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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Um mergulho na reconstrução transversal da pauta ambiental no Governo Federal

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Por Redação
Fonte: arquivo pessoal.  

Flavia Speyer, Mestranda em Administração Pública e Governo e Bacharel em Administração Pública pela FGV EAESP. Trabalha com planejamento, participação social e a implementação da Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável na Prefeitura Municipal de São Paulo

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O primeiro trimestre de 2023 terminou, e os primeiros 100 dias do novo Governo Federal estão próximos de findar. Foi nesse cenário que acompanhei a turma do terceiro semestre de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas em uma viagem a Brasília, enquanto mestranda da instituição, mas também ex-aluna do curso. Me recordo de como a possibilidade de estudar a máquina pública na prática, em contato direto com servidores públicos, havia me entusiasmado anos atrás, quando eu mesma fiz a chamada Imersão Federal. Tempo depois, o sentimento foi o mesmo, apesar de que em uma situação excepcionalmente inédita.

Após quatro anos de um governo inegavelmente contrário às políticas ambientais e ao enfrentamento (e mesmo reconhecimento) da crise climática, o Brasil encontra-se de volta ao debate internacional sobre meio ambiente. A busca por recuperar o protagonismo no tema é evidente desde a campanha eleitoral do Presidente Lula, mas, principalmente, após a sua eleição em outubro de 2022, quando o então eleito presidente viajou à COP-27 no Egito - em contraponto ao então presidente em exercício, Jair Bolsonaro, que não compareceu à Conferência.

Foi uma coincidência infeliz quando comecei a atuar com projetos de cooperação internacional voltados à mitigação de emissões de Gases de efeito estufa e à adaptação aos efeitos da mudança climática no fim de 2018, bem às vésperas do início do governo Bolsonaro. Administradora pública recém-formada, tinha grande receio sobre como seriam os anos seguintes no país. E, sem surpresas, nos anos que se seguiram, relatamos à Comissão Europeia e ao Governo Alemão (financiadores dos projetos) as dificuldades e a consequente desarticulação do nível subnacional com o Governo Federal na implementação da ação climática, que é chave para uma atuação federativa coordenada.

Historicamente, o Brasil demonstrou protagonismo na pauta, com cerca de 20 anos de esforços para implementação da ação climática. No entanto, em 2019, a alteração das bases instituídas e organizações existentes na agenda no nível nacional aumentou as pressões internacionais e de entidades da sociedade civil sobre a liderança política do Brasil quanto à governança climática. Foi nesse contexto que o protagonismo subnacional na agenda tomou a linha de frente, procurando se sobrevir à inação federal.

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Já no primeiro ano do governo Bolsonaro, uma série de decisões e omissões foram arquitetadas na área ambiental e climática. Houve uma clara ruptura no que vinha sendo desenhado desde 2009 com a promulgação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC, Lei Federal 12.187/2009); mas, não foi apenas a lei que foi ignorada, como foram desmontados todos os mecanismos por ela criados.

Apesar de esperado que em uma transição de governo os temas ganhem ou percam locus político, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) encontrou uma situação completamente atípica de inação pública e isolamento.

Tão estrutural foi o desmonte da política ambiental, que o legado do PPA 2020-2023 para o MMA é pífio enquanto base para o período de 2024-2027, como relatado pelo Departamento de Gestão Estratégica do Ministério. Os servidores estão partindo do zero, pois não há informação suficiente para promover a continuidade dos programas e ações executados - talvez por conta de um apagamento de dados, ou porque não tenham sido implantados; afinal, há relatos de uma ordem ter sido determinada para não se trabalhar no MMA.

Somado aos desafios da reestruturação, a alocação das equipes está tão complexa quanto o tamanho do desmantelamento do quadro de servidores públicos do MMA, IBAMA e ICMBio. Na medida em que o Relatório de Transição identificou mais de dois mil cargos existentes vagos e casos de perseguição e assédio aos servidores, o Departamento de Planejamento Estratégico tem a tarefa de mapear os servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente lotados em outros órgãos para finalizar a tarefa de compor o quadro de pessoal - a partir do que chamaram de um trabalho de formiguinha.

Para desfazer a desconstrução dos últimos quatro anos, a Ministra Marina Silva aposta na capacidade de gestão de suas e seus secretária/os - selecionados por meio de processo seletivo - e no comprometimento com a pauta ambiental para ser um órgão eficiente, eficaz e efetivo com suas atribuições. Ainda, fica evidente a reinserção do Brasil no cenário internacional. O Ministério citou mais de 1.400 pedidos de audiência neste ano, evidente reflexo do grande interesse de representantes de Embaixadas, bancos de desenvolvimento e organizações internacionais e da sociedade civil em cooperar com o MMA.

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Depois de 'reconstrução', uma das palavras que mais escutamos durante as conversas em órgãos de meio ambiente em Brasília foi: 'transversalidade'. Não à toa, a nova Secretaria Nacional de Mudança do Clima tem papel articulador e foco na relação com outros ministérios para influenciar as agendas e inserir a lente climática na elaboração e implementação de políticas públicas. É um marco importante reconhecer a relevância da instituição da Subsecretaria de Financiamento ao Desenvolvimento Sustentável e Subsecretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável no Ministério da Fazenda, movimento que vai ao encontro do discurso da transversalidade da pauta no governo.

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Durante a semana em que estivemos em Brasília, no novo governo Lula, felizmente um grande símbolo foi concretizado. O letreiro do prédio do Ministério do Meio Ambiente foi acrescido de "e Mudança do Clima", para não deixar dúvidas do comprometimento do país com o enfrentamento da crise climática.

Aproximando-se aos primeiros 100 dias do Governo Lula, o Ministério tem como prioridade a retomada do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, locus de implementação da PNMC, que permitirá a concretização da transversalidade almejada e a retomada da participação da sociedade civil no espaço de governança climática mais importante do país.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, sem dúvidas, foi deixado fragilizado pelo último governo. Um dos maiores objetivos da pasta é garantir o fortalecimento institucional necessário para que, caso ocorra algo semelhante ao desmonte do governo de Bolsonaro, as políticas ambientais não deixem de ser implementadas. Burocratas ambientais pregam que a floresta vale mais em pé do que deitada, e é imperativo ter os meios para convencer os tomadores de decisão dos caminhos necessários para o meio ambiente.

O que encontramos no MMA foi um corpo técnico revigorado. Um dos estudantes demonstrou surpresa ao encontrar uma burocracia tão viva, engajada e comprometida. Com esperanças renovadas, manifestou interesse em ingressar na gestão pública, quando isso antes não era uma vontade.

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Ainda há um caminho a ser percorrido, mas os burocratas ambientais do Governo Federal poderão - finalmente - voltar a trabalhar normalmente.

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