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Opinião | Faça o que eu digo, não faça o que eu faço: as peças mudam, mas o tabuleiro da corrupção permanece

Do conforto de seus gabinetes (ou em infindáveis viagens), da segurança de seus carros blindados, plenamente abastecidos com dinheiro público, escoltados por agentes armados e na tranquilidade de quem possui ampla cobertura de planos de saúde para toda a família, alguns tantos Donos do Poder passam ao largo de cumprirem seus juramentos solenes e de suas promessas de campanha eleitoral

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convidado
Por Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis

Infelizmente, parece que vivemos em um inquebrantável círculo vicioso de corrupção no Brasil, desde os tempos coloniais, como num eterno Sermão do Bom Ladrão, de Padre Antônio Vieira. São séculos de (sub)desenvolvimento de nossa nação, cuja grande parte dos mandatários do poder político e detentores do poder econômico se alternam em práticas corruptas e afundam o país, cada vez mais, nos rankings de evolução humana.

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Trocam-se as peças, alternam-se as pretensas ideologias, contorcem-se as políticas públicas em manobras de poder, mas o tabuleiro da corrupção prostra-se indefectível, ávido por frutificar vantagens ilícitas aos poderosos, que vivem distantes da realidade popular do desemprego, da inflação, da violência e da precariedade dos serviços e políticas públicas essenciais.

Do conforto de seus gabinetes (ou em infindáveis viagens), da segurança de seus carros blindados, plenamente abastecidos com dinheiro público, escoltados por agentes armados e na tranquilidade de quem possui ampla cobertura de planos de saúde para toda a família, alguns tantos Donos do Poder (FAORO, 1958) passam ao largo de cumprirem seus juramentos solenes e de suas promessas de campanha eleitoral.

Durante a campanha presidencial de 2022, no debate político realizado em 16 de outubro de 2022, ao ser questionado sobre a separação dos poderes (pobre Motesquieu!), especificamente sobre a composição do Supremo Tribunal Federal, o atual Presidente da República vociferou: “Não é prudente, não é democrático, o Presidente da República querer ter os Ministros da Suprema Corte como amigos (...) estou convencido que tentar mexer na Suprema Corte para colocar amigo, para colocar companheiro, para colocar partidário, é um atraso, é um retrocesso que a república brasileira já conhece”. Que o leitor tire suas próprias conclusões.

No mesmo ano, ele condenou veementemente a prática do chamado “Orçamento Secreto” – renomeado, eufemisticamente em sua gestão, pelos principais veículos de comunicação, como “Emendas do Relator” – proibido pelo Supremo Tribunal Federal, e, não surpreendentemente e em nome da “governabilidade”, distribuiu R$ 21,95 bilhões em emendas parlamentares, incluindo as chamadas “Emendas PIX”, um recorde sem precedentes.

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Quebrando mais um compromisso público, ele deixou de afastar o Ministro das Comunicações, indiciado pela Polícia Federal por organização criminosa, corrupção passiva, falsidade ideológica e fraude em licitação.

No mesmo período, sob o pretexto de desabastecimento gerado pelas inundações ocorridas no Estado do Rio Grande do Sul, veio à tona o escandaloso leilão para a importação de arroz pelo Governo Federal, em que, dentre outros absurdos, uma pequena loja de venda queijos de Macapá/AP, cujo capital social de R$ 80 mil foi alterado para R$ 5 milhões poucos dias antes do evento, arrematou um lote de R$ 736 milhões no certame.

No sentido oposto ao da construção e execução de uma agenda anticorrupção, sintoma já sentido no governo passado, nada mais “normal” para a atual gestão do que as 17 vezes em que os executivos da Âmbar Energia, do grupo empresarial J&F (irmãos Batista) foram recebidos, fora da agenda oficial no Ministério de Minas e Energia (!), antes de o Presidente da República editar uma medida provisória que beneficiou a empresa, por transferir aos consumidores as dívidas da Amazonas Energia e tornar o negócio espúrio bastante lucrativo para quem já tem o costume de se beneficiar do (des)governo. Reverberando o que se atribui a Maquiavel – “Aos amigos os favores, aos inimigos, o rigor da lei” - o Ministro da respectiva pasta afirmou se tratar de “mera coincidência” ... feliz coincidência!

E, para finalizar, a “renovada” Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, com mais de 3/5 dos votos necessários, a chamada “PEC da Anistia”, que perdoa, geral e irrestritamente, os partidos políticos por suas irregularidades e condenações judiciais.

Tudo isso, sem mencionar a insegurança jurídica gerada pela revisão e anulação de acordos de leniência bilionários, de colaborações premiadas e de condenações de corruptos, pelas instâncias superiores do Poder Judiciário.

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Esse cenário desolador confirma o desempenho de piora do Brasil no Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional, bem como atesta a ausência de planos e ações anticorrupção, como uma verdadeira política pública – de Estado e não de governo - abrangente, coordenada e imparcial.

Enquanto os agentes públicos e as instituições de controle priorizaram à repressão a memes, criados para satirizar os responsáveis pela execução da política econômica federal, do que à efetiva transformação da realidade, por meio de um rigoroso combate à corrupção (prevenção e repressão), já institucionalizada em nosso país, as ações ficarão apenas em promessas, em brados críticos aos opositores, em suposto controle das fake news... mudar-se-ão as peças, mas a realidade permanecerá a mesma, o tabuleiro e o jogo se perpetuarão, a severos custos sociais.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis
Promotor de Justiça, doutor em Direito pela USP e USAL. Foto: Inac/Divulgação
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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