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‘Jamais pratiquei ato que envergonha a Justiça’, diz desembargador investigado por venda de sentença

Ivo de Almeida, afastado das funções desde junho por suspeita de corrupção, nega os cinco crimes a ele imputados pela PF e atribui a um antigo amigo, já falecido, e ao filho dele, Wilson Menezes, suposta ‘venda de ilusões’ a terceiros em seu nome; à PF, Wilson negou ser ‘intermediário’ de sentença, mas confirmou que Valmi, seu padrasto, usava o nome do magistrado

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Atualização:
Foto: TJSP
Entrevista comIvo de AlmeidaDesembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo

Alvo principal da Operação Churrascada - investigação sobre suposto esquema de corrupção no Tribunal de Justiça de São Paulo -, o desembargador Ivo de Almeida afirma que jamais ‘vendeu sentenças’. Ele diz que nunca manteve ‘rachadinha’ em seu gabinete. “Essa acusação é vergonhosa”, reage.

Desde 1987 na carreira, Ivo está afastado das funções por ordem do ministro Og Fernandes, relator da Churrascada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte que detém atribuição para investigar e processar desembargadores.

A operação da Polícia Federal foi deflagrada em junho passado. O desembargador foi alvo de buscas. Os agentes inspecionaram seu gabinete na presidência da 1.ª Câmara de Direito Criminal do TJ e sua residência, onde encontraram e apreenderam R$ 170 mil em dinheiro vivo e um quadro de Volpi.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou depósitos ‘picados’ em uma conta do magistrado que somam R$ 641 mil, no período entre fevereiro de 2016 a setembro de 2022. A origem do dinheiro fracionado, segundo alega, está no fato de sua mulher ter sido proprietária de um ‘restaurante de grande porte’. “A maior parte desse valor provinha de seus rendimentos.”

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Na semana passada, a PF concluiu o inquérito. O delegado André Luiz Barbieri, da Delegacia de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado, indiciou Ivo de Almeida em cinco crimes: corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e violação de sigilo.

Em entrevista exclusiva ao Estadão, Ivo rechaça as conclusões do relatório final da Churrascada. Ele atribui a um antigo amigo, Valmi Lacerda, que morreu em 2019, e a um filho dele, Wilson Vital de Menezes Jr, uma suposta ‘venda de ilusões’ a terceiros em seu nome.

Wilson, na verdade enteado de Valmi, negou à PF que tivesse agido como ‘intermediário’ junto ao gabinete do desembargador, mas confirmou que seu padrasto “estava vendendo ilusões em nome de Ivo de Almeida, sem este saber de nada”.

A PF sustenta que supostos ‘intermediários’ do magistrado com lobistas e advogados de criminosos comemoravam quando ele estava no plantão do tribunal. Em mensagens de WatsApp escreviam ‘picanha’ e ‘carne’, segundo os investigadores, senhas que indicavam porta aberta a pedidos de habeas corpus. “Jamais participei de churrascada em meus plantões”, afirma o desembargador.

Desde que sua toga está pendurada no armário, dado o afastamento compulsório por um ano imposto pelo STJ, Ivo mantém uma rotina que inclui leitura de material jurídico, ‘para se manter atualizado’, e uma força à mulher ‘em suas atividades’.

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LEIA A ENTREVISTA DO DESEMBARGADOR IVO DE ALMEIDA

A Polícia Federal concluiu o inquérito da Operação Churrascada com seu indiciamento pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa, associação criminosa e violação de sigilo. Qual a versão do sr sobre os fatos?

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O que posso dizer, objetivamente, é que jamais houve ‘venda’ de decisão judicial, assim como nunca proferi decisão ou pratiquei qualquer ato que pudesse envergonhar a Justiça, meus colegas de profissão, familiares e amigos. Embora a Polícia Federal tenha apontado como suspeitos quatro procedimentos penais, reafirmo que não há qualquer decisão de minha lavra, muito menos em sede de plantão ou monocrática, que tenha beneficiado qualquer uma das pessoas citadas na investigação. Prova disto, é que dois dos procedimentos citados pela Polícia Federal nem sequer chegaram ao Tribunal, pois não foram objeto de recurso. A investigação não ultrapassou o plano de troca de mensagens entre advogado e o dito ‘intermediário’. Até ler os autos eu não tinha qualquer conhecimento dessas mensagens.

E os outros dois procedimentos?

Nos outros dois procedimentos, para além de as decisões terem sido proferidas pelo colegiado, elas tiveram por objeto casos absolutamente corriqueiros na justiça criminal. Em um deles, a Câmara se limitou a alterar o regime prisional de fechado para o semiaberto em sede de recurso de apelação, mantendo-se a proibição de o réu recorrer em liberdade e, no outro, foi concedido um habeas corpus por excesso de prazo. Aliás, após a operação da Polícia Federal, meus advogados consultaram esses processos e me informaram que, no que houve alteração de regime de cumprimento de pena, o Superior Tribunal de Justiça, apoiado no parecer da Procuradoria-Geral da República, manteve o regime semiaberto fixado pela Câmara e o Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus para permitir que o réu pudesse recorrer em liberdade até o fim do processo. Na outra ação penal em que a Câmara concedeu o habeas corpus por excesso de prazo, os réus foram absolvidos em 1.ª instância e não houve recurso do Ministério Público.

Por quais motivos, então, o sr acredita ter sido envolvido em uma investigação da Polícia Federal?

Ao analisar o conteúdo do inquérito policial, constatei que essa investigação teve início em razão de mensagens de texto encontradas no celular de um guarda civil metropolitano de Cotia (Grande São Paulo), apreendido pela Polícia Federal no ano de 2020, no âmbito de uma operação que apurava fraude na prestação de serviços de saúde com trâmite na Justiça Federal de São Paulo. Embora não exista uma única mensagem enviada ou recebida por mim, a Polícia Federal passou a especular a existência de venda de decisões judiciais pelo simples fato de ter encontrado mensagens trocadas com um falecido amigo meu, Valmi Lacerda, nas quais ele se aproveitou de nossa amizade para fazer com que terceiros acreditassem que possuía influência sobre minhas decisões, fato seja absolutamente mentiroso.

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A PF apontou que Valmi Lacerda e um filho dele, na verdade enteado, Wilson Vital de Menezes Junior, seriam seus intermediários com advogados de criminosos interessados na obtenção de habeas corpus. O que o sr diz sobre isso?

Conheci Valmi por volta de 2000 como vendedor de uma loja de peças usadas de carros da Zona Leste de São Paulo. Embora eu tenha nascido, crescido e moro na Zona Norte até hoje, conversando com ele soube que tínhamos um amigo em comum, que também era juiz. Isso me levou a acreditar que Valmi se tratava de uma pessoa confiável. Depois de alguns anos, ele veio trabalhar em um posto de gasolina próximo ao prédio dos gabinetes dos desembargadores (na rua Conselheiro Furtado, Liberdade). Por não fazer uso rotineiro de carro oficial, passei a abastecer e lavar meu carro particular naquele posto e pude notar que a situação financeira de Valmi, que nunca foi das mais confortáveis, piorou quando ele adoeceu em razão de um câncer na cabeça. Minha família decidiu ajudar a família dele com a compra de alguns bens que se faziam úteis e necessários quando a doença dele avançou, como aluguel de cama e equipamentos hospitalares de suporte, televisor, etc. Depois da morte do Valmi, estive poucas vezes com Wilson. Minha amizade, embora não íntima, sempre foi com o próprio Valmi e a esposa dele. Aliás, somente após a leitura da investigação, é que tive conhecimento de que Wilson trabalha em um desmonte de carros na região de Sapopemba (Zona Leste) e como motorista de uber para complementar a renda.

Valmi Lacerda vendia ilusões em seu nome? É isso que o sr está querendo dizer?

Fiquei absolutamente consternado e decepcionado ao ler o conteúdo das mensagens de uma pessoa que tinha certa consideração, mas era exatamente isto o que ele estava fazendo, conforme ficou provado ao final das investigações.

A PF também cita a suspeita de lavagem de dinheiro por meio da compra de apartamentos. O sr explica essas transações?

Um de meus filhos ingressou, juntamente com outras cinco pessoas, como sócio, sem poder de administração, de uma sociedade de propósito específico (SPE) em 2014, dois anos antes, portanto, de qualquer decisão suspeita, visando à construção de um pequeno prédio de apartamentos, estúdios de 35m2, no bairro do Limão. Meus outros dois filhos decidiram pela compra de uma unidade para cada um, pagando 36 parcelas de R$ 5 mil cada cota (unidade), corrigidas pelo INCC. O empreendimento ficou pronto em 2018 e as unidades constam do Imposto de Renda de cada um. Desde 2018, com a conclusão das obras, os apartamentos estão alugados. Os meus filhos recebem os respectivos aluguéis. Cabe ressaltar que, com a entrega das unidades, a SPE foi baixada. Durante a existência da empresa, conforme consta expressamente do contrato social, somente um desses sócios tinha poderes exclusivos para qualquer movimentação financeira, de forma que nem meu filho nem qualquer outro sócio poderia receber ou pagar valores ou participar de qualquer transação financeira relativa ao empreendimento. Ao total foram edificadas 60 unidades, todas na proposta de estúdios. O próprio Valmi chegou a comprar uma das cotas do empreendimento imobiliário, pagando como todos os demais adquirentes, embora tenha vendido a sua unidade já pronta pouco antes do falecimento, pois se encontrava em graves dificuldades financeiras.

Desembargador Ivo de Almeida, alvo da Operação Churrascada Foto: Daniela Smania/TJSP

O advogado Luís Pires Moraes Neto foi preso na Operação Churrascada - depois colocado em liberdade por ordem do ministro Dias Toffoli -, sob suspeita de ter ido ao Paraguai pegar R$ 1 milhão que, segundo a investigação, seriam entregues ao sr como pagamento de um habeas corpus em favor do narcotraficante internacional Romilton Hosi, ligado a Fernandinho Beira-Mar. O sr recebeu esse dinheiro?

Desconheço esse valor. Não recebi e sequer me foi oferecido. Soube disso somente após a operação policial.

Os autos da Operação Churrascada citam diálogos entre os investigados, em especial sobre Romilton Hosi. O sr despachou no caso dele?

Como segundo juiz da turma julgadora, atuei num recurso proposto pela defesa de Romilton, ao qual foi negado provimento, por votação unânime. Aliás, em nenhuma hipótese a Câmara julga remoções de presos através de habeas corpus. No particular, seria um absurdo sem precedente cogitar de que qualquer magistrado da Seção Criminal pudesse ser cooptado para proferir decisão favorecendo indevidamente essa pessoa.

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Os agentes federais apreenderam R$ 170 mil em dinheiro em sua casa. Esse valor foi declarado? Qual é a justificativa para manter tal montante em espécie em sua residência?

Este valor de R$ 170 mil consta de meu Imposto de Renda, um pouco mais, aliás. Parte dele era destinado à parcial reforma de minha casa, que precisa de reparos urgentes. A outra parte pertencia à minha esposa e era utilizada para aquisição de insumos. Após ter vendido seu restaurante em 2018, constituiu uma MEI para produção e venda de marmitas funcionais.

Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) identificou depósitos em sua conta de R$ 641 mil fracionados, no período entre fevereiro de 2016 a setembro de 2022. Pode explicar a origem desse valor?

Entre 2003 e 2018, minha esposa teve um restaurante de grande porte, vizinho ao Fórum de Santana. A maior parte desse valor (R$ 641 mil) provinha de seus rendimentos. Outra parte é fruto da venda do estabelecimento comercial e também dos meus filhos, dois deles comerciantes. O valor de R$ 641 mil, se dividido pelo número de meses apurados na investigação, 79 meses entre fevereiro de 2016 e setembro de 2022, apresenta uma média de aproximadamente R$ 8 mil mensais, correspondente ao gasto do grupo familiar composto por cinco adultos, eu, minha esposa e três filhos, todos com cartões adicionais à minha conta. Ou seja, isso representa aproximadamente um gasto mensal, por pessoa, de R$ 1.600, valor absolutamente compatível. Essa conta no Santander está aberta há mais de quarenta anos e servia à família, cada qual com seu respectivo cartão de crédito.

Um argumento do delegado federal para pedir busca e apreensão em sua casa foi o fato de o sr declarar à Receita Federal que possui duas obras de arte de Alfredo Volpi. O sr possui quadros de Volpi?

Tenho sim. Fui presenteado pelo próprio artista na década de 1980, antes de ingressar na magistratura. Atuei como advogado do Volpi e ele me deu um quadro de 3 bandeirinhas, que representam meus filhos. Na época que ganhei os quadros, o Volpi não tinha a projeção de hoje, mas já era famoso. Por isso tomei o cuidado de sempre declarar à Receita Federal os quadros como sendo ‘presente do autor’. Infelizmente, no dia em que estiveram na minha casa, o delegado apreendeu o quadro.

O inquérito afastou a suspeita inicial sobre esquema de ‘rachadinha’ em seu gabinete, mas sustenta que o sr praticou lavagem de dinheiro.

Essa acusação é vergonhosa. Acachapante. Aliás, mais um erro da investigação. Com o início da pandemia, muitos funcionários terceirizados da portaria, limpeza e segurança que atendem os gabinetes do TJ foram demitidos ou perderam os benefícios como vale-alimentação e transporte. Decidimos fazer uma campanha de arrecadação de cestas básicas. Ao longo de 2021 foram cerca de 10 rodadas de arrecadação. Em cada uma das entregas eram beneficiadas cerca de 60 a 70 pessoas. Havia uma lista com o nome dos beneficiados e fotos das entregas.

As cestas foram pagas com dinheiro vivo? Por quê?

As cestas básicas foram pagas em dinheiro em razão do desconto fornecido pelo atacadista. Os descontos, em média de 10%, constam de cada uma das notas fiscais, permitindo que mais cestas fossem adquiridas com o mesmo valor arrecadado.

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A PF batizou a investigação de Churrascada porque alvos da operação diziam ao celular que era ‘dia de churrasco’ quando o sr estava no plantão, sugerindo facilidades na concessão de habeas corpus. O sr foi a algum churrasco patrocinado por esse grupo apontado no inquérito da PF?

Não participei de nenhum churrasco em datas de plantão e não há, ao longo de oito anos de apuração nesta investigação, nenhuma notícia de decisão suspeita proferida no âmbito do plantão judiciário no qual eu tenha atuado, ou em qualquer outra circunstância. Fui juiz-corregedor dos presídios de todo o Estado de São Paulo durante quatro anos, entre 1994 e 1998. Tinha sob minha jurisdição todos os líderes e integrantes de facções e organizações criminosas, muitos deles, hoje, em presídios federais. Nunca houve qualquer suspeita a respeito de minha atuação.

O ministro Og Fernandes, do STJ, decretou seu afastamento por um ano. O sr vai recorrer para tentar retornar à presidência da 1.ª Câmara de Direito Criminal?

Meus advogados ingressaram com pedido de reintegração que, salvo engano, está com vista ao Ministério Público Federal. Junto com o pedido apresentei um laudo feito por conceituados peritos que atestaram que minha variação patrimonial de 2015 a 2023 foi absolutamente compatível com meus rendimentos. Ora, em nenhuma hipótese eu poderia, no exercício do cargo, oferecer risco à investigação ou alegadamente voltar a proferir decisões suspeitas. Cabe lembrar que esta investigação retroage a 2016 e, desde então, tudo a meu respeito, seja pessoal ou profissional, foi descortinado nos autos.

Passados quase cinco meses da abertura da Operação Churrascada qual é a sua rotina?

Nesses últimos meses tenho mantido a leitura de material jurídico, para me manter atualizado, e procurado auxiliar minha esposa em suas atividades, como aliás vinha fazendo até ser afastado, quando havia tempo disponível.

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