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Opinião|O problema da jurisprudência no Brasil

A palavra Jurisprudência deriva do latim, Jus = direito + Prudentia = sabedoria, que devem (ou deveriam) ter como significado a “prudência do Direito”.

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No entanto, o seu conceito inicial, é ainda mais antigo. Sendo usado desde a Grécia antiga com Aristóteles usando a palavra Phrónesis (sabedoria prática) para deliberar entre coisas boas e ruins. Depois os romanos a adaptaram para o latim, criando assim a palavra Prudentia.

O filosofo medieval São Tomás de Aquino chegou ao ponto de afirmar que essa seria a mãe de todas as outras virtudes e a pré-condição para que todas elas existam. Dessa forma, é essencial que a jurisprudência esteja enraizada no significado das palavras originais que a compõe. E é justamente por isso, que é preciso se atentar para fazer boas escolhas, ser inteligente, agir corretamente de acordo com as opções diferentes.

A sociedade muda com o tempo, é verdade. Muitas das nossas leis contêm termos escritos que podem gerar dúvida em relação à interpretação sobre a sua aplicação. Trata-se então dos Tribunais darem interpretação certa, induvidosa e determinada a um dispositivo legal ou constitucional, para que a Lei seja aplicada de forma igualitária a todos os cidadãos, gerando, assim, estabilidade das relações jurídicas. E é a Lei que deve se adaptar aos anseios da sociedade, não o contrário. A função da jurisprudência, fonte secundária do Direito, é a de gerar interpretação lógica, sistemática e uniforme com consequente estabilidade jurídica. Interpretações das Leis e da Constituição Federal com cunho político, ao revés, geram instabilidade jurídica e intranquilidade social.

No Brasil, a jurisprudência, apesar das Súmulas e da fixação de temas através de Repercussão Geral, não alcança o seu objetivo de fonte secundária do direito. Isso porque os Tribunais vão decidindo, mudando, alterando, remodelando, “avançando no tema” - como referem eufemisticamente; em interpretações, muitas ilógicas, outras incompreensíveis, outras ainda até contraditórias, em curto espaço de tempo; smj, não em face da lógica e sistemática do dispositivo legal ou constitucional, mas ao sabor da análise política e social do Tribunal.

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Vejamos, como exemplo, as decisões do STF sobre a prisão após o julgamento em segunda instância:

1. Antes de fevereiro/2009, o STF - Supremo Tribunal Federal mantinha o entendimento a respeito da constitucionalidade da execução provisória da pena de prisão.

2. Esse entendimento foi alterado com o julgamento do HC-STF n° 84.078, quando então a Corte passou a entender que no nosso ordenamento jurídico o cumprimento da prisão como execução provisória da pena não era constitucional, podendo a prisão ser mantida, entretanto, de forma preventiva. Nesse período, o condenado até poderia ter sua liberdade restrita enquanto aguardava a análise do Recurso Especial ao STJ ou Recurso Extraordinário ao STF, desde que estivessem presentes os requisitos necessários da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do CPP. Assim, se entendeu que a prisão do cidadão já condenado tinha natureza jurídica cautelar e não de execução da pena antes do trânsito em julgado do édito condenatório.

3. Depois, em fevereiro/ 2016, o mesmo STF reconsiderou a sua tese, ao julgar o STF-HC n° 126.292, retornando ao entendimento anterior a 2009, como Constitucional a possibilidade da execução provisória da pena. “Em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando o referendo da Suprema Corte” (Min. Teori Zavaski).

4. Por fim, em novembro/2019, nova reviravolta: “STF decide que cumprimento da pena deve começar após esgotamento de recursos”. (07/11/2019). https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=429359&ori=1

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Por quê, em apenas 3 anos (2016-2019), o entendimento mudou tanto? Foi por outra rápida revisão da análise jurídica ou por alguma questão política, também chamada de “Ativismo Judicial”? (https://jus.com.br/artigos/12921/o-stf-esta-assumindo-um-ativismo-judicial-sem-precedentes). Ambas, afinal, são preocupantes...

Mas este foi só um exemplo, seguido de muitos outros, como por exemplos:

1. O atual tema da competência pela prerrogativa de função. Em 2018, recentemente, portanto, o STF definiu, por 7X4, que deputados federais e senadores só têm o foro privilegiado previsto na CF quando os crimes imputados foram praticados no exercício do mandato e em função do cargo em que ocupam. Mas o tema voltou recentemente a debate, com viés de entendimento contrário...

2. A questão dos poderes investigatórios do Ministério Público.

Nos EUA, por se tratar de um outro sistema, conhecido como “Common Law” os juízes têm muito mais liberdade e poder, e por isso eles podem decidir – “legislar”. Sendo assim, muitas leis são decisões dos juízes baseadas em casos concretos que servem como base para outros casos posteriores parecidos com os julgados previamente. Portanto, se a decisão for proferida por uma Corte Superior, essa decisão será estritamente seguida pelas Cortes “inferiores” do mesmo estado.

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Por exemplo, se a Corte superior da Florida decidir pela proibição de algo, todas as outras Cortes do estado da Florida devem obrigatoriamente seguir essa decisão, criando assim, um precedente obrigatório. Porém, outros estados como por exemplo do Texas ou Montana não são obrigados a segui-la, podendo, entretanto, usá-la como exemplo. Nesse caso, torna-se algo opcional e assim se forma o que é chamado lá de “Case law” ou Jurisprudence, que é um sistema jurídico que atua como um coletivo completo para precedentes que define e esclarece leis ambíguas.

Um caso importante de lá que pode aqui ser referido é o do aborto. A primeira decisão sobre esse assunto foi proferida pela Suprema Corte Federal em 22/01/1973 no caso Roe X Wade, sendo pela sua permissividade. Por muitos anos foi assim, até que em 24/06/2022 ela foi revista e foi decidido basicamente contra essa prática e justamente por essa ser a corte mais alta, as outras devem segui-la. (https://www.npr.org/2022/06/24/1102305878/supreme-court-abortion-roe-v-wade-decision-overturn ).

A questão aqui no Brasil é que, diferentemente do que aconteceu com a decisão do nosso STF sobre prisão em segunda instância (que como dito antes, mudou completamente em 3 anos) nos EUA a decisão, nesse caso, demorou muitos anos para ser revista.

Então, de que adianta os Advogados, Procuradores etc. citarem julgados (jurisprudência) nas suas peças jurídicas, se sempre há entendimentos diversos para os mesmos fatos? Seja qual for o tema, penal, civil, administrativo, comercial, etc., basta pesquisar as decisões dos Tribunais, mesmo os superiores, que quase sempre se encontrará alguma decisão compatível com os argumentos pretendidos. Se há entendimentos para todos, então não há entendimento nenhum. Prevalece a ambiguidade pela diversidade de entendimentos, e nenhum se sedimenta. Conclui-se que citar jurisprudência nas peças processuais é atividade quase inócua, ineficiente, desnecessária, até vazia.

Revisar as decisões proferidas em tão pouco tempo é muito perigoso para o nosso Direito. Muitas vezes um advogado no Brasil ajuíza uma ação sem ter a mínima ideia de qual será o seu desfecho. Isso porque cada câmara dos TJs pensa de um jeito assim como as turmas do STJ; e o próprio STF reavalia os seus conceitos de forma constante, mais ao sabor das questões políticas do que jurídicas, tornando precária a segurança jurídica no Brasil. Se a jurisprudência tem uma série de visões diferentes sobre o mesmo tema, o seu propósito sucumbe, perde a sua lógica, pois, ao invés de viabilizar um entendimento mais sólido para leis, ela acaba desordenando-a, pelas decisões antagônicas/divergentes.

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Seria bom, portanto, se o Brasil voltasse a adotar o seu sistema em que havia uma ordem e segurança a longo prazo, a um prazo maior. Precisamos de uma decisão única e juridicamente correta nas cortes superiores, que seja acolhida pelas outras, pois, se não for assim, perde-se o seu propósito original.

Iuris prudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, iusti atque iniúste scientia”. - É a ação humana justa como atitude, mas injusta como ciência - Eneu Domício Ulpiano, jurista romano.

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Procurador de Justiça/SP. Foto: José Patricio/Estadão
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