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Obrigações de não concorrência em tempos de 'great resignation'

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Por Leticia Ribeiro Crissiuma de Figueiredo e Gabriel Augusto Gonçalves
Atualização:
Leticia Ribeiro Crissiuma de Figueiredo e Gabriel Augusto Gonçalves. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os impactos da pandemia do coronavírus nas relações de trabalho são inúmeros. Enquanto o índice de desemprego subiu em alguns setores, outros contrataram acima da média. Tem sido um período de grandes mudanças na cultura empresarial e no novo padrão de prioridades dos profissionais. Como consequência, hoje existem novos fatores considerados na decisão sobre novas oportunidades de trabalho.

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Desde 2021, países como Estados Unidos, França e China vivem um fenômeno crescente chamado de Great Resignation - ou a Grande Renúncia, em tradução livre -, cujo reflexo é um alto número de empregados pedindo demissão de suas posições, em alguns casos mesmo sem terem recebido novas propostas de emprego. Segundo uma pesquisa da Pew Research Center, a incompatibilidade com a cultura empresarial, o excesso de pressão, a busca de oportunidades mais flexíveis e melhor remuneração foram alguns dos fatores que levaram a essa movimentação.

No Brasil, apesar da taxa de desemprego permanecer alta, esse fenômeno também tem sido detectado em alguns setores da economia. Em fevereiro, por exemplo, um levantamento da LCA Consultores registrou 560.272 pessoas pedindo demissão.

O cenário exige que empresas implementem ações para tornar a relação de emprego mais atrativa, não apenas do ponto de vista financeiro. É muito importante que as organizações reforcem suas políticas internas de obrigações de não concorrência e de não aliciamento, exigidas após o término da relação de trabalho. Com isso, podem evitar uma competição direta com seus empregados.

Até o momento, não há no Brasil legislação específica tratando das cláusulas de não concorrência após a rescisão dos contratos de trabalho. A jurisprudência foi se firmando para criar os requisitos que hoje norteiam a validade de negócios jurídicos desta natureza, assumidos pelas empresas e seus empregados. Nesse sentido, observando-se as decisões do Supremo Tribunal Federal e da Justiça do Trabalho, quatro elementos são necessários para a confirmação da validade de cláusula de não concorrência após a rescisão do contrato de trabalho.

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O primeiro é a limitação temporal do período de restrição, sendo considerado razoável o prazo de 6 meses a 2 anos. Depois, é importante atentar-se à especificação das restrições, registrando por escrito o ramo de atividades que o profissional não poderá atuar, sem impor condições genéricas e impeditivas do exercício de qualquer atividade profissional. Outro elemento é a compensação financeira, que deve ser suficiente durante o período de restrição e compatível com os recebimentos financeiros do profissional na relação de trabalho. Por último, deve existir uma limitação geográfica, dependendo das atividades desenvolvidas pela empresa e até mesmo da capacidade do profissional de impactar os negócios na região, evitando-se previsões genéricas, como todo o território nacional.

Além desses aspectos, também é importante considerar o momento da celebração do acordo. Atualmente, existem entendimentos que confirmam a possibilidade de negociação logo no início da contratação, durante o contrato de trabalho ou mesmo no momento do seu encerramento. Se celebradas no início da relação empregatícia, as chances de discussões sobre vícios nas obrigações diminuem.

Embora passível de discussão, outro ponto importante na negociação dessas cláusulas é assegurar que a empresa possa, sem depender do consentimento do ex-empregado, dispensar ou reduzir o escopo da obrigação acordada. Isso deve ser celebrado por escrito com o profissional, sob pena de discussão sobre a necessidade de pagamento da indenização pelo período, mesmo que não haja intenção da empresa de buscar o cumprimento das restrições.

Apesar de os principais parâmetros para a validade de cláusulas de não concorrência terem sido consolidados na jurisprudência nos últimos anos, é possível que haja novos desdobramentos e impactos trazidos pela pandemia e as mudanças substanciais nos regimes de trabalho. Isso porque, antes da pandemia, existia um maior controle sobre o local de prestação de serviços dos empregados. Entretanto, a discussão sobre a ausência de limitações geográficas no desempenho das atividades pelos empregados tem crescido, reforçando a importância das empresas revisitarem obrigações já negociadas.

Esse é, sem dúvida, um momento singular em razão da alta rotatividade de profissionais, o que faz com que a revisão de práticas de não concorrência e não aliciamento se torne uma medida não só necessária, mas urgente. As empresas que conseguirem se adaptar com mais agilidade à essa nova realidade do mercado de trabalho conseguirão não apenas reter seus talentos com mais facilidade, mas também assegurar que novas contratações não sejam impedidas de exercer suas atividades de forma plena.

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*Leticia Ribeiro Crissiuma de Figueiredo e Gabriel Augusto Gonçalves são, respectivamente, sócia e associado da área trabalhista de Trench Rossi Watanabe

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