
A juíza Sandra dos Santos Brasil, da 2ª Vara do Trabalho da zona sul de São Paulo, condenou a Uber a indenizar em R$ 150 mil, por danos morais, o irmão de um motorista da plataforma que foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte), no dia de seu aniversário, em meio a uma corrida no Capão Redondo, bairro da periferia sul da capital paulista.
No processo, a Uber sustentou que mantinha uma relação de “cunho comercial” com o motorista, não havendo vínculo empregatício entre as partes. Argumentou ainda que pagou ao pai e à viúva do motorista um seguro de R$ 100 mil, por “livre e espontânea vontade, não como assunção de culpa, mas para fins de solidariedade”.
Segundo os autos, o assassinato ocorreu no dia 19 de dezembro de 2022. O motorista aceitou uma corrida, pela Uber, com dois passageiros. Durante o percurso, um deles avisou que era um assalto. Os criminosos permaneceram com a vítima por cerca de duas horas antes de matá-la.
Ao acionar a Justiça do Trabalho, o irmão do motorista sustentou que a Uber é responsável pelo ocorrido, vez que “aceitou os riscos da atividade econômica e não zelou pela segurança dos condutores”.
Leia também
Em contestação, a Uber apontou que o contrato do seguro pago à família do motorista “confere às partes quitação geral pelos danos materiais e morais decorrentes do infortúnio”. Alegou ainda que não teve qualquer responsabilidade pelos fatos, “uma vez que a segurança pública é dever do Estado”.
Ao analisar o caso, a juíza destacou como a Uber “auferia benefícios” decorrentes da atividade do motorista, frisando que cabe à empresa não assumir somente lucros, mas também “riscos, insuscetíveis de transferência” a outra pessoa.
A magistrada ponderou que o fato de a segurança pública ser um dever do Estado não exclui a responsabilidade civil da empresa, decorrente do risco acentuado próprio da atividade empresarial, “que expõe os prestadores de serviço a potenciais danos no desempenho de suas funções”.
Segundo Sandra Brasil, o motorista estava no exercício de suas funções quando foi acionado para a corrida até o Capão Redondo, “Esteve sujeito a toda espécie de violência, com exposição do seu patrimônio, da integridade física e da sua própria vida”, destacou a juíza.
A magistrada anotou que a contratação de seguro por parte da Uber não parece ser uma benevolência, mas um reflexo de sua responsabilidade perante os “motoristas parceiros”.
“Não se faz necessário declarar aqui a existência do vínculo de emprego, posto que a relação de trabalho é incontroversa e contextualiza o infortúnio”, ela frisou.
A avaliação foi a de que é aplicável ao caso o dispositivo do Código Civil que diz: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem.”
Foi concedido ao irmão do motorista a chamada indenização por dano moral em ricochete - relacionada ao direito “de quem conviveu intimamente com o falecido” de pedir reparação em razão das circunstâncias da morte.
Segundo Brasil, a perda de membro da família configura dano moral diante de sua importância. A magistrada observou que a vítima morava com o irmão, que também é motorista da Uber.
O irmão pedia uma indenização de R$ 650 mil, mas o valor arbitrado foi de R$ 150 mil. A magistrada sinalizou que ao calcular o valor considerou a extensão do dano, o grau de culpa na conduta do empregador, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa e o caráter pedagógico da medida.