PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Juíza condena família a pagar R$ 110 mil a empregada por ‘ambiente aviltante da dignidade humana’

Mulher vítima de trabalho análogo à escravidão, segundo processo judicial, começou a trabalhar na residência em Natal em 1982 como lavadeira e depois acumulou funções de faxineira, inclusive em uma academia da família, e de babá sem ter sido registrada e sem benefícios, tendo ainda de pagar aluguel pelo quarto que ocupava; em meio à longa jornada sofreu AVC, depressão severa, crises de ansiedade e síndrome do pânico, detalha ação da 9.ª Vara do Trabalho

PUBLICIDADE

Foto do author Pepita Ortega

Uma família de Natal foi condenada a pagar R$ 110 mil a uma empregada doméstica que prestou serviços a uma família da capital do Rio Grande do Norte durante 40 anos, em condições análogas ao trabalho escravo. A trabalhadora começou a prestar serviços na residência em 1982, como lavadeira. Depois, ainda como diarista, ela fazia faxina na casa e na academia da família, em prédios vizinhos.

A condenação é da 1ª Instância da Justiça do Trabalho potiguar. Cabe recurso.

PUBLICIDADE

Segundo o processo da 9.ª Vara do Trabalho de Natal, a partir de 1989, a empregada passou a trabalhar em caráter permanente e, quando os netos da família nasceram, ela começou a acumular o cuidado da casa da mãe e de uma das filhas, que ocupavam um imóvel vizinho. Foi morar em um quarto construído no terreno da família, cujo aluguel era descontado de seu salário.

A doméstica chegou a acompanhar mãe e filha em viagens, cuidando das crianças, e no período de férias anuais também era obrigada a trabalhar na casa de veraneio da família.

AVC

Publicidade

Em seu depoimento à Justiça, a empregada revelou que certa vez passou mal quando estava engomando roupa na casa de uma das filhas e ‘ficou com a boca torta’. Contou que pediu socorro ao marido da dona da casa, que teria dito. “Ela pensa que eu sou médico.”

A empregada alega que, então, ‘se escorou na porta e caiu toda molhada de suor’. À noite, quando saiu do trabalho, foi levada pela filha ao SESI e ‘lá disseram que deveria ir para o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel porque tinha tido um AVC’. Depois, ‘ficou tomando remédios’.

Aposentadoria

A doméstica ainda foi morar em Recife, onde passou dois anos trabalhando para uma sobrinha da dona da casa. Voltou a Natal. Em 2022, após uma série de desentendimentos com o marido de uma das filhas, se afastou do emprego para tratamento de doenças psiquiátricas.

A doméstica tentou se aposentar junto ao INSS, mas descobriu que não tinha tempo de contribuição previdenciária. Entrou com uma ação na Justiça do Trabalho. Requereu o reconhecimento de vínculo empregatício, anotação na Carteira de Trabalho, pagamento de diferenças salariais, indenização por danos extrapatrimoniais pela doença adquirida no emprego e rescisão indireta, entre outros pedidos.

Publicidade

Defesa

PUBLICIDADE

A família alegou no processo que a empregada atuava como ‘diarista e não como doméstica’. Uma das filhas da família admitiu que nunca assinou a Carteira de Trabalho da doméstica porque ela ‘não era empregada, e sim uma pessoa da família, nem a reclamante nunca pediu’.

A juíza Lygia Maria Godoy, da 9ª Vara do Trabalho de Natal, não acatou a tese da defesa e, após analisar as provas e os depoimentos, concluiu que ‘a reclamante fora submetida a trabalho análogo ao de escravo’.

Para Lygia, ‘essa violação de sua dignidade foi responsável pelo seu adoecimento, portanto, caracterizado o dano e o dever de indenizar’. Baseada nesse entendimento, a juíza concedeu a rescisão indireta do contrato de trabalho da doméstica.

Lygia Godoy acrescentou em sua decisão que ‘em função de toda a vivência experimentada pela reclamante, nesse ambiente aviltante da dignidade humana, a reclamante desenvolveu transtornos psiquiátricos, que começaram a se apresentar em 2015 e que, paulatinamente, foram se agravando, até que em 2021 procurou ajuda médica, por sofrer de depressão severa, crises de ansiedade e síndrome do pânico’.

Publicidade

Indenização

A juíza destacou que ‘a ausência do cumprimento dos direitos laborais pelo empregador, como a anotação na Carteira de Trabalho com os devidos recolhimentos previdenciários, por mais de 40 anos, por si só já representa o trabalho análogo à de escravo’.

Ela determinou a anotação da Carteira de Trabalho da empregada correspondente ao período entre janeiro de 1982 a novembro de 2023, com a remuneração de um salário-mínimo, além do pagamento de férias vencidas e em dobro, diferenças salariais, FGTS acrescido da multa de 40%, entre outros benefícios.

Ligia Godoy reconheceu que ‘a violação de direitos humanos básicos e as condições laborais a que a empregada foi submetida, ajudaram a agravar’. “Entendo caracterizado o dano e o dever de indenizar.”

A juíza condenou solidariamente mãe e filha a indenizarem a doméstica no valor de R$ 110 mil por danos extrapatrimoniais e pela doença psicológica adquirida no trabalho.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.