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Opinião|Sepúlveda Liberdade Pertence

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Atualização:
Sepúlveda Pertence Foto: Pablo Valadares/Estadão

Pepitas de ouro deram origem ao nome Sabarabuçu, posteriormente Sabará, uma derivação do tupi tesaberabusu, que significa "grandes olhos brilhantes". Em novembro de 1937, na cidade das pepitas de ouro, nasceu José Paulo Sepúlveda Pertence, filho da Dona Carmen e do engenheiro José. Cursou o ginasial em Belo Horizonte, no Colégio Estadual de Minas Gerais, onde foi colega de Carlos Mario da Silva Velloso, que futuramente iria ser seu par no Supremo Tribunal Federal e sucessor na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral.

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Estudou direito na UFMG, laureado com a Medalha do Rio Branco, o prêmio de melhor estudante. Foi vice-presidente da UNE (1959/1960) quando o mineiro Juscelino Kubitschek presidia o Brasil. Já formado, em 1963, o Dr. José Paulo foi aprovado, em primeiro lugar, para o Ministério Público do DF. Porém, no sombrio ano de 1969, foi aposentado compulsoriamente com base no AI-5.

Darcy Ribeiro, acompanhado do educador Anísio Teixeira, convenceu JK a construir uma universidade que reinventasse o ensino superior. Anísio tinha estudado na Universidade de Columbia (NY) e foi influenciado pelo pragmatismo de John Dewey. Oscar Niemeyer desenhou o campus da UnB. Oscar foi marcadamente influenciado pela arquitetura de Le Corbusier, como se verifica na adoção de construções sobre pilotis e janelas em fita. É o estilo arquitetônico que se caracteriza pela sensação de liberdade que oferece. Brasília, de Oscar e Lúcio Costa, teria sido inspirada na Ville Radieuse de Le Corbusier. O arquiteto francês visitou o Brasil em 1929 e 1936. Ficou encantado com a beleza do Rio de Janeiro, cidade que sobrevoou de avião pilotado por Antoine de Saint-Exupéry, autor arrebatado pela liberdade. Lúcio Costa, ainda jovem estudante, esteve na plateia para ouvir Saint-Exupéry em 1929.

Victor Nunes Leal foi convidado para estruturar a faculdade de direito. Victor tinha pesquisado o Brasil profundo, grafado no "Coronelismo, Enxada e Voto", livro publicado em 1948 sobre a realidade do Brasil interiorano.

O ensino do direito proposto era revolucionário. Não havia grade fechada de matérias. A dinâmica das aulas era assim: o professor expunha por duas horas e, após, um instrutor assumia para mais duas horas de debates. Pertence era instrutor de Introdução à Ciência do Direito, ministrada pelo professor baiano Antônio Luís Machado Neto, expoente da corrente do egologismo, uma compreensão do direito capitaneada mundialmente por Carlos Cossio, discípulo inquieto de Hans Kelsen.

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Machado Neto e Pertence foram cassados pela ditadura militar em 1965, ano em que José Paulo Pertence foi convidado a ser assessor no Supremo Tribunal Federal, à época chamado de secretário jurídico. Pertence foi um dos primeiros do Tribunal. A ideia de assessoria foi de Victor Nunes Leal, que já havia tomado posse como Ministro no Tribunal. Victor queria que o STF adotasse o modelo dos law clerks da Suprema Corte dos Estados Unidos, que assessoram toda a Corte. A resistência de alguns ministros em terem assessoria fez com que se vinculasse um assessor a um ministro que aceitasse tal modelo. José Gerardo Grossi foi secretário do Ministro Hermes Lima. Grossi também foi professor da UnB e do MPDFT. Claro, também foi cassado em ambos os cargos. Anos mais tarde, foi sócio de Pertence - e de Victor - na advocacia.

No Supremo, Pertence assessorou o Ministro Evandro Lins e Silva, que tinha sido Procurador-Geral da República (1961/1963) e Chefe da Casa Civil (1963) de João Goulart. Jango tinha sido vice-presidente de JK e, como tal, Presidente do Senado à luz da Constituição de 1946. Em 1960, foi candidato a vice do Marechal Lott, que perdeu as eleições para Jânio Quadros. A lei eleitoral permitia que se votasse separadamente para presidente e vice, e a chapa "Jan-Jan" tomou posse na Presidência em 1961. Após sete meses, Jânio renunciou. É fato notório o que aconteceu no 1º de abril de 1964.

Em 9 de abril de 1964, veio o AI-1, que deveria vigorar por dois anos e legitimava o governo militar por si mesmo, mas mantinha a Constituição de 1946, alterando, contudo, os poderes do Presidente da República. O AI-1 cassou 41 deputados federais, dentre eles Leonel Brizola (PTB-GB), Moyses Lupion (PSD-PR) e Rubens Paiva (PTB-SP).

Em 14 de abril, foi baixada a Portaria que instituía os inquéritos policiais-militares, largamente usados contra quem ousava pensar ou se manifestar. Um IPM foi aberto contra o governador de Goiás, o major Mauro Borges Teixeira. O Ministro Gonçalves de Oliveira concedeu a primeira liminar em Habeas Corpus da história do Supremo Tribunal Federal quando viu, da janela de seu apartamento na Asa Sul, os tanques seguindo pelo eixão a caminho de Goiânia. Essa história, da doutrina brasileira de Habeas Corpus, sempre era lembrada por Pertence no que ele dizia ser a "força normativa dos fatos".

Em 1964, o Tribunal concedeu dezenas de habeas corpus à luz da Constituição de 46, como nos casos do governador Miguel Arraes, do deputado Francisco Julião e do professor Sergio Cidade de Resende. A insistente independência do Supremo irritava o governo. Uma entrevista do Ministro Ribeiro da Costa, então Presidente do Tribunal,na qual defendia a volta dos militares aos quartéis, irritou os detentores do poder de fato.

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O Tribunal concedeu Habeas Corpus a Juscelino Kubitschek, alvo de um IPM. Dois dias depois, em 27 de outubro de 1965, o governo militar baixou o AI-2, que aumentou o número de ministros de onze para dezesseis. De lambuja, o AI-2 extinguiu os partidos políticos existentes e criou o bipartidarismo (ARENA e MDB). Em seguida, foi aprovada a Emenda Constitucional 16/65, que criou a figura do controle concentrado de constitucionalidade no direito brasileiro.

Rafael Favetti. Foto: Divulgação

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O STF resistia como podia à escalada do autoritarismo, assim como o Congresso. Em 1968, o deputado Marcio Moreira Alves, do MDB, pediu para que a população não participasse dos desfiles do 7 de setembro e que as moças brasileiras não saíssem com oficiais militares. Outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu duros artigos contra o autoritarismo do governo, que respondeu pedindo a cassação dos deputados. A Câmara recusou processá-los e, no dia seguinte, em 13 de dezembro de 1968, foi decretado o AI-5, considerado o golpe no golpe. O AI-5 fechou o Congresso, suspendeu a garantia do habeas corpus e cassou 11 deputados federais. Logo após a lista de cassados aumentou e atingiu diversos setores da sociedade. Dentre os cassados, estava Darcy Ribeiro.

Evandro Lins e Silva, chefe de Pertence no STF, tinha sucedido a Hermes Lima como chanceler (1963) no governo Jango. E a Darcy Ribeiro na Casa Civil. Evandro foi atingido em cheio pelo AI-5 e foi cassado como Ministro do Supremo Tribunal Federal. Junto com ele, Victor Nunes Leal e Hermes Lima. O Presidente do Tribunal, Gonçalves de Oliveira, renunciou ao cargo, no que foi seguido pelo Vice-Presidente do Supremo, Ministro Antônio Carlos Lafayette de Andrada. Após as cassações e renúncias, o AI-6 (1969) fez com que a composição do Supremo voltasse para onze ministros.

Merece destaque a atitude do Ministro Adaucto Lúcio Cardoso, que em 1971 abandonou o Plenário ao ser o único contrário à lei da censura prévia.

Cassado do STF, Victor Nunes voltou para a advocacia e teve José Paulo como sócio em Brasília, juntamente com Claudio Lacombe, José Guilherme Villela e Pedro Gordilho. O escritório defendeu centenas de casos de perseguidos pela ditadura. Pertence advogou de 1969 a 1985, tendo sido conselheiro da OAB/DF e vice-presidente do Conselho Federal.

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Após 21 anos de regime militar, o Congresso Nacional elegeu a chapa Tancredo-Sarney. Antes da posse, Tancredo convidou Pertence para assumir a Procuradoria-Geral da República, órgão de cúpula do MP, instituição da qual Pertence havia sido cassado décadas antes.

Com receio das movimentações da "linha-dura" da ditadura, Tancredo não procurou ajuda médica na campanha, apesar das dores que sentia. Na véspera de sua posse, foi internado no Hospital de Base em Brasília. Travou-se uma disputa hermenêutica sobre o ato da posse. Pertence defendia arduamente o direito do vice da chapa eleita, José Sarney, descartando as hipóteses de alongar o regime do Gen. Figueiredo ou de se passar a faixa para Paulo Maluf, segundo colocado nas eleições indiretas. Articularam a posse de Sarney - e o fim da ditadura - o então presidente da Câmara Ulysses Guimarães (MDB-SP) e o ex-ministro-chefe da Casa Civil Leitão de Abreu, que tinha sido ministro do Supremo Tribunal Federal na década de 70. Tancredo faleceu no dia 21 de abril, Dia da Inconfidência Mineira e aniversário de Brasília.

Sarney conhecia Pertence por meio de José Aparecido, que tinha sido deputado federal e secretário particular de Jânio. Também foi cassado pelo regime militar. Mais tarde, foi governador do DF (1985/1988) e Ministro da Cultura. Sarney manteve a indicação de Tancredo e Pertence assumiu a PGR. Dizem as boas línguas que foi Pertence quem escreveu os capítulos do MP e da AGU na Constituição Cidadã.

Com a vaga aberta pela aposentadoria do Ministro Oscar Dias Correia, também mineiro, Pertence foi indicado para o Supremo. É tradição do Tribunal a escolha de um cognome formado por dois nomes próprios seus e José Paulo escolheu Sepúlveda Pertence. Mas fora dos espaços públicos, Sarney e Pertence se chamavam de "Excelência Zé" e "Ministro Zé Paulo".

Há uma legião de fãs de Sepúlveda Pertence que, na verdade, formam uma escola jurídica da liberdade. Nomeá-los seria indelicado. Há ministros do Supremo, membros do MP, professores de direito, advogados, cientistas políticos etc. Neles, permanece vivo o modo de olhar o direito como meio de emancipação social, de garantidor de justiça coletiva e de para-choque da liberdade.

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*Rafael Favetti foi assessor de Pertence no STF e sócio da Sociedade de Advogados Sepúlveda Pertence

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