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Opinião|Por que a perícia de DNA absolve inocentes?

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Por Willy Hauffe e Natalie de Castro Alves

A 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu, no último dia 14 de maio, um homem preso há 12 anos por crimes de estupro. A condenação havia sido baseada exclusivamente em reconhecimentos feitos pela vítima, considerados nulos pelo Colegiado por não terem seguido as formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelece regras para o reconhecimento de pessoas.

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Inicialmente, a autoria foi imputada ao homem devido ao seu suposto envolvimento em outros crimes da mesma natureza — crimes dos quais ele vem sendo inocentado com base em exames periciais e análises comparativas dos perfis armazenados no banco de perfis genéticos. Ao todo, ele já havia sido condenado definitivamente em 12 ações penais, todas pelo crime de estupro, sendo apelidado de “Maníaco da Castello Branco”.

Contudo, laudos elaborados por peritos oficiais do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo concluíram que, em cinco casos, o material coletado das vítimas não era compatível com o material genético do acusado, mas sim com o de outro homem, condenado por crimes semelhantes. O perfil genético do acusado, incluído no banco de perfis genéticos, não encontrou nenhuma coincidência.

Com base na análise pericial, o homem já foi absolvido em cinco revisões criminais e em três habeas corpus impetrados perante o STJ, incluindo o HC 870.636/SP.

O relator do último caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, destacou que a prova genética reforçou a necessidade de absolvição. Ele afirmou que “[s]e as condenações do paciente foram servindo de confirmação umas às outras, tem-se que, da mesma forma, a identificação do perfil genético de pessoa diversa, somada ao fato de o perfil genético do paciente não ter encontrado nenhuma coincidência no Banco de Dados de Perfis Genéticos, acaba por esvaziar a certeza dos reconhecimentos realizados pelas vítimas”.

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Este é mais um caso em que a prova pericial, resultado do trabalho de peritos criminais, liberta inocentes injustamente acusados.

Outro exemplo notório ocorreu em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu a condenação de Israel, homem condenado pelo crime de estupro com base no reconhecimento da vítima (RHC 128096). No caso, o laudo pericial de DNA apontou que o material genético encontrado no local do crime não era de Israel, mas sim de um homem chamado Jacson, envolvido em crimes semelhantes. Antes de ser absolvido pelo STF, Israel já havia cumprido 10 anos de pena por um crime que não cometeu.

Ambos os casos ressaltam a importância dos bancos de DNA criminais: que além de apontar culpados, também libertam inocentes injustamente acusados. Para as vítimas, a prova genética oferece a possibilidade de identificação do autor do crime, muitas vezes impossível sem a perícia. Além disso, a prova genética transfere ao Estado o dever de identificação do culpado, aliviando a vítima do fardo de apontar um suspeito com base em memórias frequentemente comprometidas pelo trauma.

O caso Debbie Smith, vítima de estupro em 1989 nos Estados Unidos, foi um dos primeiros a ser resolvido com a ajuda dos bancos de DNA. Debbie afirmou que “[o] DNA estruturalmente liberta. Esse maravilhoso pedaço da ciência quebra as correntes da prisão emocional sentida por muitas vítimas e se torna uma prisão para aqueles que violaram cidadãos inocentes. O DNA não tem perda de memória, não fica confuso e não vai ser intimidado. O DNA dá vida [...] oferece paz e validação, liberta o inocente”.

Os casos de Debbie, Israel e o recente julgamento do STJ demonstram como a técnica de DNA confere mais assertividade e objetividade à justiça criminal, possibilitando que a persecução penal se baseie em elementos robustos e objetivos.

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Segundo dados do XIX Relatório da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), o Brasil conta hoje com 207.359 amostras cadastradas, um quantitativo muito baixo quando comparado a bancos de países como Reino Unido, Canadá, Alemanha e Estados Unidos que, por exemplo, têm cerca de 15 milhões de amostras cadastradas.

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Mesmo subutilizada, até 28 de novembro de 2023, a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos apresentou ao poder público 7.588 coincidências confirmadas, auxiliando 5.607 investigações.

O sucesso do DNA não é maior devido à aplicação incompleta da lei e ao investimento ainda tímido na área. O número de perfis genéticos cadastrados é baixo em comparação ao número de condenados por crimes que exigem a coleta obrigatória de material biológico. Conforme o art. 9º-A da Lei de Execução Penal (n.º 7.210/1984), todo condenado por crime doloso com violência grave contra a pessoa, crime contra a vida, liberdade sexual ou crime sexual contra vulnerável deve ser submetido à identificação do perfil genético ao ingressar no estabelecimento prisional.

O subaproveitamento do banco de perfis genéticos é incompatível com o dever do Estado de proteger os direitos fundamentais das vítimas e da sociedade. Negligenciar os bancos de DNA impede a elucidação de crimes e perpetua violações à vida, dignidade e integridade física e mental dos indivíduos.

O recente caso do STJ é um chamado para que a perícia criminal seja devidamente valorizada e reconhecida como instrumento indispensável ao Estado Democrático de Direito. Uma perícia criminal fortalecida demanda o compromisso com o fiel cumprimento da legislação processual penal, além de capital humano e financeiro.

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Por essas razões, o Brasil precisa renovar seu compromisso de investimento na ciência, para que mais crimes possam ser solucionados e erros judiciários que ainda levam inocentes à prisão sejam evitados.

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Willy Hauffe
Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF). Foto: APCF/Divulgação
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