Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Retrospectiva do Direito Desportivo em 2022

PUBLICIDADE

Por Guilherme Doval
Atualização:
Guilherme Doval. FOTO: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

O ano de 2022 trouxe importantes marcos para o Direito Desportivo, e não apenas pela aguardada retomada do calendário regular de competições nas mais diversas modalidades. Foi no ano de 2022 que diversas inovações legislativas ocorridas no ano anterior foram efetivamente colocadas em prática e a teste, e importantes propostas legislativas sobre o setor foram apresentadas.

PUBLICIDADE

Seguramente, o tema mais debatido ao longo do ano foi o das Sociedades Anônimas do Futebol. Introduzida por meio da Lei 14.193/21, a "SAF" é um novo tipo societário para entidades voltadas à prática do futebol masculino e feminino. A nova legislação apresentou dois importantes vieses: o primeiro voltado à viabilização do saneamento dos clubes e o segundo para a profissionalização nas gestões, ao incentivar que o desgastado modelo de associações civis sem fins lucrativos seja alterado para o formato das sociedades anônimas, com um expressivo incremento nas suas normas de governança.

O primeiro viés foi fortemente amparado pelo Regime Centralizado de Execuções (RCE), previsto no art. 13 da Lei da SAF. O mecanismo de centralização de execuções não é novo e já era adotado por tribunais do trabalho de todo país, sob a alcunha de "Plano Especial de Pagamento Trabalhista", o PEPT. O RCE previsto na Lei da SAF foi além e passou a permitir também a centralização de execuções cíveis, estas no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados.

É interessante observar que na decisão que concedeu o REC para as dívidas não trabalhistas do Cruzeiro, proferida ainda em fins de 2021 pelo então presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o magistrado determinou o encaminhamento de cópia do processo à Secretaria de Governança e Gestão Estratégica (Segove) para a adaptação do Regimento Interno do Tribunal e regulamentação da matéria no âmbito daquela casa.

E, de fato, ao longo do ano de 2022 diversos tribunais regulamentaram o REC, como é o caso dos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás. O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, editou o Provimento CGJT nº 01, de 19 de agosto de 2022, atualizando as normas relativas ao PEPT para tratar do RCE, deixando expresso que o regime é apenas possível às SAFs ou aos clubes associativos que tenham adotado a forma de SAF.

Publicidade

A adoção da forma de sociedade anônima permitiu que o futebol brasileiro avançasse de forma mais enfática do regime associativo, dentro do qual boa parte dos maiores clubes do país atingiram alarmantes níveis de endividamento. Os chamados clubes-empresa já existiam, mas foi a SAF que viabilizou que os clubes mais populares do país pudessem garantir a potenciais investidores regras de governança mais avançadas, como a manutenção de Conselhos de Administração e Fiscal, restrições a controladores, diretores com dedicação exclusiva, dentre outros. O resultado foi a constituição de dezenas de SAFs espalhadas por diversos Estados, e tantos outros que já se preparam para este movimento, revolucionando a retomada de investimentos no principal produto desportivo do Brasil.

A Lei 14.205/21, (conhecida como Lei do Mandante), também foi colher seus desdobramentos ao longo do ano de 2022. A lei passou a atribuir aos clubes mandantes a prerrogativa de negociar os direitos de transmissão dos jogos realizados sob o seu mando de campo.

Surgida como Medida Provisória em meados de 2021 e gerando embates entre clubes e emissoras, a edição da Lei deu mais segurança jurídica aos envolvidos, especialmente ao prever que os contratos de transmissão existentes quando da entrada em vigor da nova lei seriam preservados.

Como resultado, equipes que não mantinham contratos de transmissão com a TV Globo passaram a transmitir os jogos realizados em seus estádios em plataformas próprias, como é o caso do Athletico Paranaense. Embates judiciais se seguiram e houve até mesmo "black-out", em que partida do Campeonato Brasileiro da Série A deixou de ser transmitida por ausência de contrato com o mandante para transmissão na TV fechada. A mudança na lei já gerou a renegociação de vários contratos de transmissão e as renovações dos demais serão no mínimo interessantes.

Para além da consolidação de leis promulgadas no ano anterior, o ano de 2022 viu a aprovação pela Câmara dos Deputados da chamada Lei Geral do Esporte, que visa a atualizar e consolidar legislação anteriormente esparsa. A proposta teve projeto substitutivo aprovado na Câmara em 6 de julho e retornou ao Senado para apreciação.

Publicidade

O texto original apresentado no Senado focava na instituição de mecanismos voltados ao aprimoramento da proteção de atletas em formação, por meio de modificações na Lei Pelé. Contudo, o Projeto de Lei Substitutivo nº. 1.153/2019, aprovado na Câmara dos Deputados, consolidou dezenas de emendas para contemplar temáticas diversas.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A propositura é ousada e altera temas tão importantes como variados, como a repartição de receitas arrecadadas pelas loterias, incentivos tributários para o investimento no desporto, a obrigação de garantia de diversos direitos aos atletas em formação, cadastro obrigatório de torcedores e a abolição do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, passando às entidades de administração de cada modalidade desportiva a normatização de sua própria justiça esportiva.

A ampla gama de temas inclusos no Projeto de Lei aprovado pela Câmara prometia uma grande discussão na sociedade -- o que não ocorreu em razão das turbulências do segundo semestre que prejudicou sensivelmente a atividade legislativa no período. Ainda assim, não foram poucas as manifestações contrárias, especialmente as realizadas pelos atletas de futebol profissional das quatro divisões nacionais, que manifestaram sua irresignação contra a proposta que pode reduzir à metade o valor das multas rescisórias e interromper seu pagamento a partir da contratação do atleta por outra agremiação.

O projeto é ousado e inevitavelmente as discussões seguirão para 2023.

*Guilherme Doval é sócio do Almeida Advogados e presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de MG

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.