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Quem controla os excessos do STF

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Por Maristela Basso
Atualização:
Maristela Basso. Foto: Arquivo Pessoal

Os perigos que ameaçam o Brasil não advirão das urnas nas próximas eleições. As maiores ameaças à nossa combalida democracia, à segurança jurídica e ao estado de direito decorrem de decisões proferidas por órgãos do Poder Judiciário que aumentam a discricionariedade judicial, perpetrando violações a direitos e liberdades fundamentais - até recentemente inimagináveis.

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A decisão do STF, no constrangedor imbróglio entre o ministro Lewandowski e as duas mais altas autoridades daquela Corte, ministros Dias Toffoli e Fux, deixa evidente de onde vêm os riscos que corremos no Brasil. A empresa jornalística Folha de S.Paulo apresentou reclamação ao STF contra decisão proferida pela Vara Federal de execução da pena do ex-presidente Lula da Silva em Curitiba, que proibira que este concedesse entrevista àquele órgão da imprensa.

Em uma primeira decisão, o ministro Lewandowski, relator da reclamação da Folha, autorizou a entrevista pleiteada com base nos mais elementares dos direitos fundamentais garantidos pela nossa Constituição Federal, os relativos às "liberdades de imprensa e de manifestação", categorias jurídicas que não admitem qualquer tipo de censura prévia.

Insatisfeito, o Partido Novo, que de novidade e democrático parece não ter nada, impetrou medida liminar de urgência, no mesmo STF, durante o final de semana, para cassar a decisão do ministro Lewandowski.

Em um verdadeiro combate de sabres, os presidente e vice daquela Corte cassaram a decisão do ministro-relator e, em novos despachos, criaram figura jurídica inadmissível e plena de vícios. Não apenas proibiram a entrevista do ex-presidente como ordenaram que, caso já tivesse sido feita, a Folha de S.Paulo não a publicasse.

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De fato o Brasil é o país do "nunca antes visto".

Estupefatos os brasileiros estão diante de uma intervenção injustificada do STF na esfera de liberdades tuteladas, tais como as de expressão e profissional; direitos que incluem a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independente do local onde a pessoa se encontre: presa, em liberdade, dentro ou fora das fronteiras territoriais.

O art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal determina que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Ademais, proíbe toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (art. 220). Também o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é parte, estabelece que seus países membros devem respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território que nenhuma discriminação seja feita em razão de opiniões políticas ou de outra natureza, qualquer que seja a sua condição.

O acesso à informação é, portanto, um direito fundamental de relevante interesse público. Os órgãos de imprensa e os jornalistas não podem ser impedidos de cumprir suas funções quando escrutinados por outros interesses, dentre eles, os eleitorais. A divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida. Trata-se de um imperativo do estado de direito democrático. Razão pela qual, a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação implica censura e indução à autocensura: ambos crimes contra a sociedade.

Esperar até que o plenário do STF pacifique a questão, preferencialmente após o pleito eleitoral, é um escândalo e uma afronta à segurança jurídica.

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Assim sendo, todas as pessoas, cujos direitos e liberdades reconhecidos na Constituição Federal e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil tenham sido violados, devem interpor recurso efetivo (ação judicial própria), mesmo que a violência tenha sido perpetrada por órgão do Poder Judiciário que agia no exercício de funções oficiais.

Qualquer pessoa significa qualquer um de nós.

Isto é, todos aqueles que tiveram obstaculizado o gozo do exercício da liberdade de expressão, de opinião e de profissão (Folha de S.Paulo, sua jornalista Mônica Bergamo, o ex-presidente Lula), como também qualquer um de nós, o povo, que nos vimos privados do direito de receber informações, ter acesso ao conhecimento, compartilhar ideias por quaisquer meios.

A consequência desses recursos/ações pode variar: por se tratar de uma pessoa, grupo de pessoas etc.

Em todo o caso, é fundamental que se tenha presente que quem controla o STF é ele mesmo, enquanto órgão máximo da judicatura nacional, em sessão plenária. Qualquer que seja a ação intentada pelos prejudicados, os efeitos da decisão não podem implicar a simples cassação de uma decisão anterior, mas sim a determinação de uma nova situação jurídica, na qual seja declarada a inconstitucionalidade da decisão anterior, em face do direito fundamental à igualdade de tratamento quanto ao exercício dos direitos de expressão e de profissão.

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Como se vê, quando o próprio STF comete tal erro, cabe a este corrigi-lo, provocado pelos interessados. Caso contrário, aceitar-se-á a inconstitucionalidade provocada pelo próprio Judiciário, cujo resultado prático fere os mais sagrados princípios erigidos quando da consagração do império da lei sobre o da barbárie e do despotismo: os da estabilidade, previsibilidade e ausência de perigos.

*Maristela Basso, professora de direito internacional e comparado da Faculdade de Direito da USP. Sócia de Nelson Wilians &Advogados Associados

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