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PCC é acusado de administrar contratos ou manter cargos com Poder Público em 16 cidades; veja quais

Tentáculos do crime organizado atuam para abocanhar contratos milionários com oportunidades de obter novos lucros e lavar o dinheiro do tráfico de drogas em atividades lícitas; especialista cobra maior transparência de prefeituras e câmaras; defesa de vereadores presos nesta terça-feira não se manifestaram

Foto do author Heitor Mazzoco
Por Heitor Mazzoco
Atualização:

Ao menos 16 cidades paulistas têm suspeitas de elo de criminosos do Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Poder Público, de acordo com investigações do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e ações que correm na Justiça nos últimos anos. Os supostos envolvimentos vão desde fraude em licitações até nomeação para cargo em prefeitura. Nesta terça-feira, 16, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço de investigação criminal do MP-SP, desencadeou uma operação que aponta para fraude em licitações em prefeituras e câmaras paulistas.

A operação ocorreu em 12 cidades: Guarulhos, São Paulo, Ferraz de Vasconcelos, Cubatão, Arujá, Santa Isabel, Poá, Jaguariúna, Guarujá, Sorocaba, Buri e Itatiba. Os vereadores Flávio Batista de Souza (Ferraz de Vasconcelos), Luiz Carlos Alves Dias (Santa Isabel) e Ricardo Queixão (Cubatão) foram detidos durante a operação. Em outras três cidades, há suspeitas ou investigações sobre atuação do PCC: Campinas, Cananéia e Iguape. Já em Biritiba Mirim, um ex-prefeito foi condenado por nomear integrante do crime organizado como secretário. O espaço está aberto para manifestação dos parlamentares e dos municípios citados.

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De acordo com a apuração do MP, empresas ligadas ao PCC disputavam licitações e simulavam concorrência em parceria para adquirir contratos públicos para serviços de de mão de obra para limpeza e postos de fiscalização e controle. Nos últimos cinco anos, os contratos supostamente fraudulentos giraram em torno de R$ 200 milhões. A operação desta terça, batizada de Muditia, cumpriu 13 dos 15 mandados de prisão até as 16h45.

Um dos promotores do caso é Yuri Fisberg, que deu detalhes em coletiva de imprensa sobre as apreensões. “Tivemos ainda 42 mandados de busca cumpridos, com a apreensão de quatro armas de fogo e grande número de munições, 22 celulares, 22 notebooks, R$ 3,5 milhões em cheques, R$ 600 mil em espécie e US$ 8,7 mil”, disse.

O MP afirmou que a operação ocorreu depois de interceptações telefônicas revelarem atuação de criminosos do PCC com funcionários públicos e vereadores paulistas.

Dinheiro apreendido durante operação do Gaeco contra PCC, prefeituras e câmaras Foto: Divulgação via MP

Frederico Silveira, também promotor público, afirmou que a operação mostra como o PCC se sofisticou no crime organizado. “Nosso grande objetivo no momento é a asfixia financeira para enfraquecer o crime”, afirmou.

Estadão mostrou em fevereiro atuação do crime organizado na política

As eleições municipais são mais atrativas para o crime organizado por ser mais fácil se aproximar de vereadores, secretários e prefeitos que, muitas vezes, são cooptados ou fazem parte do crime antes mesmo de entrar para política. A atuação do PCC e também do Comando Vermelho (CV), como o Estadão mostrou em fevereiro deste ano, visa se apropriar de contratos públicos, lavar dinheiro e manter tentáculos do crime no Poder Público.

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Para as facções, ao contrário das milícias, não é o domínio do poder local que está em jogo, mas a oportunidade de obter novos lucros e lavar o dinheiro do tráfico de drogas em atividades lícitas.

No último dia 9, duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo, acusadas de serem criadas com o dinheiro do PCC, foram alvo da Operação Fim da Linha. Ao todo, os promotores cumpriram 52 mandados de busca e apreensão no Estado com o auxílio de 340 policiais de cinco batalhões da Tropa de Choque da PM. A Justiça decretou a prisão de três acionistas das empresas e de um contador e determinou medidas cautelares contra outros cinco acusados. Também foi decretado o bloqueio de R$ 684 milhões em bens dos investigados para o ressarcimento das vítimas e em razão de danos coletivos provocados pela atuação das empresas.

Elas fariam parte de um cartel montado pelo crime organizado para se apossar do chamado Grupo Local de Distribuição do sistema municipal de transportes, onde estão as empresas que atuam nos bairros da capital. As empresas alvo da operação são UPBus e Transwolff. Em Cananéia e Iguape, investigações do MP-SP apontam para fraudes supostamente cometidas com envolvimento da Transwolff.

Celulares guardavam provas da ação do PCC no transporte público em Campinas

Em Campinas, uma das provas mais fortes encontradas pelo Gaeco para comprovar envolvimento do crime no transporte da cidade ocorreu quando telefones celulares de Claudemir Antonio Bernardino da Silva, o Guinho, foi apreendido.

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Pelas mensagens, os promotores viram que Guinho participava das reuniões com os permissionários da prefeitura de Campinas, recolhia o dinheiro obtido com os ônibus e cuidava da manutenção de sua frota, além de pagar propina mensalmente aos fiscais do sistema de transportes. A Prefeitura, por meio da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) diz que realizou uma sindicância que não apontou irregularidades e que presta todo apoio às investigações do MP.

“Após a análise de todas as informações extraídas e obtidas, a comissão observou que os dados operacionais apresentados pela Altercamp, em comparação com as demais cooperativas e empresas do sistema, não se sobressaem; observou, também, que qualquer possível ação de favorecimento a qualquer permissionário, seja com ou sem bônus financeiro, envolveria parte substancial de áreas e colaboradores da Emdec, como por exemplo, desde as aprovações documentais, monitoramento e fiscalização (garagem, terminais e itinerários) dos permissionários.”, relatou trecho do documento final, resultado do trabalho da comissão.

Mensagens encontradas no celular de Guinho mostram a gestão de ônibus usados no transporte em Campinas Foto: Reprodução / Ministério Público

Ex-prefeito enfrenta cobrança de mais de R$ 800 mil por nomeação

Em Biritiba Mirim, na Grande São Paulo, como o Estadão mostrou também em fevereiro, o ex-prefeito da cidade Jarbas Ezequiel de Aguiar enfrenta cobrança judicial no valor de R$ 830 mil por multa imposta pela Justiça por ter nomeado Ronaldo Júlio de Oliveira, conhecido como Ronaldo Porco, na Secretaria de Governo e como tesoureiro. À época da nomeação, ele já havia sido sentenciado em duas instâncias por lavar dinheiro para um integrante da facção criminosa PCC.

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De acordo com o MP, que acionou Aguiar na Justiça, o ex-prefeito sabia dos problemas judiciais de Ronaldo Porco e, mesmo assim, o colocou na administração pública. Porco deixou o cargo por vontade própria em março de 2017.

Uma investigação do Ministério Público apurou ligação entre Ronaldo Porco e Carlos Alberto Silva, conhecido como “Balengo”. “Balengo, como integrante do PCC, dominava pontos de tráfico de drogas e integrava grupo criminoso que atuava no roubo a bancos”, disse na inicial da ação o promotor Felipe Duarte Paes Bertolli. O criminoso foi morto em uma troca de tiros com policiais na tentativa de fugir após roubo realizado em uma agência do antigo Banco Real, de Guarulhos, também Grande São Paulo, em 2008.

Com atualização feita em julho de 2023, Prefeitura de Biritiba-Mirim cobra mais de R$ 800 mil de ex-prefeito Foto: Divulgação | TJSP

Especialista diz ser necessário maior transparência do dinheiro público

Advogado criminalista, doutor e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), José Carlos Abissamra Filho afirmou que estudos apontam para necessidade de maior transparência do dinheiro que gira em torno do Poder Público, ou seja, devem desenvolver o sistema compliance.

“Alguns estudos indicam e a evolução da norma veio da seguinte forma: antigamente não tinha guerra contra drogas, que quando chegou, veio junto a intensificação do tráfico. Há um empoderamento do tráfico nas décadas 1970 e 1980, que gera muito lucro. Aprimora-se uma legislação, que depois foi chamada de lavagem de dinheiro, que visa buscar a coibição da utilização de dinheiro ilícito, daí a expressão follow the money”, afirmou.

No entanto, ele explica a legislação pode estar ultrapassada por, justamente, não conseguir obter resultados que levem atividades ilegais ao declínio. “Estudos indicam que a legislação de lavagem de dinheiro não consegue enfraquecer atividades ilícitas, especialmente as lucrativas, e desenvolvem o compliance, para você dizer: ‘Olha, você precisa ter transparência, eu preciso saber de onde vem seu dinheiro, caso contrário não farei negócios com você’. Ou seja, uma coisa é decorrente da outra. O que os dados indicam? Indicam que nossa legislação não está conseguindo fazer frente às atividades ilícitas e lucrativas. O efeito colateral disso é o empoderamento do crime organizado, que ocupa mais espaço”, disse.

O que disse a Prefeitura de Cubatão sobre a operação Muditia

“Sobre a Operação Muditia, realizada nesta manhã (16) pelo Gaeco, a Prefeitura de Cubatão esclarece que a investigação apura eventuais irregularidades em contratos da Câmara Municipal, não sendo a Prefeitura citada na referida investigação. Mesmo assim, tem colaborado com o Ministério Público, fornecendo documentos e informações solicitados.

Fabiana de Abreu Silva investigada nesta operação, que corre em segredo de justiça, ocupou cargo de confiança de assessora especial de políticas estratégicas e recentemente assumiu o cargo de secretária-adjunta de Governo. A referida servidora foi exonerada nesta terça (16) para garantir imparcialidade às investigações e à sua ampla defesa junto ao Ministério Público.”

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O que disse a Câmara de Santa Isabel

“A Câmara Municipal de Santa Isabel – SP, tomou conhecimento na manhã de hoje, 16 de abril, da operação deflagrada pelo GAECO. Até o presente momento esta Câmara de Vereadores vem colaborando com as investigações. Quanto aos mandados de prisão, informamos que não fomos cientificados acerca de eventuais prisões. Aguardamos o deslinde das investigações, e nos colocamos à disposição da Justiça para maiores esclarecimentos.”

O espaço está aberto para manifestações as demais câmaras e prefeituras das cidades citadas na operação.

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