Doria desiste de concorrer à Presidência: ‘Me retiro da disputa com o coração ferido e a alma leve’

Isolado, ex-governador de São Paulo admitiu não ser a escolha da cúpula do PSDB; partido deve se reunir nesta terça para oficializar coligação com MDB e Cidadania em torno do nome de Simone Tebet como representante da chamada terceira via

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Por Gustavo Queiroz, Pedro Venceslau e Lauriberto Pompeu
Atualização:
11 min de leitura

SÃO PAULO E BRASÍLIA – Vencedor das prévias tucanas para disputar o Palácio do Planalto, o ex-governador de São Paulo João Doria se rendeu nesta segunda-feira, 23, à pressão de caciques do partido e desistiu da corrida presidencial. “Com o coração ferido e a alma leve”, ele admitiu que não é “a escolha da cúpula do PSDB”. A decisão fortalece o nome da senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a pré-candidata da terceira via – o chamado centro democrático.

Não há consenso, porém. Uma ala do PSDB, encabeçada pelo deputado Aécio Neves (MG) – candidato derrotado ao Planalto em 2014 –, opera para lançar o ex-governador Eduardo Leite (RS) ou o senador Tasso Jereissati (CE). Defendida pelas cúpulas de MDB, PSDB e Cidadania, a escolha por Simone para a terceira via, que estava prevista para ser anunciada hoje, foi adiada mais uma vez com o novo racha tucano. Antes, a data-limite era quarta-feira passada.

Em São Paulo, Doria fez um anúncio rodeado de tucanos, entre eles o presidente da legenda, Bruno Araújo, com quem está rompido. “Sempre busquei e seguirei buscando o consenso, mesmo que ele seja contrário à minha vontade”, afirmou. Com olhos marejados, o ex-governador afirmou que continuará um “observador sereno” do País. “Sempre à disposição de lutar a guerra para a qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada.”

O ex-governador João Doria, durante pronunciamento em que anunciou a desistência da disputa pela Presidência. Foto: Werther Santana/Estadão

Simone afirmou que o País tem “pressa” e, segundo ela, Doria é “aliado”. Nesta terça-feira, 23, a executiva do MDB vai confirmar a pré-candidatura da senadora. A cúpula do PSDB discutiria a coligação também nesta terça, mas o encontro foi cancelado.

Rifado

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Na semana passada, os presidentes de PSDB, MDB e Cidadania rifaram Doria e endossaram o nome de Simone após uma pesquisa interna indicar rejeição menor à senadora na tentativa de romper a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Doria chegou a falar em “golpe” e ameaçou levar o impasse no PSDB à Justiça, o que intensificou seu isolamento e culminou no abandono da pré-candidatura.

Uma ala tucana quer compor com Simone. Logo após o anúncio de Doria, o presidente do PSDB disse que o nome da senadora “está posto” e afirmou considerar “natural” que tucanos indiquem o vice – também estão cotados Leite e Jereissati. “O PSDB não existe como fim dele mesmo. O gesto de João Doria é uma entrega à democracia e um compromisso que será eternamente reconhecido pelo partido”, disse Araújo. Entenda a polêmica envolvendo a candidatura de Doria aqui.

Segundo ele, PSDB e MDB vão agora alinhar estratégias regionais e o plano de governo da coligação. Araújo também afirmou que ainda espera ter o União Brasil na chapa da terceira via. Resultado da fusão do PSL e do DEM, a legenda participou das primeiras articulações, mas se retirou e apresentou a pré-candidatura do deputado Luciano Bivar (PE), presidente do partido.

A resistência entre tucanos parte dos descontentes com uma aliança com Simone, não em razão de solidariedade a Doria. O principal argumento é que a candidatura da senadora pode ser rifada pelo MDB durante as convenções, previstas para julho e agosto, o que deixaria o PSDB à deriva. O MDB tem alas regionais que apoiam Bolsonaro e Lula.

Aécio afirmou que a decisão de Doria obriga o PSDB a reabrir a discussão sobre as eleições. “Continuo defendendo, como sempre fiz, que tenhamos candidatura própria. É hora de aproveitarmos esses últimos acontecimentos para reconstruirmos a unidade do PSDB em torno do único caminho que permitirá que o partido continue a cumprir sua trajetória em defesa do Brasil, ou seja, com uma candidatura própria à Presidência da República”, afirmou, em nota.

Leite, que concorreu com Doria nas prévias em novembro passado e ensaiou voltar à disputa em março com apoio de Aécio, elogiou a decisão do correligionário ontem. “O PSDB teve candidato legítimo oriundo das prévias, que agora faz gesto pela unificação da terceira via sob liderança de outro partido. Gesto importante de João Doria, que merece respeito”, escreveu Leite, no Twitter.

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Apoio

Mesmo com o cancelamento da reunião, o secretário-geral do PSDB, deputado Beto Pereira (MS), disse que a maior parte da cúpula tucana pretende apoiar Simone. “É majoritário dentro da executiva do PSDB a intenção, e todos os movimentos já foram dados diante disso, de caminharmos com a Simone”, afirmou Pereira.

Segundo ele, o PSDB vai esperar a homologação do nome da emedebista. “Amanhã (hoje) o MDB se reúne, delibera sobre essa questão, não deixando nenhuma dúvida quanto a sua candidatura para que depois a gente faça isso diante da executiva (do PSDB)”, disse o secretário-geral do PSDB.

Presidente do Cidadania – partido que se juntou ao PSDB em uma federação –, Roberto Freire afirmou que o grupo que rejeita uma aliança com Simone é minoritário. “Nós tivemos uma reunião e fizemos um indicativo. Esse gesto de João Doria tem a ver com o indicativo que foi feito, ele julgou que ser a favor do Brasil neste momento é retirar a candidatura dele”, disse.

No meio político, a desistência de Doria trouxe à tona seu papel no desenvolvimento da vacina contra a covid-19 no Brasil. “Devemos a ele – graças à sua obstinação e capacidade de trabalho – milhares de vidas salvas pela sua incessante luta pela vacina da covid”, disse o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), que ainda afirmou ter respeito por Doria. Aliada do ex-governador, a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP) afirmou que os “extremos comemoram”.

O ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil) relembrou o trabalho em conjunto com o ex-governador no combate às facções criminosas nos presídios federais e afirmou que Doria tem “méritos na vida pública”. Moro também desistiu de disputar a Presidência da República em 2022.

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Doria abraça a mulher, Bia, após anunciar que desistiu de disputar a Presidência da República este ano. Foto: Werther Santana/Estadão

Leia a íntegra do pronunciamento de João Doria nesta segunda-feira:

“Boa tarde a todos.

Hoje é um dia de respostas, mas também um dia de perguntas.

As pessoas sempre me perguntam por que deixei uma vida de conforto à frente das minhas empresas bem sucedidas, para entrar na política?

Sou filho de um político cassado pelo golpe militar de 64. Meu pai, tal como eu, começou a vida pobre, mas lutou, trabalhou e alcançou uma vida confortável, dono de uma das maiores agências de publicidade do Brasil. Até o dia que decidiu, inspirado por Franco Montoro, a lutar por um Brasil melhor.

Nele, era premente e urgente a necessidade de servir ao povo brasileiro, de combater a desigualdade e a injustiça social.

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João Doria foi eleito deputado federal e, em abril de 64, foi cassado pelo golpe militar. Perdeu seus direitos políticos, todos os seus bens e foi obrigado a viver no exílio.

Inspirado pelos ideais e pela coragem de meu pai, e coincidentemente também motivado por Franco Montoro, colaborei desde cedo com a vida pública. Com Mário Covas fui Presidente da Paulistur e Secretário de Turismo, em São Paulo. Por conta de uma gestão bem sucedida, fui convidado a presidir a Embratur, emblematicamente criada por um projeto de lei de autoria de meu pai. Como militante e ativista, organizei, a pedido de Franco Montoro, o histórico comício das Diretas Já, na praça da Sé, em 25 janeiro de 1984, aqui em São Paulo.

Com perseverança, dedicação e trabalho, construí uma carreira sólida na iniciativa privada e coloquei de pé um grupo empresarial de sucesso.

2015 marcava o auge de uma recessão brutal que dizimou milhões de empregos, guilhotinou a renda, levou a inflação às alturas e destruiu sonhos. Nada muito diferente do que enfrentamos hoje. Inconformado, acompanhava as medidas econômicas equivocadas de um governo incompetente e o desvio de dinheiro público.

2016 seguindo os passos de meu pai, decidi disputar uma eleição.

Começa aí minha saga, no meu partido.

No PSDB disputei 3 prévias: para prefeito, para governador e para presidente. As 3 únicas prévias na história do partido. Venci as prévias em 2016. E logo depois, venci as eleições para a prefeitura da maior cidade do país, no primeiro turno. Fato inédito na história política de São Paulo.

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Guardo as melhores lembranças da prefeitura. E do meu amigo Bruno Covas.

Tenho orgulho de ter zerado a fila de exames nos postos de saúde, com o inédito Corujão da Saúde. Atendemos a população em situação de rua com os Centros de Acolhimento, recuperamos praças, avenidas e ruas. Promovemos a maior inclusão de crianças desassistidas no redimensionamento das creches e escolas municipais. Lançamos os programas de concessão do Parque do Ibirapuera, do Pacaembu e do Anhembi, entre outras conquistas importantes para a cidade.

Em 2018, novamente disputei e fui vitorioso nas prévias do PSDB para a eleição a governador do Estado de São Paulo. Mais uma vez, venci as prévias e venci as eleições, sendo eleito governador de São Paulo.

Tenho orgulho de ter feito uma gestão transformadora no estado, reconhecida até mesmo por adversários. Diante do desafio histórico da pandemia, me empenhei pessoalmente para trazer ao Brasil 124 milhões de doses da vacina contra a covid-19. Procurei fazer o certo. Salvamos vidas e a economia. Na pandemia, São Paulo cresceu 5 vezes mais do que o Brasil, gerando um terço de todos os novos empregos do país. Por todo o território nacional, a vacina foi sinal de esperança, salvando milhões de brasileiros. Vencemos com a ciência, os discursos do ódio, das fake news e o negacionismo.

Assim como, na saída da prefeitura, quando deixei o comando da cidade nas mãos do saudoso Bruno Covas, desta vez também, deixei o governo de São Paulo em boas mãos. Rodrigo Garcia está levando em frente um trabalho que começou com uma equipe de craques, e que certamente lhe renderá a vitória nas eleições deste ano. Rodrigo será, com muita justiça, reeleito governador de São Paulo.

Em dezembro do ano passado, mais uma vez disputei as prévias do partido para ser candidato a presidente da república. E mais uma vez, as venci.

Fica aqui minha gratidão aos brasileiros da cidade de São Paulo que me deram mais de 3 milhões de votos na prefeitura, aos quase 11 milhões de votos ao governo de São Paulo. E aos mais de 17 mil militantes do PSDB, que me escolheram como candidato a presidente do Brasil.

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Agradeço também aos mais de seis milhões de brasileiros que, nas pesquisas de opinião pública, já manifestaram a intenção de votar no meu nome para presidente, antes mesmo do começo da campanha eleitoral.

O Brasil precisa de uma alternativa para oferecer aos eleitores que não querem os extremos. Que não querem aquele que foi envolvido em escândalos de corrupção. E nem aquele que não deu conta de salvar vidas, não deu conta de salvar a economia e que envergonha nosso país em todo o mundo.

Para esta missão, coloquei meu nome à disposição do partido.

Hoje, neste 23 de maio, serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida. Sou um homem que respeita o bom senso, o diálogo e o equilíbrio. Sempre busquei e seguirei buscando o consenso, mesmo que ele seja contrário à minha vontade pessoal. O PSDB saberá tomar a melhor decisão no seu posicionamento para as eleições deste ano.

Me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Com a sensação inequívoca do dever cumprido e missão bem realizada. Com boa gestão e sem corrupção.

Saio com o sentimento de gratidão e a certeza de que tudo o que fiz foi em benefício de um ideal coletivo, em favor dos paulistanos, dos paulistas e dos brasileiros.

Saio como entrei na política: repleto de ideais, com a alma cheia de esperança e o coração pulsante, confiante na força do povo brasileiro que têm fé na vida e em Deus.

Peço desculpas pelos meus erros. Se me excedi, foi por vontade de acertar. Se exagerei, foi pela pressa em fazer com perfeição. Se acelerei foi pela urgência que as ações públicas exigem.

Os acertos foram fruto do trabalho em equipe, da ousadia e da coragem, do propósito que sempre persegui. De sempre fazer bem feito o que tem que ser feito.

Respeito e Trabalho. Fazer do possível o impossível. Esse é meu mantra. Levo por onde eu for.

Agradeço a minha equipe aguerrida, aos membros do partido que sempre me defenderam, aos que lutaram ao meu lado, aos que foram leais e que defenderam a democracia interna do partido. E defendem, como eu, a liberdade e a igualdade no Brasil.

Agradeço aos colaboradores, que estiveram comigo na prefeitura e no Governo do Estado, que se empenharam para os resultados históricos que alcançamos.

Agradeço aos militantes do PSDB, extraordinários guerreiros que nunca me abandonaram.

Agradeço a Deus pela disposição que sempre me deu, pela capacidade de trabalho, senso de justiça e paz no coração.

Agradeço igualmente à minha família, à Bia, aos meus queridos filhos, Johnny, Felipe e Carol, ao meu querido irmão Raul e sua linda família. Agradeço também a todos os verdadeiros amigos que sempre me apoiaram, em todas as minhas decisões.

Por fim, relembro aqui o belo poema atribuído a Cora Coralina: “Tem mais chão nos meus olhos do que o cansaço das minhas pernas, mais esperança nos meus passos, do que tristeza nos meus ombros. Mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”.

Seguirei como observador sereno do meu País. Sempre à disposição de lutar a guerra para a qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada.

Que Deus proteja o Brasil.

Muito obrigado e até breve.”

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