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Procurador barrado diz que Comissão de Mortos e Desaparecidos não cumpre sua função

Ailton Benedito apresentou recurso contra decisão do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que barrou seu nome no colegiado que investiga mortes na ditadura

Por Breno Pires/BRASÍLIA
Atualização:

Reprodução/REDES SOCIAIS 

Barrado pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal após ser indicado para integrar uma comissão sobre mortos e desaparecidos na ditadura, o procurador da República Ailton Benedito questiona a duração "infinita" do grupo. "Existe há 15 anos e até hoje não concluiu o trabalho", disse em entrevista ao Estado. Ele recorreu nesta quarta-feira, 14, da decisão do conselho que vetou a sua nomeação na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), vinculada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

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"Discordo do trabalho da comissão no sentido de que ela nunca termine, não cumpra sua finalidade de encontrar despojos de mortos e as pessoas ainda desaparecidos, e dar uma satisfação às famílias e à sociedade. Existe há 15 anos e até hoje não concluiu o trabalho", disse o procurador-chefe do Ministério Público Federal em Goiás, uma das vozes mais estridentes do conservadorismo dentro da instituição e frequentemente exaltado nas redes sociais de bolsonaristas.

Segundo Ailton Benedito, é preciso estabelecer metas, objetivos, tempo claros para a realização e a conclusão dos trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. "Meu objetivo é que ela cumpra sua missão e não sirva à propaganda político-ideológica alheia", afirmou o procurador, defensor da atuação das Forças Armadas durante a ditadura militar.

A indicação de Ailton Benedito para integrar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, feita pela Secretaria de Proteção Global do ministério chefiado pela ministra Damares Alves, caminhava para ser aprovada, com um placar de 5 a 0 em julgamento iniciado em junho. Contudo, depois do pedido de vista do subprocurador-geral Nicolao Dino, houve uma virada para 6 a 4, em sessão na semana passada.

O argumento vencedor foi o da autonomia administrativa do Ministério Público Federal. Segundo o acórdão, mesmo que o próprio presidente da República houvesse indicado o procurador, ainda seria necessária a aprovação da PGR e do próprio Conselho.

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"A decisão é descabida, insustentável juridicamente. Não há impedimento legal para minha indicação. A escolha é privativa do presidente da República. E eu preencho os requisitos. Estou preparando o recurso e não vejo óbice para que o conselho opine favoravelmente", disse ao Estado. No recurso, protocolado nesta quarta-feira no CSMPF, Ailton Benedito afirma que a decisão cria uma situação tal que o representante do MPF na comissão de mortos e desaparecidos políticos só poderia ser alterado pela PGR, o que, segundo ele, feriria a autonomia do presidente da República.

"A linha proposta do acórdão, de absoluto isolamento do MPF em si mesmo, pode dar ensejo a absurdos. (...) Estaria a autonomia administrativa do Ministério Público servindo para impedir o exercício da autonomia do Poder Executivo, com evidente afronta à ordem jurídica", disse o procurador no recurso. A decisão, ainda segundo ele, "desrespeita as prerrogativas do presidente da República de exercer a direção do Poder Executivo e de prover cargos e funções no seu âmbito".

O posicionamento contundente no Twitter contra pautas tidas como da esquerda, ao longo de anos na rede, conquistou a atenção e a simpatia de diversos integrantes do governo Bolsonaro, além do próprio presidente.

O procurador acredita que os seus posicionamentos podem estar relacionados a decisão do conselho. Embora evite usar o termo perseguição, ressaltou que a sua "designação desagrada vários membros do MPF". "Eles acham que o fato de eu exercer meu direito de livre expressão e o trabalho de crítica a comissão me desincompatibiliza com ela. Eu discordo disso cabalmente", afirmou.

O procurador destacou também que o veto a seu nome não tem precedentes. "Nunca houve oposição do conselho à designação de nenhum membro do Ministério Público Federal que tenha sido convidado a participar de qualquer comissão no âmbito do governo federal ou dos Estados."

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No placar do Conselho Superior do MPF, a mudança de posição da procuradora-geral Raquel Dodge, antes favorável e depois contrária à indicação, "foi determinante", na visão de Ailton Benedito. "Mas não comento a posição dela ou dos demais (integrantes). É possível mudar de voto entre uma sessão e outra e é isso o que eu espero que aconteça", disse.

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Tecnicamente, o conselho não vetou o nome específico de Ailton, mas sim afirmou a prerrogativa do MPF de autorizar a ida de qualquer integrante para a comissão de Mortos e Desaparecidos. Apesar disso, a leitura entre aliados de Bolsonaro foi de que a decisão teve por objetivo evitar a entrada do procurador conservador. Essa interpretação reduziu ainda mais as chances da procuradora-geral Raquel Dodge ser indicada pelo presidente a um novo mandato.

Questionado se poderá recorrer à justiça caso seu recurso não seja aceito, Ailton Bendito disse que "confia na reforma da decisão do CSMPF".

Sucessão. No processo de sucessão da PGR, o procurador, que atua na primeira instância, nunca chegou a ser cotado para substituir Raquel Dodge, apesar de apelos nas redes sociais com a hashtag #AiltonBeneditoPGR. O nome dele, no entanto, é considerado um ativo entre os concorrentes, a ponto de um dos principais candidatos, o subprocurador-geral Augusto Aras, afirmar à Folha de S. Paulo que, caso seja o indicado, o convidaria para integrar seu gabinete.

Ao Estado, Ailton Benedito afirmou que não é candidato, não apoia a nenhum concorrente específico e não recebeu convites para integrar qualquer equipe de PGR. Também destaca que suas posições antecedem Bolsonaro e vêm desde que entrou no Twitter em 2011.

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Sobre o perfil ideal para o próximo procurador-geral, Ailton diz que "o papel do PGR no sistema de freios e contrapesos é cumprir a Constituição Federal e levar o judiciário o que é necessário". Crítico do ativismo judicial, o procurador defende, com suas palavras, a autocontenção do PGR, como do Supremo e dos demais poderes. "Cada poder deve cumprir o que lhe é de competência", disse ele, crítico à criminalização da homofobia pelo Supremo, por entender que tal decisão só poderia ser tomada pelo Legislativo.

"Da minha parte continuarei torcendo e rezando para que o presidente Jair Bolsonaro faça uma escolha boa para o país", afirmou.

Comissão. Criada em 1995, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos teve a composição alterada há duas semanas, com a mudança de quatro dos sete integrantes.

As trocas, feitas por decreto assinado pela ministra Damares Alves, vieram uma semana após a comissão reconhecer que a morte do desaparecido político Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, foi"não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro". Entre os dois eventos, houve ainda a polêmica das declarações de Bolsonaro contrariando a versão apresentada pela comissão sobre a morte de Fernando Santa Cruz.

O presidente Jair Bolsonaro justificou a decisão de mudar os integrantes na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos por sua corrente política, que é "de direita". "O motivo é que mudou o presidente, agora é Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente", afirmou.

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