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É falso que comboio do Exército tenha ido à fronteira com a Bolívia em reação a fala de Boric

Vídeo postado no Facebook tira de contexto declaração do presidente do Chile, Gabriel Boric, de agosto passado; Exército desmentiu postagem

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Por Marcelo Perrone

Não é verdade que um comboio do Exército com mais de três quilômetros de extensão tenha se deslocado para a fronteira com a Bolívia para prevenir uma possível invasão do Brasil por países "comunistas" do continente após declaração do presidente do Chile, Gabriel Boric. Um vídeo no Facebook tira de contexto um trecho de entrevista concedida pelo chileno à Time em agosto. O Exército afirmou que as alegações do vídeo não correspondem à "realidade dos fatos".

A postagem no Facebook, do dia 1º de dezembro, soma 420 mil visualizações, 5,2 mil compartilhamentos e 3,2 mil comentários. Com o título "SE PREPARAREM", o perfil de um apoiador do presidente Jair Bolsonaro reproduz trecho da live de um pastor evangélico do Paraná transmitida no dia 14 de novembro. Neste corte, o religioso comenta que alguém que teria passado pelo tal comboio ouviu de um militar que o destino da missão era a fronteira com a Bolívia. E recebeu o aviso: "Vai ter guerra, se prepara".

 

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Na publicação original, o pastor, também apoiador de Bolsonaro, comenta, até chegar neste trecho do vídeo, sobre outras movimentações de militares que estão ocorrendo em diferentes regiões do País. Assim como ele, redes e perfis bolsonaristas passaram a disseminar nas últimas semanas alegações falsas relacionadas a uma intervenção das Forças Armadas para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Algumas destas teorias conspiratórias já foram esclarecidas pelo Estadão Verifica como operações de rotina das Forças Armadas.  O Projeto Comprova também apurou que o Exército e o Itamaraty não identificam ameaça externa na fronteira do Brasil.

Declaração de Boric não tem relação com ação armada

Segundo o pastor, Gabriel Boric, a quem chama de  "desgraçado" e "maldito", é o mentor desta ameaça à soberania brasileira. Para sustentar sua acusação, exibe trecho da entrevista que o presidente chileno concedeu à revista Time, em agosto passado. Na ocasião, Boric comentou sobre o risco de ruptura democrática no Brasil representado pelos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas.  

A Time perguntou a Boric: "O que o senhor faria para apoiar a democracia brasileira, se isso acontecesse?". Ele respondeu, citando um ato cívico público realizado em São Paulo no dia 11 de agosto: "Gerou esperanças ver a 'carta de São Paulo', que teve um milhão de assinaturas a favor da democracia. Foi um sinal potente da sociedade civil brasileira. Se chegar a ocorrer uma tentativa, como ocorreu na Bolívia, quando acusaram fraude que não houve, e acabou sendo validado um golpe de Estado, a América Latina tem que reagir em conjunto para colaborar para impedi-lo". 

Esta "reação", compreendida como diplomática, é entendida pelo pastor como ameaça de intervenção física de países "comunistas" como Chile, Bolívia, Venezuela e, "quem sabe", Colômbia. Boric tratava de uma hipótese que não se concretizou e em momento algum fala de ação armada. Cabe destacar ainda que o governante chileno não foi o único político estrangeiro a manifestar preocupação com a tensão eleitoral no Brasil. Em setembro, foi aprovada no Senado dos Estados Unidos a resolução proposta pelo democrata Bernie Sanders em defesa da democracia brasileira. O texto garantia apoio ao candidato que vencesse as eleições presidenciais de forma justa e livre. A resolução também pedia aos EUA que rompessem os laços com o Brasil, caso o país viesse a ser liderado por um regime ilegítimo.

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Operações militares na fronteira costumam apoiar ações policiais 

A região da fronteira do Brasil com a Bolívia é extensa (3,4 mil quilômetros) e abrange os estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Operações militares neste vasto território são comuns tanto para treinamento de tropas e equipamentos quanto para ações integradas com órgãos de segurança e fiscalização no combate ao tráfico de drogas, ao contrabando e aos delitos ambientais, entre outras parcerias.

A suposta invasão estrangeira pela Bolívia tem circulado também por grupos de WhatsApp na forma de áudio - nesse relato, alguém teria passado pelo comboio em Rondonópolis, no Mato Grosso, em data não informada, e ouvido de um militar o conselho de "se preparar para a guerra".  O Comando Militar do Oeste (CMO) analisou o áudio que circula no WhatsApp e informou não ter nenhuma movimentação de militares naquela área nos termos mencionados na gravação. A pedido do Estadão Verifica, assistiu também ao vídeo com o comentário do pastor e respondeu, em nota assinada pelo Centro de Comunicação Social do Exército, "que esse tipo de postagem nas redes sociais somente vem contribuindo com a desinformação da sociedade brasileira, pois não correspondem com a realidade dos fatos".

O Estadão Verifica buscou contato com o referido pastor em seus canais de comunicação. Não obteve retorno até a conclusão deste texto. Se ele se manifestar, sua resposta será incluída. 

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