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Opinião|In dubio pro societate e sua (in)aplicabilidade no procedimento do Júri

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convidado
Por Wilson Alvares de Lima Júnior

Ao Tribunal do Júri, órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, compete o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, quais sejam: a) homicídio; b) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação; c) infanticídio; e d) aborto. Ademais, a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, reconhece a instituição do júri e estatui a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida como seus princípios basilares.

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O procedimento do Júri é bifásico, sendo, sua primeira fase, denominada de iudicium accusationis (ou sumário da culpa), iniciada a partir do oferecimento da denúncia, e, sua segunda fase, denominada de iudicium causae, iniciada com a preparação do processo para julgamento em plenário.

Conforme estabelecido em seus artigos 447 e seguintes, ao tratar sobre a segunda fase do procedimento do Júri, o Código de Processo Penal estatui que o Tribunal do Júri será formado por um juiz togado, que é seu presidente, e por vinte e cinco jurados, dos quais sete destes irão compor o Conselho de Sentença, sendo considerado um órgão colegiado e heterogêneo.

Neste contexto, serão, os sete jurados que integram o Conselho de Sentença, responsáveis por apreciar a matéria no plenário do Júri (materialidade, autoria, eventual absolvição, minorantes, qualificadoras e majorantes), sendo suas decisões tomadas por maioria de votos, com base no sistema da íntima convicção. Ademais, quanto o magistrado presidente, será o responsável por aplicar a pena e proferir a sentença, de maneira fundamentada, com base no que foi decidido pelos jurados.

Entretanto, para se chegar nesta segunda fase do procedimento do Júri, imperioso atentar-se os trâmites decorrentes da primeira fase. Após toda a produção probatória e debates orais, o juiz findará a iudicium accusationis (ou sumário da culpa) com uma decisão, podendo esta ser de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação. Dentre tais decisões, em regra, apenas a decisão de pronúncia levará à segunda fase do procedimento do Júri.

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No que concerne à decisão de pronúncia, o artigo 413 do CPP estabelece que o magistrado, na hipótese de estar convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve sumariamente pronunciar, de maneira fundamentada, o acusado.

Sob tal perspectiva, a materialidade delitiva nada mais é do que os elementos físicos que comprovam a existência do crime, devendo o juiz estar convencido, pelo conteúdo probatório, de que realmente o crime ocorreu. Em relação à autoria, para a pronúncia, há apenas a necessidade de indícios suficientes, ou seja, o magistrado não necessita ter certeza de que o acusado seria o autor ou o partícipe do delito, bastando apenas a constatação por provas ou elementos informativos que possam corroborar com esta possibilidade.

Neste panorama, surge a problemática do princípio do in dubio pro societate, o qual tem gerado grande debate doutrinário acerca de sua aplicação ou não para fundamentar a pronúncia do acusado. Em apertada síntese, este princípio preconiza que, na hipótese de dúvidas em relação à autoria e à materialidade, a decisão deve ser prolatada em favor dos “interesses da sociedade”, indo de encontro ao princípio do in dubio pro reo, o qual preceitua que, caso haja dúvidas, a decisão deve ser favorável ao réu, sendo este um dos fundamentos basilares do ordenamento jurídico-penal.

Sobre o tema, o douto Ministro Gilmar Mendes, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao conceder uma ordem de habeas corpus para impronunciar um paciente acusado de ter praticado um delito de homicídio no estado do Paraná, teceu duras críticas ao princípio do in dubio pro societate, sustentando que não haveria amparo constitucional ou legal para sua utilização, acarretando o desvirtuamento das premissas racionais de valoração probatória. Ademais, ainda segundo o ministro, o referido “princípio” estava sendo, muitas vezes, utilizado para submeter réus ao julgamento pelo Tribunal do Júri sem um lastro probatório mínimo, pontuando que, na dúvida, no âmbito do processo penal, sempre se resolve em favor do réu, de modo que seria imprestável a resolução em favor da sociedade.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o dileto Ministro Rogério Schietti, em julgamento da 6ª Turma do STJ, teceu diversas críticas ao brocardo in dubio pro societate, asseverando que, no processo penal, só existe in dubio pro reo. Além disso, o referido ministro ainda ponderou que existem decisões que permitem um rigor decisório, quanto ao standard probatório exigido, menor do que haveria para uma condenação, o que não estaria relacionado ao in dubio pro societate.

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Em contrapartida, o douto Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, da Quinta Turma do STJ, em julgamento de um recurso especial, defendeu a aplicação do princípio do in dubio pro societate, asseverando que, enquanto não houver uma decisão do plenário do STF, irá continuar aplicando o supracitado princípio.

Neste panorama, é imperioso perceber o crescimento da corrente doutrinária e jurisprudencial pela inaplicabilidade do princípio do in dubio pro societate, algo extremamente pertinente para o nosso processo penal, sobretudo, no âmbito do procedimento do Júri. Desta forma, na hipótese desta corrente realmente prevalecer, muitas arbitrariedades ocorridas durante a persecução penal poderão der dirimidas, o que acarretará julgamentos mais justos e coesos.

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Wilson Alvares de Lima Júnior
Advogado criminalista e de sucessões; professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal; especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal; mestre em Direito Penal; e autor do livro “Adequação Social e Imputação Objetiva: da epistemologia do finalismo ao giro do funcionalismo”
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