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Opinião|Encarceramento em massa e a crise nos presídios brasileiros

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O Brasil, não é de hoje, adotou o modelo de encarceramento em massa, no qual o sistema repressivo atua a fim de conferir à população segurança. Todavia, para a nona economia do planeta, claro está que há um contraste entre a repressão e a investigação, isto é, quando se prefere prender ao invés de investigar e prevenir o crime, o que se busca é retirar o criminoso do convívio social. De 2000 a 2023 o número de presos aumentou mais de 260%.

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A questão da repressão, em muitos Estados, não chega a ser uma escolha já que a falta de estrutura, tecnologia, pessoal e, inclusive, efetivo nas polícias civil, militar e federal resultam na impossibilidade prática de agir de modo diverso, a falta de investimentos na segurança pública é uma realidade. O resultado é uma população carcerária volumosa, sem condições mínimas de subsistência e com flagrantes desrespeitos à dignidade da pessoa humana.

O Brasil é o terceiro país em quantidade de presos, apenas atrás dos Estados Unidos e da China, porém, a frente de países como Índia e Rússia. Os dados, em pleno 2024, o que beira ao incompreensível, são imprecisos, pois, segundo o CNJ temos 711.463 presos, porém o número, apenas um ano antes, era de 920 mil. O Anuário da Segurança Pública de 2023 aponta para o número de 832.295 pessoas encarceradas.

Os números impressionam, afinal, temos mais presos no Brasil do que a população de três Estados: Roraima, Amapá e Acre e, segundo o Censo 2022, a população carcerária do país é maior do que a quantidade de moradores de 5.186 cidades do Brasil.

As autoridades prendem muito e mal, porque não tem estrutura para manter os presos. Reprimir e encarcerar em massa requer que haja condições para tal e não é o que se observa no sistema penitenciário brasileiro.

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Independente do número exato, em todas as estatísticas, é uniforme a questão do déficit de vagas. O CNJ atesta que 354 mil vagas são as faltantes e que se forem considerados os mandados de prisão em aberto (373.991), então, a população carcerária ultrapassaria 1 milhão. De tal sorte que temos pessoas que se avolumam em um sistema que não prima pelo respeito à dignidade o que, seguramente, dificulta a implementação da ressocialização prisional. Para acentuar os vilipêndios de direitos humanos, agora, o Congresso Nacional caminha para aprovar um Projeto de Lei que tramita há catorze anos e que objetiva retirar os direitos dos presos em regime semiaberto a visitar seus familiares em datas comemorativas.

Recentemente o Senado Federal aprovou por 62 votos a 2 o PL da Saidinha, que tem por condão o fim da saída temporária de presos em regime semiaberto em datas comemorativas. O Governo Federal era abertamente contrário ao projeto de Lei por entender ser uma violação à ressocialização do preso. Atualmente, a lei permite que os presos que apresentarem bom comportamento no regime semiaberto podem deixar a prisão, em especial em datas festivas, para visitar familiares e/ou participarem em atividades que concorram para o retorno ao convívio social e, inclusive, frequentar cursos (este o único benefício mantido pelo PL da Saidinha).

O modelo de encarceramento em massa adotado pelo Brasil tem apresentado falhas sistemáticas ao conceito de ressocialização pretendido pelo Governo Federal. Para se prender em massa, o mínimo que se espera é que existam locais para comportar a quantidade de pessoas que se retira da sociedade, no entanto, em levantamento pelo CNJ, o que se nota é que, além do déficit crônico de vagas, isto é, temos mais pessoas presas do que espaço disponível, também o espaço existente é ruim ou péssimo.

Uma em cada três penitenciárias do país tem essas “qualidades” a partir de inspeções e, 1.778 estabelecimentos municipais, estaduais e federais realizadas e pelo CNJ, o que denota que o investimento é insuficiente de maneira uniforme. Apenas 3% dos estabelecimentos prisionais são considerados excelentes e 22,6% em boas condições, o que representa menos de um terço do total, no qual 48% dos presídios tinham superlotação. Então, se as condições prisionais são ruins, como fica o tema da ressocialização?

Quando um presídio é superlotado as condições são insalubres e as pessoas (tanto detentos quanto carcereiros, agentes penitenciários, ou como se adotou recentemente: polícia penal) ficam mais suscetíveis a doenças. O fato das pessoas terem perdido sua liberdade não implica em direito do Estado em falhar no fornecimento de saúde, educação e a condições mínimas de subsistência.

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O primeiro passo para a ressocialização é que o preso tenha condições de progredir, estudar, refletir sobre suas falhas e, por fim, seja uma pessoa melhor do que entrou após ter pago sua dívida perante á sociedade. Para parte significativa da população se estas premissas fossem aplicadas implicaria em uma “promoção” para o preso, por conseguinte para estas pessoas, estar encarcerado não pode significar uma vida melhor do que elas tinham em liberdade, logo, vivemos ainda em uma sociedade que defende que “bandido bom é bandido morto”.

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Como dissemos, o Governo Federal investe mal na segurança pública, não há meios adequados para a implementação de um banco de dados unificado nos Estados, o que pode significar um dos problemas das estatísticas em relação aos presos, pois, não há um controle no sistema sobre mandados de prisão expedidos e cumpridos com exatidão. Além disso, um em quatro presos não teve sua sentença transitada em julgado, mas parte deles já cumpre pena antecipadamente.

Igualmente não temos as polícias com veículos apropriados e com a concernente manutenção, com material de escritório em dia e, o mais importante, com o efetivo correto das polícias o que denota a impossibilidade das equipes investigar. Somado a isso, mesmo sendo a nona maior economia do mundo e vale repisar o tema, a verba para os presídios caiu pela metade em 5 anos, de R$1,2 bilhão de reais para R$605 milhões. E para 2024 o valor é ainda menor: R$361 milhões.

O resultado é desanimador, afinal, as organizações criminosas apenas aumentam seu poderio arrecadatório e, seguidamente, superam seus recordes de rendimento anual, o que implica na facilidade da substituição da mão de obra e a ausência real de consequências no dia a dia da operação criminosa. Para os presos, as condições somente pioram e a perspectiva de ressocialização nada mais é do que um sonho distante. E, boa parte dos presos em idade da sua plenitude laboral vão sendo sistematicamente desperdiçados e perdidos. Segundo o Anuário da Segurança pública de 2023 62,6% dos encarcerados tem entre 18 e 34 anos.

Por derradeiro nesse complexo quebra cabeça da ressocialização temos que a reincidência de presos supera os 30% no país, o que poderia ensejar uma controvérsia, afinal, quem desejaria retornar a um ambiente insalubre, sem condições mínimas de sobrevivência e que em nada contribui para sua evolução como ser humano?

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A resposta é fácil: os próprios presos, afinal, o estigma social da condenação penal implica no incremento de dificuldades de adaptação da vida em sociedade. O agora egresso deixa o sistema sem dinheiro, moradia, emprego, possivelmente com uma educação precária e terá de sobreviver. Acrescido a isso temos a ausência de acompanhamento psicológico no ambiente prisional o que dificulta ainda mais para o próprio Estado na compreensão e aplicação da própria ressocialização. No sistema prisional, ao menos, há comida, moradia e ausência de julgamento por seus pares. Para uma parte deles é mais do que possuem fora.

O Brasil, com isso, perde parte de sua população que poderia contribuir para o trabalho e o desenvolvimento do país e, seguramente, perde os presos para o próprio sistema. Se encarcera cada vez mais, se educa cada dia menos e, seguramente, não há a ressocialização que o sistema penitenciário prevê e almeja. Perde a sociedade, a população, o governo e, especialmente, uma parte saudável de pessoas que sucumbem ante à falta de oportunidade e enveredam para o crime organizado e desperdiçam seu potencial e o Estado Brasileiro Democrático de Direito sucumbe ante suas próprias falhas e erros.

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Antonio Gonçalves
Advogado criminalista. Pós-doutor em Desafios em la post modernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, Pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas
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