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Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Queda da fragmentação com reforma eleitoral aumentou fidelidade partidária

Sistema político-partidário ficou mais funcional não apenas na arena eleitoral, mas também na arena legislativa

Foto do author Carlos Pereira

Não existem mais dúvidas que os objetivos pretendidos de redução do número de partidos e da fragmentação partidária foram alcançados com as reformas no sistema eleitoral de 2017, notadamente o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais para deputados.

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O cientista político Jairo Nicolau demonstra, por exemplo, que nas eleições de 2022 houve redução significativa do número de partidos que apresentaram candidatos e dos que elegeram representantes para o Legislativo em todos os Estados da federação. Ele destaca que as legendas que não atingiram o patamar mínimo de votos acabaram ficando de fora do Legislativo, fazendo com que a representação ficasse mais concentrada em um número menor de partidos, diminuindo assim a fragmentação partidária em todos os Estados.

Mas o que dizer do comportamento dos parlamentares na arena legislativa? Será que as reformas eleitorais tiveram algum impacto no padrão de fidelidade partidária dentro do Congresso?

Em estudo ainda preliminar que estou desenvolvendo com Matheus Cunha (UFPE) identificamos que as reformas de 2017 também tiveram um efeito indireto de aumentar a lealdade dos parlamentares aos seus partidos. Elas fortaleceram ainda mais os líderes dos partidos e, consequentemente, a disciplina partidária.

Fidelidade partidária geral e por grupos de parlamentares (fiéis e infiéis) antes e depois da reforma de 2017, por Carlos Pereira e Matheus Cunha (Figura 1) Foto: Reprodução/Carlos Pereira

Nosso estudo revela que, quando o comportamento de todos os parlamentares é observado de forma agregada, não há grandes mudanças de fidelidade partidária entre os períodos pré e pós-reforma. O painel esquerdo da Figura 1 mostra que as médias da fidelidade antes da reforma (linha vermelha) e depois (linha azul) são semelhantes.

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Entretanto, a análise do comportamento agregado esconde grande variação interna. Quando testamos o efeito da reforma diferenciando os parlamentares menos fiéis (os que votaram diferentemente da orientação do líder em mais de 50% das vezes) dos mais fiéis, é possível identificar que a lealdade dos infiéis aumentou em relação aos fiéis, fazendo com que, após a reforma, a diferença que existia entre esses dois grupos desaparecesse (ver painel direito da Figura 1).

Argumentamos que o incremento de fidelidade partidária dos deputados outrora infiéis se deveu à própria diminuição da fragmentação partidária que, fundamentalmente, diminuiu o número de partidos pequenos, os quais, antes da reforma, eram fortemente preferidos por deputados infiéis em virtude da baixa capacidade de impor disciplina. Com a reforma, esses partidos deixaram de existir ou foram obrigados a se fundir.

Ao migrarem para partidos maiores após a reforma, os deputados mais infiéis ficaram sujeitos a um comportamento mais disciplinado para ter acesso a espaços de poder e a recursos eleitorais. Quem não migrou, não sobreviveu. E quem migrou para sobreviver teve que se comportar de forma mais fiel e disciplinada.

Esse efeito virtuoso indireto reforça a interpretação proposta pelo cientista político Scott Mainwaring de que o cerne dos problemas de comportamento oportunista e desregrado no Brasil era justamente a alta fragmentação do sistema partidário e não o multipartidarismo em si. Nossos achados reverberam essa ideia, descrevendo a dinâmica pré-reforma em que deputados que não queriam ser constrangidos pela disciplina escolhiam agremiações de pequeno porte.

Ao remover essa escolha e recompensar partidos maiores com ainda mais recursos, a reforma pôs uma trave nessa engrenagem de seleção partidária. Com o gradual desaparecimento de micropartidos, à medida que novas fases da reforma são implementadas, esse efeito provavelmente se intensificará.

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Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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