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Cidade de pai de Lira torra dinheiro de royalties do petróleo com advogados e incha máquina pública

Barra de São Miguel compromete maior parte dos R$ 14,5 milhões que recebeu via ordem judicial com grupo lobista e amplia gasto com servidores

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Foto do author Vinícius Valfré
Por Daniel Weterman , Julia Affonso e Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA – A cidade de Barra de São Miguel (AL), administrada pelo pai do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), torrou praticamente toda a receita milionária obtida com royalties de petróleo junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O município comprometeu milhões em honorários advocatícios pagos ao grupo do lobista que conseguiu a decisão na Justiça e inchou a máquina pública. A cidade de 8 mil habitantes saltou de 401 servidores para 896 em um ano. É como se 11% dos moradores trabalhassem na prefeitura.

A legislação estabelece, porém, que os royalties devem ser aplicados por Estados e municípios nas áreas de energia, pavimentação de rodovias, abastecimento de tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente, saneamento básico, educação e saúde. O recurso extra permite uma triangulação no caixa que abre espaço para gastos com funcionários.

Benedito de Lira é pai do presidente da Câmara, Arthur Lira, e prefeito de Barra de São Miguel Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Como o Estadão revelou na terça-feira, 25, desembargadores do TRF-1 têm autorizado pagamentos milionários de royalties pela exploração de petróleo e gás a municípios que não produzem uma única gota do óleo. Essas cidades também não atendem a outros critérios previstos em lei que garantiriam altas parcelas da compensação financeira.

As decisões judiciais driblam a legislação e têm sido obtidas pelo grupo do lobista Rubens Machado de Oliveira, condenado por estelionato e investigado pela Polícia Federal (PF) por lavagem de dinheiro. Ele coordena advogados sem experiência no setor de royalties de petróleo, que chegam a citar a Bíblia em pedidos apresentados à Justiça.

Entre fevereiro do ano passado e junho deste ano, a prefeitura de Barra de São Miguel, comandada por Benedito de Lira (PP-AL), o Biu de Lira, recebeu R$ 14,5 milhões em royalties obtidos via decisão judicial. O Portal da Transparência do município indica que 91% – ou R$ 13,2 milhões – foram comprometidos com o grupo do lobista e com reforma de praça e obras de pavimentação.

A prefeitura de Barra de São Miguel fechou contrato, sem licitação, com o advogado Gustavo Freitas Macedo, e se comprometeu a repassar 20% de tudo o que arrecadar a partir da decisão judicial para ele. Mesmo que o benefício fosse derrubado depois.

Macedo é o único advogado de um escritório próprio localizado em Três de Maio (RS), na fronteira com a Argentina. A banca foi registrada em fevereiro de 2021 junto a Receita Federal – seis meses antes da assinatura do contrato com o município. O advogado informou ao Fisco que sua banca tem um capital social de R$ 1 mil.

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O prefeito Benedito de Lira firmou contrato com o advogado Gustavo Freitas Macedo, sem licitação, em agosto de 2021; escritório leva 20% de tudo o que o município arrecada com royalties após a vitória na Justiça Foto: Reprodução/Diário Oficial dos Municípios

O município já comprometeu R$ 3,9 milhões com o advogado, entre pagamentos e reserva de caixa. Em 24 de março deste ano, a cidade transferiu uma parcela de R$ 105 mil para Macedo. O pagamento mais recente foi repassado em 23 de junho: R$ 32 mil. No ano passado, Barra de São Miguel chegou a pagar R$ 934 mil de uma só vez.

“Referente a contrato de prestação de serviços técnicos especializados de assessoria jurídica na área dos royalties do petróleo, onde o contratado obriga-se a propositura de ação judicial contra a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) com o objetivo de que esta repasse ao município royalties que lhe são devidos”, afirma a prefeitura.

A prefeitura de Barra de São Miguel já comprometeu R$ 3,9 milhões com o grupo do lobista; pagamento mais recente ao advogado Gustavo Freitas Macedo é de 23 de junho Foto: Reprodução/Prefeitura de Barra de São Miguel

O reduto de Lira está recebendo royalties, amparado em uma ordem liminar (provisória) do desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, do TRF-1. Documento interno da ANP, obtido pelo Estadão, contesta o uso dos valores transferidos aos municípios para pagamentos de honorários advocatícios.

“O recebimento de royalties pelos municípios em função de decisão judicial em caráter precário, sem o trânsito em julgado da ação, pode implicar em devolução posterior de recursos por parte dos municípios, fato que agrava sua utilização prévia para pagamento de honorários advocatícios”, avaliou a ANP.

Os gastos de Barra de São Miguel

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Quando recorreu à Justiça Federal de Brasília para aumentar sua fatia de royalties, Barra de São Miguel alegou que, sem receber os repasses, a prefeitura estava deixando de aplicar recursos “na infraestrutura e melhorias da educação e saúde local”. Depois que começou a receber o dinheiro, porém, privilegiou encher a máquina e pagar o grupo do lobista.

O dinheiro usado para pagar servidores saltou de R$ 23,3 milhões em 2021, quando Barra não recebia royalties, para R$ 31,6 milhões, em 2022. Na prática, o dinheiro a mais no caixa permitiu à prefeitura adotar uma engenharia orçamentária e criar uma folga para pagar funcionários a serviço do prefeito, mesmo que o recurso do petróleo não possa ser usado na folha de pagamento da prefeitura.

Entre 2022 e 2023, Barra de São Miguel mais do que dobrou a quantidade de pessoal, aumentando a despesa com salários, segundo informações da própria prefeitura. Em junho do ano passado, a administração tinha 401 servidores e gastos de R$ 855 mil com a folha de pagamento. Um ano depois, o número chegou a 896 com salários totais de R$ 2,2 milhões. Em uma cidade com 8 mil habitantes, é como se 11% dos moradores trabalhassem na prefeitura de Biu de Lira.

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Um dos contratos abastecidos com royalties soma R$ 16,3 milhões, para pavimentação de 10,3 quilômetros de ruas da cidade, e foi assinado com a empresa L. Pereira & Cia Ltda. O Portal da Transparência da prefeitura não traz os custos que justificam esse valor pago em pavimentação, como determina a lei, o que dificulta a fiscalização do processo e diminui a transparência. A prefeitura se negou a repassar as informações solicitadas pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação. Até o momento, a cidade já reservou R$ 8 milhões para a empresa somente neste ano – o restante ainda depende da continuidade dos serviços.

O dinheiro do petróleo também foi parar na empresa MC Construções e Empreendimentos LTDA, contratada para construir e reformar praças na cidade. Até agora, a contratação custou R$ 1,3 milhão para os cofres municipais. Barra de São Miguel embarcou em uma licitação feita pelo município de Jequiá da Praia (AL), que selecionou o mesmo fornecedor para colocar paralelepípedo em ruas e reformar praças na cidade.

O edital que originou o processo não traz os custos dos materiais usados na obra, o que também diminui a transparência do gasto. Esse modelo de contratação, usado por prefeituras parceiras, adota o mesmo projeto e os mesmos preços em cidades diferentes, desconsiderando as características locais de cada uma. Em obras de infraestrutura, o sistema tem sido questionado por órgãos de controle por dar margem para superfaturamento e desvios.

Procurada, a Prefeitura de Barra de São Miguel não retornou à reportagem. O advogado Gustavo Freitas Macedo afirma ter experiência no setor de royalties de petróleo e diz morar na cidade de Três de Maio (RS) “diante das circunstâncias da pandemia com problemas de saúde na família”.

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