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Opinião|Socorram-me, subi no ônibus...

convidado
Luis Cosme Pinto Foto: Arquivo pessoal

O talho na sobrancelha, sangrou mais do que doeu. A medalha gravada até hoje é conquista dos disputados campeonatos no Instituto La-Fayette. Num ano qualquer da década de 1970, ganhava a finalíssima quem subisse a escada mais rápido – de preferência de 4 em 4 degraus – e depois pulasse lá de cima caindo de pé no chão de cimento áspero. Um “rala-côco” tão duro quanto a minha cabeça.

Houve outro tema na escola tijucana, também de muito treinamento, que encantou aqueles adolescentes: o palíndromo – frases que lidas de trás pra diante, ou de cá pra lá, dizem o mesmo. Nossa pérola: SOCORRAM-ME, SUBI NO ÔNIBUS EM MARROCOS.

Amiga leitora e querido leitor, se não conhecem, leiam de novo, sem pressa...

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Leram? Releram?

Cinquenta anos depois, subi e desci no ônibus em Marrocos numa excursão à Casablanca, Marrakesh, Fez, Rabat, Ouzazata.

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Uma terra de deserto, montanhas, praias; destemida diante do trágico terremoto e orgulhosa de sua comida, de sua história, de sua fé. Lá estão, muito bem preservadas, as mesquitas, as cidades de milhares de anos edificadas em argila, os mercados das pechinchas. É também a nação da cerâmica, do artesanato, dos chás, das especiarias. Que cheiroso e que belo é o Marrocos.

Tapetes, bolsas, cristais e – nunca imaginei – vinho bom e barato.

Não sei porque, talvez por puro desconhecimento da África, vislumbrava um país confuso, poluído, com gente demais nas ruas, miséria. Engano. O Marrocos é limpíssimo, calçadas sem nenhum buraco, perfeitas para caminhadas sem destino. Árvores floridas, praças e jardins onde os pais sentam pra conversar sem celular, enquanto as crianças dão milho aos pássaros. Gente educada, acolhedora, que sabe receber turista.

Esperava também os clichês que aprendi nas sessões da tarde: encantadores de serpente, tapetes voadores, dança do ventre nas Mil e uma Noites; encontrei estúdios de verdade, onde nasceram Lawrence das Arábias, O Gladiador, Babel.

Imaginava Mustafa, Sarah, Mohamed; conversei com Fátima, Marica, Enrico. Marroquinos interessados em aprender a nossa língua, que chamam de “brasileirrô”.

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A esse turista apressado, pareceu um país de mulheres escondidas. Elas surgem em armazéns, a caminho da escola com os filhos, em profissões pouco valorizadas, sempre a falar baixo. Os homens lotam os bares, fumam, dirigem 99 por cento dos carros, dominam a sociedade. Como em qualquer parte do mundo, elas fazem mais e ganham menos.

Entre as corcovas de um camelo pelas dunas do Saara, ou numa avenida movimentada das cidades marroquinas, olhe pra cima e logo verá uma cegonha. Pescoço comprido, asas largas, elas partem em revoadas no fim do dia. Tecem ninhos na copa das palmeiras, na torre das mesquitas, no alto das chaminés e dos postes.

Com meio século de atraso, corrijo o palíndromo. Se acaso me virem num ônibus em Marrocos, por favor, não me socorram.

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter

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