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Opinião|Grandes homens, pequenos defeitos

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convidado
Por José Renato Nalini*

Personalidades célebres costumam ser endeusadas pelos áulicos. O poder atrai essas moscas estéreis dos que se deliciam a saltitar em torno à autoridade. Rendem culto ao cargo, à função e não à pessoa. Quando esta deixa a ribalta, surgem as críticas. Não há quem esteja imune a elas. Assim tem sido, no decorrer da História, assim continuará a ser, até que a humanidade consiga dar fim à sua aventura. O que não parece tão remoto, a considerar o cataclisma climático.

José Renato Nalini Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Joaquim Nabuco, o filho, foi uma dessas figuras aparentemente irreprocháveis. Mas quem conviveu com ele oferta elementos para desairar seu perfil de primícia mais que perfeita. Oliveira Lima, seu contemporâneo na diplomacia, narra que ele era maldoso ao se referir a colegas. Num diálogo com Lord Salisbury, Premier britânico, a respeito do Embaixador Souza Correa, isso restou evidenciado. Souza Correa fora popularíssimo na sociedade londrina e gozara da intimidade do Rei Eduardo VII. Mas o premier indagou se era verdade que Souza Correa não conhecia a língua portuguesa. Nabuco, então presente, atalhou: “Ele não fala língua alguma, sequer o francês...”. Oliveira Lima considera um disparate e dupla inverdade essa fala de Nabuco. A língua materna de Souza Correa era a francesa, pois francesa era sua mãe. Nascido no mar, foi criado na França e falava inglês e português com perfeita fluência. Também escrevia ambas com facilidade e correção.

Entendia Oliveira Lima que o ciúme póstumo de Nabuco estendia-se também ao barão de Penedo, que lhe dispensara em Londres um carinho paternal. Ao comentar uma conferência que Oliveira Lima fizera no Instituto Arqueológico de Pernambuco sobre Penedo, “com as cores que me ditavam o cérebro e o coração”, Nabuco dissera que duvidava de que a posteridade visse Penedo com os mesmos olhos.

Talvez Nabuco estivesse enciumado das honras que a Corte Inglesa devotara a Souza Correa e que ele não recebeu. Já em Washington, Nabuco se fez conhecido. Qual o motivo? “Aliás, qualquer diplomata que queira receber os correspondentes de agências telegráficas e os repórteres sociais e fornecer a estes últimos fotografias próprias, de sua mulher e de seus filhos, figura cada semana nas edições monstruosas dos domingos. Nem todos estão para essa exibição destinada a satisfazer o apetite insaciável de curiosidade bastante ingênua do público americano, o mais esnobe dos públicos, interessando-se pelos mínimos gestos de seus políticos e dos seus milionários e atribuindo aos diplomatas, por mais ordinários que sejam esses enviados extraordinários, virtudes e méritos singulares”.

Na visão de Oliveira Lima, esta característica exibicionista é inversamente proporcional à relevância dos países. Pois os diplomatas das grandes nações permanecem décadas no posto e não se fazem notar. Nabuco deveria lembrar-se de predecessores como Magalhães, (Araguaia), um dos corifeus do nosso romantismo, Itajubá, o mais completo exemplar diplomático, Carvalho Borges e Salvador de Mendonça. “Por este – diz Oliveira Lima – Nabuco afetava um quase desprezo, que no fundo era puro ciúme, e de Carvalho Borges, que fora seu chefe, nem sequer mencionava o nome, muito menos que era amigo íntimo do Secretario de Estado Americano Ewarts. Esta intimidade servia admiravelmente aos nossos interesses políticos”.

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Nabuco “era sincero no pensar que tudo lhe era devido pelos seus belos olhos”. Até seu apostolado abolicionista é posto em dúvida: “seus inimigos anti-abolicionistas proclamavam que Nabuco fizera sua primeira viagem ao Velho Mundo com o dinheiro da venda dos escravos que herdara de seu padrinho Joaquim Aurélio, senhor do engenho Massangana”. Mas o sentimento de Nabuco era literário, meramente retórico. Tanto que no Congresso anti-escravagista de Paris, em 1900, presidido pelo Cardeal Lavigerie, com a presença da Princesa Isabel, a Redentora, de quem Nabuco fora conselheiro, proferiu este um discurso “em que invocava les saint noirs, referindo-se aos escravos que morriam sob a canga e cujas vidas tinham sido oferecidas em holocausto à grandeza do Brasil”.

Oliveira Lima assistiu à elaboração desse discurso, no Hotel Fleming, em Mayfair, “entremeado de exclamações aprobatórias ejaculadas por Graça Aranha, Nabuco sentado em frente a um espelho e estudando como um ator o gesto e a expressão fisionômica”.

O grande Joaquim Nabuco era humano, falível como todos os seres dessa espécie e não foi unanimidade. Em regra, ninguém o é.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras

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