode vir ou não acompanhado de corrupção. Quando o atendimento em saúde é o centro das falhas, as consequências para a população são óbvia e particularmente nefastas.

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O caso mostrado no Fantástico no mês de fevereiro de 2024, envolvendo a gestão de alas ortopédicas em hospitais públicos de Mato Grosso, Roraima e Acre por uma empresa, é um exemplo bem ilustrativo. De acordo com investigações da Controladoria-Geral da União (CGU), a empresa realizou cirurgias desnecessárias a preços exorbitantes, e superfaturou em até 2.324% materiais médicos (próteses, parafusos ortopédicos etc.).

O caso não é isolado. Em 2019, a Polícia Civil deflagrou operação por desvio de R$ 50 milhões no Instituto Goiano de Oncologia e Hematologia por meio do superfaturamento de medicamentos para câncer. No ano seguinte, auditoria da CGU apontou possível superfaturamento de R$ 3,6 milhões em um contrato entre a Secretaria de Saúde do Distrito Federal e o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde para compra de medicamentos, com riscos de perdas e extravios dos produtos.

Imagine se houvesse uma forma de reduzir os riscos de más contratações públicas, com a multiplicação de olhares de fiscalização sobre todas contratações públicas centralizadas em um único lugar. Uma maneira de ajudar a evitar ou detectar problemas graves antes que milhões em dinheiro público escorram pelo ralo, e que milhões de pessoas fiquem sem atendimento adequado à saúde.

A boa notícia é que a nova Lei de Licitações criou o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), uma inovação que reúne as contratações de todo o país em um mesmo banco de dados. Ele é aberto a toda população que passa a poder realizar controle social e acompanhar como os diferentes órgãos do estado têm realizado compras.

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Segundo a Lei, o Portal deve oferecer um painel para consulta de preços. Afinal, uma ferramenta que reunirá centenas de bilhões de reais em contratações de todos os poderes e esferas poderá ter a melhor base de contratações do país, o que permitiria pesquisas robustas para que a administração pública possa realizar contratações mais eficientes e dispensaria a necessidade de contratação de ferramentas privadas que oferecem este serviço.

Para que esse potencial do PNCP se concretize, há muito trabalho pela frente. Um dos grandes desafios é garantir que a plataforma contenha dados de qualidade e não se torne um agregado de informações incomparáveis e inúteis. Como organização com larga experiência em lidar com dados de contratações públicas – e identificar lacunas que os tornam inutilizáveis para o controle social –, a Transparência Brasil trabalha em soluções para esse desafio.

O projeto Compra Transparente - Medicamentos, realizado em parceria com a CGU e a Open Contracting Partnership opera em duas frentes: a primeira, no fortalecimento da infraestrutura, dados abertos e a usabilidade do PNCP. A segunda, na qualidade de dados de contratos de medicamentos, para possibilitar o uso de inteligência de dados e algoritmos de machine learning na geração de alertas de contratações de risco e sobrepreços na aquisição de medicamentos por milhares de prefeituras.

Com três meses desde o vigor da nova Lei de Licitações, já é possível apontar algumas necessidades urgentes para o PNCP. Por meio de um teste de usabilidade, identificamos limitações que impedem que a plataforma sirva ao propósito de incrementar o controle social. Dificuldades para entender a ferramenta de busca e para encontrar os preços por item contratado paralisaram alguns usuários. As conclusões do teste e recomendações para melhorar o PNCP serão entregues ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), responsável pelo seu desenvolvimento.

Quanto à qualidade dos dados é sabido que, diferentemente do que consta no rodapé do Portal, “[a] adequação, fidedignidade e corretude das informações e dos arquivos relativos às contratações disponibilizadas no PNCP” não podem ser apenas “de estrita responsabilidade dos órgãos e entidades contratantes”. A prova disto está no Portal da Transparência do governo federal, cujos dados sobre contratações, por não seguirem um padrão e estarem muitas vezes incompletos, têm pouca utilidade ou levam a conclusões equivocadas.

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A utilidade do PNCP como um riquíssimo portal para controle social e eficiência de contratações de centenas de bilhões de reais depende de constantes melhorias e, consequentemente, de um orçamento à altura. O investimento adequado em seu desenvolvimento gerará um retorno mais do que vantajoso para a administração pública.

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Um estudo do Banco Mundial sobre a eficiência das contratações públicas do Brasil em 2017 nos dá bases para estimar esse retorno. O órgão internacional calculou, em um cenário conservador, uma economia de 15% em três anos se o governo federal adotasse melhorias relativas aos preços e condições de contratação. Entre os entes subnacionais, que em geral têm menos capacidade para realizar compras eficientes, é razoável supor que haveria uma economia ainda maior se tiverem a capacidade de ao menos realizar boas pesquisas de preços.

Façamos então uma conta de padeiro com muitos zeros: o IPEA calcula que 12% do PIB do país é gasto em contratações públicas. Em montantes de 2023, seria R$ 1,3 trilhão, dos quais um terço é da administração pública direta. Isso resulta em R$ 436 bilhões de compras que entrariam no PNCP. Os 15% de economia de que estamos falando são R$ 65 bilhões de reais por ano.

Ou seja, destinar recursos humanos e orçamentários em volume suficiente para garantir um PNCP robusto e composto por dados de qualidade é essencial para a saúde – dos cofres públicos e, principalmente, da população brasileira. Caso contrário, o que teremos serão novas confusões entre latas e fardos de leite condensado ou aspirinas para todo o país, além de tantos outros casos de superfaturamento na saúde brasileira.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Juliana Sakai
Diretora executiva da Transparência Brasil. Formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo e mestre em Ciência Política pela Leuphana Universität, em Lüneburg (Alemanha). Atuou no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Timor-Leste e na Transparency International
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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