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Opinião|Os ossos de Cabral

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Alberto de Carvalho foi um carioca mandado a estudar na Europa. Movido por um sentimento altamente patriótico, preocupou-se com a pesquisa e resguardo dos restos mortais de Pedro Álvares Cabral.

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Chegou a mandar imprimir folhetos em Lisboa, na Tipografia do Comércio, em 1902 e 1903. Deles consta que o Convento de Nossa Senhora da Graça de Santarém, por escritura de 9 de agosto de 1529, D. Isabel de Castro, viúva de Pedro Álvares Cabral, entregou à Capela de São João, que está na Igreja do Convento, a guarda dos despojos de sua família, ascendentes e descendentes. Inclusive seus próprios restos mortais.

De fato, no centro dessa capela, em gente ao altar, ao rés do chão, desprotegida e, portanto, pisada por todos os que ali caminham, uma grande laje. Nela se lê: “Aqui jaz Pedralvarez cabral e dona Izabel de Castro, sua mulher, cuja é esta capela e de todos seus herdeiros”.

Pretendendo dar melhor destino ao descobridor do Brasil, Alberto de Carvalho conclamou os presumíveis leitores de seus folhetos, a edificarem um túmulo condigno a receber as cinzas de Pedro Álvares Cabral.

A existência do jazigo foi verificada por Varnhagen, que o visitou em 1839. Pedro II também ali esteve em 1871, por ocasião da visita que fez a Alexandre Herculano, em Val de Lobos, próximo a Santarém.

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Alberto de Carvalho ali esteve mais de uma vez e seu sentimento de brasileiro se confrangeu ante a modéstia do sepulcro e principalmente pelo abandono em que havia sido deixado no pequeno templo. A própria igrejinha estava a necessitar de urgentes e indispensáveis obras de defesa contra a ruína.

Deixou expressivo relato de sua decepção: “Quando, pela primeira vez, em um belo dia de verão, penetramos no edifício da Igreja da Graça, todo ele estava iluminado pela claridade profusa que espalhavam as suas numerosas vidraças. Só não tinha luz a capela onde se encontra o túmulo de Pedro Álvares Cabral, que parecia ali cruelmente acorrentado ao duplo infortúnio do desamor e da teve, porque tinham sido muradas as janelas, e o fundo do recinto estava ocupado por um pesado retábulo de madeira. Para ler o epitáfio, foi-nos preciso recorrer à luz artificial. Verificamos que a campa se confundia com o próprio chão da igreja: era, sem dúvida, uma grande lousa colocada ao centro de uma capela lateral, fronteira ao altar, mas uma campa rasa, que, por falta de um simples resguardo ou vedação, não só passava despercebida, mas também servia ao trânsito habitual entre a sacristia e a igreja”.

Veio-lhe ao espírito a ideia inicial de pelo menos fazer limpar as janelas, para entrar luz naquele lugar escuro. Em seguida, construir qualquer obra de proteção da laje tumular contra a profanação dos passos irreverentes.

Mas seria necessário procurar descobrir se era possível identificar, dentre as diversas ossadas ali abrigadas, aquela que seria de Cabral. Em 1882, o túmulo fora aberto para verificação do conteúdo. Da ata então lavrada, consta que, aberta a campa, foram encontrados ossos correspondentes a três corpos sobre uma camada de terra.

Alberto de Carvalho requereu e lhe foi deferido realizar novo exame. Em 12 de fevereiro de 1903, no Diário do Governo se publicou a portaria do Conselheiro Vargas, Ministro de Obras Públicas de Portugal, a permissão de exame osteológico, para precisar quais os ossos do descobridor.

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A exumação foi realizada em 14 de março de 1903, na presença de autoridades, dentre as quais Alberto Fialho, Embaixador do Brasil em Portugal e do próprio requerente, Alberto de Carvalho. A conclusão foi que, dentro da sepultura, onde historicamente consta existirem os despojos de Pedro Álvares Cabral, se encontram ossadas de muitas pessoas, de várias idades e sexos. De todo impossível discriminar a ossada que pertencia a Cabral. Nessa ocasião, recolheu-se em duas urnas de mogno um pouco da terra saturada do pó humano. Uma foi para a Sociedade de Geografia de Lisboa, a outra para que o Brasil guardasse, religiosamente, um pouco dessa poeira que um dia foi algo do homem que o descobrira. Esta urna foi entregue em 20 de fevereiro de 1904, à Catedral Metropolitana do Rio.

Quanto à capela de São João, em Santarém, foi restaurada e ali se colocou placa de bronze, mencionando a iniciativa de Alberto de Carvalho e a subscrição popular que ele promoveu. Inaugurou-se a restauração em 7 de setembro de 1911.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo
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