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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

No Brasil não se combate a corrupção impunemente

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Por Adriana Vandoni
Atualização:
Adriana Vandoni. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Esses dois meses acompanhando a campanha eleitoral em Mato Grosso, estado que aparece na imprensa nacional apenas quando o nosso agronegócio bate recordes de produtividade, o que vem ajudando a equilibrar a balança comercial do país, ou quando um novo escândalo de corrupção é desvendado. A modernidade aqui se mescla com uma classe política que lembra o velho oeste.

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Tempos atrás, eu, muito aflita, conversava com um desembargador sobre as minhas frustrações por denunciar atos de corrupção e corruptos, e não os ver pagar por isso. A morosidade da justiça e a caótica realidade de ter apenas um juiz na vara do crime organizado era um convite à prescrição dos crimes de colarinho branco. Tive como resposta um 'acalme o seu coração. O TJ está trazendo reforço para 7.ª Vara Criminal. Uma juíza que está no interior. Moça porreta, preparada e corajosa. Você vai se admirar'.

Essa moça era Selma Arruda, que já ficou conhecida como a juíza Moro de Mato Grosso, que de lá pra cá colocou os maiores corruptos do estado atrás das grades ou de tornozeleira, incluindo o ex-governador Silval Barbosa e quase todo o staff de seu governo, e José Riva, que se alternava como presidente da Assembleia e primeiro secretário por mais de 20 anos, e que era considerado o maior ficha-suja do País, hoje com mais de 80 anos de condenação. Também revelou a existência de uma intersecção entre as organizações criminosas de colarinho branco e as organizações criminosas violentas, algumas ditando ordens de dentro dos presídios.

No ano passado a juíza se aposentou e decidiu continuar o seu trabalho no combate à corrupção no Senado Federal. Filiou-se no PSL, mesmo partido de Jair Bolsonaro, e foi cruzar este estado gigantesco levando seu nome, muitas vezes em redutos políticos de alguns que foram condenados por ela.

Saber demais sobre muitos políticos, demonstrar coragem para enfrentar os corruptos, saber o funcionamento do "sistema" que permeia tanto o mundo político quanto o de facções criminosas, não permitiu uma vida fácil na sua campanha. O 'sistema' que mantem sempre os mesmos no poder é bruto, rico, inescrupuloso e tem seus tentáculos espalhados em todas as instâncias.

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Tomada por uma ingenuidade política, até compreensível para quem saía do judiciário e entrava no mundo político, Selma e o seu PSL em Mato Grosso se aliaram ao PSDB, do atual governador e candidato à reeleição Pedro Taques, que já tinha um candidato ao Senado, Nilson Leitão, do mesmo partido.

Em pouco tempo ela se viu usada para dar um verniz de honestidade e dignidade em uma chapa já desgastada pelas diabruras cometidas nacionalmente pelo partido, mas que logo depois de formada, foi delatada por um empresário (delação homologada pelo STF) num esquema de desvio de recursos da secretaria de Educação de Mato Grosso.

Percebendo a impossibilidade de manter o discurso da ética naquela chapa, anunciou que estava se afastando, e seguiu campanha solo. Desde então tem sido atacada de todas as formas, com a coligação tentado cassar seu direito ao horário eleitoral gratuito, não repassando verbas do fundo partidário e ainda plantando notícias de sua desistência.

Mesmo assim, surpreendendo da mesma forma que o candidato do seu partido à presidência, conseguiu se manter competitiva e segue em segundo lugar para o Senado em todas as pesquisas de intenção de voto, certamente por ter a luta contra corrupção como bandeira, e por melhor representá-la no Estado.

Selma Arruda paga o preço por ter exercido o seu ofício no Judiciário como espera o cidadão. Mas não se combate a corrupção impunemente. É o preço que Selma está pagando e que, pelo visto, está disposta a pagar pra ver.

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*Adriana Vandoni é economista, especialista em Administração Pública pela FGV/RJ e ex-secretária estadual de Transparência e Combate à Corrupção

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