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O populismo fiscal

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Por Vinicius Cavalleiro
Atualização:
Vinicius Cavalleiro. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Vivenciamos aproximadamente uma década de malabarismos fiscais, que têm corroído as contas públicas dos entes federativos. Não raro presenciamos a execução de obras desnecessárias e/ou superfaturadas, a contratação de serviços supérfluos e eleitoreiros (como os custos públicos de propagandas políticas, realização de eventos festivos, etc.) e até nomeações para o preenchimento de cargos em comissão vinculados a funções despidas de essencialidade. O que nem sempre percebemos é que, para além de satisfazer aos caprichos políticos dos governantes, tais atos geram um aumento significativo e corrente das despesas públicas.

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Como a execução orçamentária é um fluxo, que nasce com o ingresso (contínuo, mês a mês) das receitas previstas ao longo do exercício e se exaure ao longo dos atos de contração das despesas autorizadas na Lei Orçamentária, em períodos de severas frustrações de receitas, como os atualmente vivenciados, quanto mais despesas supérfluas forem executadas, menos despesas obrigatórias e essenciais serão levadas a cabo. Em resumo, a priorização equivocada da utilização dos finitos (e cada vez mais reduzidos) recursos públicos tem gerado o inchaço burocrático, em prejuízo do financiamento das políticas públicas essenciais da sociedade.

E estas despesas obrigatórias e essenciais, quando são subfinanciadas, mal orientadas ou malconduzidas, geram resultados de ineficiência dos serviços públicos ofertados. Recentemente, por exemplo, foi publicado o último resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), onde se demonstrou que o Brasil está atualmente no quinquagésimo-sétimo lugar geral, de um ranking com setenta e sete países participantes. Muito em função das perdas financeiras pelas quais o FUNDEB tem passado ao longo do período.

E na área da assistência à saúde pública, a OMS (Organização Mundial de Saúde) nos colocou em 125º lugar, em um ranking contendo 191 países, que são avaliados quanto à eficácia do sistema, o seu custo por habitantes, igualdade no financiamento da saúde e capacitação para promover a justiça social. Ao mesmo passo em que comprovamos inúmeros casos de aplicação de recursos do SUS, aquém no mínimo estabelecido na constituição.

Soma-se a esse quadro o fato de que boa parte dos resultados do subfinanciamento atual com as despesas essenciais e obrigatórias, fruto dos malabarismos fiscais antes listados, ainda não pôde sequer ser dimensionado. Especialmente na educação, muitos dos seus índices só são objetivamente aferidos anos após o seu efetivo custeio. Por isso, podemos arriscar afirmar que, se prosseguirmos nessa toada, o futuro das nossas próximas gerações estará seriamente comprometido.

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E ainda mais nefastas que as priorizações dos gestores com despesas supérfluas são as renúncias de receitas dissociadas dos resultados sociais prometidos. Os gastos tributários (benefícios fiscais), tanto quanto os financiamentos públicos, esvaziam o caixa do ente público em um volume tal que, por vezes, comprometem o custeio de todos os serviços públicos essenciais, já no seu nascedouro. Isto porque, sem o ingresso efetivo das receitas esperadas, as despesas autorizadas não poderão ser integralmente custeadas, sejam elas quais forem.

É fundamental que as contrapartidas sociais (como a geração de empregos) e financeiras (como o aumento da arrecadação) pactuadas quando da emissão dos respectivos benefícios sejam efetivamente fiscalizadas e cobradas, não só porque os entes federativos não estão em condições de abrir mão de suas respectivas receitas, mas principalmente porque as renúncias de dezenas, ou até mesmo de centenas de milhões de reais, por empresa, por ano, só se justificariam se esse custo for efetivamente recompensado com ganhos futuros de receitas e/ou com a geração de outros tipos de riquezas, como as que derivam da criação de empregos.

Ademais, a desoneração do custo tributário de poucos fere de morte a competitividade, inerente ao sistema econômico. É impossível que empresas não fruidoras de benefícios fiscais concorram com outras, que os fruem. E quebrando as primeiras, quebrada está toda a lógica das isenções, porque de nada adianta que poucas empresas empreguem ao custo de muitas fecharem suas portas, não produzirem, não gerarem riquezas e, por conseguinte, não pagarem seus respectivos impostos.

Essa enorme disparidade entre receitas diminutas e gastos crescentes fizeram como que, por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro fosse o primeiro a se lançar oficialmente em um Regime de Recuperação Fiscal. Regime esse que, por sua vez, foi instituído através da ideologia de que muitos estados não conseguiram, ou simplesmente não cumpriram as regras estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal.

A despeito da questão oficial, diversos outros estados se encontram no mesmo patamar fluminense de frustração de receitas, que absolutamente negam a eficácia do financiamento de políticas públicas essenciais.

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Por tudo isso, é fundamental que estejamos alertas para as falsas promessas. Precisamos verificar com carinho e com cuidado qual é a razão de o Estado estar aqui, qual é o nível de atendimento que ele tem prestado à população e quais os malabarismos que têm sido feitos em busca de promessas eleitoreiras e imediatistas. Porque uma coisa é garantida: não sairemos desse abismo fiscal com medidas meramente populistas.

*Vinicius Cavalleiro, promotor de Justiça e coordenador do Grupo de Atuação Especializada em Combate à Sonegação Fiscal e aos Ilícitos contra a Ordem Tributária do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (GAESF/MPRJ)

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