Moraes rejeita ação de Bolsonaro sobre rádios; presidente diz que campanha foi prejudicada

Presidente afirma que irá até as últimas consequências dentro das ‘quatro linhas da Constituição’; assim que soube da decisão do TSE, chefe do Executivo convocou reunião com ministros e Forças Armadas

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Por Weslley Galzo , Vinícius Valfré e Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA – O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, determinou nesta quarta-feira, 26, o arquivamento da ação apresentada pela campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre suposto desequilíbrio na veiculação de propaganda eleitoral em rádios.

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Moraes encaminhou o caso ao procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, para análise de possível “cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno” e de “desvio de finalidade” no uso de recursos públicos. O ministro também remeteu o processo para o inquérito das fake news que ele mesmo conduz no Supremo Tribunal Federal (STF).

A decisão provocou reação do presidente. Bolsonaro, que estava em Minas, convocou reunião ministerial de emergência no Palácio da Alvorada, à noite, com a presença dos três comandantes militares. A expectativa era de que ele viajasse direto para o Rio, onde tem agenda de campanha nesta sexta-feira, 27.

O presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento no Palácio da Alvorada Foto: Wilton Junior/Estadão

O avião ficou parado por meia hora no pátio com Bolsonaro ao telefone até ele resolver convocar a reunião na capital federal. Após a reunião, o presidente disse que sua campanha foi prejudicada e recorrerá da decisão.

“Realmente, um enorme desequilíbrio no tocante às inserções. Isso, obviamente, interfere na quantidade de votos no final da linha”, disse Bolsonaro, à noite, ao lado dos ministros da Justiça, Anderson Torres, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

“Nós iremos às últimas consequências, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer valer aquilo que nossas auditorias constaram”, declarou o presidente, ao sustentar que rádios deixaram de transmitir sua propaganda para favorecer Lula. “O meu lado foi muito prejudicado e não foi de agora.”

Bolsonaro afirmou que, em cidades nas quais ele poderia ter vencido no primeiro turno, a falta das inserções nas rádios alterou o resultado da disputa. Os dados apresentados por advogados de sua campanha ao TSE, porém, se referem apenas a comerciais divulgados após o primeiro turno. Além disso, cabe aos partidos fiscalizar a veiculação das inserções.

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Na decisão, Moares arquiva o processo pela “inépcia” e encaminha a decisão ao procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, para que analise possível “cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno”. Além disso, pede que Aras avalie instaurar um processo administrativo para apurar o eventual “desvio de finalidade” na utilização de recursos do fundo partidário pela campanha de Bolsonaro. Na prestação eleitoral entregue até o momento, não há gastos com a empresa contratada pela campanha para o levantamento dos dados que sustentaram a denúncia.

O ministro disse que a campanha apontou “uma suposta fraude eleitoral às vésperas do segundo turno do pleito, sem base documental crível, ausente, portanto, de qualquer indício mínimo de prova em manifesta afronta à lei eleitoral”. Em letra maiúscula, o ministro escreveu: “DIANTE DE DISCREPÂNCIA TÃO GRITANTES, ESSES DADOS JAMAIS PODERIAM SER CHAMADOS DE ‘PROVA’ OU ‘AUDITORIA’”.

“Não restam dúvidas de que os autores - que deveriam ter realizado sua atribuição de fiscalizar as inserções de rádio e televisão de sua campanha - apontaram uma suposta fraude eleitoral às vésperas do segundo turno do pleito sem base documental crível, ausente, portanto, qualquer indício mínimo de prova”, escreveu Moraes na decisão.

Segundo o ministro, a campanha incorreu em “manifesta afronta” à Lei das Eleições por apresentar denúncias sem “fatos, indicando provas, indícios e circunstâncias”. “Os erros e inconsistências apresentados nessa “pequena amostragem de oito rádios” são patentes”. O ministro afirma que inicialmente a campanha alegou que “emissoras de rádio em diversas cidades brasileiras, espalhadas por todas as regiões, não veicularam as inserções do presidente”, mas que “foram alterando suas alegações, chegando a expressamente admitir a existência de pedido incerto e indefinido, ao afirmarem que o total dos dados só poderá ser apresentado e checado totalmente ao fim das investigações judiciais”.

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O ministro destacou em sua decisão que o País tem cerca de 5 mil rádios e que a campanha apresentou “supostas irregularidades” em oito emissoras, o que representa 0,16% do universo estatístico apontado. “A campanha não trouxe qualquer documento suficiente a comprovar suas alegações” juntando apenas o relatório produzido pela Audiency Brasil Tecnologia, uma empresa que, na avaliação do ministro, não tem atuação na área de auditoria.

O Estadão ouviu seis das oito rádios: quatro dizem que fizeram tudo certo, uma diz que a campanha do Bolsonaro atrasou a entrega e uma sexta admitiu que, num único dia, um erro no sistema fez com que Lula tivesse 15 inserções a mais da sua campanha veiculadas. Essa mesma rádio também disse que a campanha de Bolsonaro atrasou a entrega dos conteúdos.

Após algumas emissoras de rádio alegarem não terem recebido os programas de Bolsonaro, a campanha do presidente divulgou uma nota afirmando que todas as entregas ocorram no prazo e dentro das regras do TSE. “Os documentos comprobatórios foram encaminhados para o setor jurídico da campanha”, diz a nota.

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“Pasmem, ainda, que do exame dos arquivos juntados pelos autores não se extraem os dados apontados como aptos a amparar as razões apresentadas. Ao contrário disso, apenas são encontradas planilhas, a rigor esparsas, com dados aleatórios e parciais, que tornam impossível chegar a conclusão sustentada pelos requerentes”, criticou Moraes na sua decisão.

Moraes disse que a campanha não conseguiu comprovar que a programação regular transmitida pelas rádios é a mesma veiculada pelas plataformas de streaming, como alegou no estudo apresentado ao TSE. O ministro destacou que a programação das rádios na internet e no streaming não segue necessariamente a propaganda institucional obrigatória, como o horário eleitoral gratuito e o tradicional programa “A voz do Brasil”.

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“Os erros e inconsistências apresentados nessa ‘pequena amostragem de oito rádios’ são patentes, tanto que constatados rapidamente em estudo realizado por Miguel Freitas, engenheiro professor do departamento de Telecomunicações da PUC/RJ, em 26/10/2022, ao analisar as inserções em uma das rádios apontada pelos autores”.

Freitas narra que a partir das informações apresentadas pela campanha de Bolsonaro ao TSE ele desenvolveu um programa capaz de analisar áudio e buscou duas propagandas de Bolsonaro no intervalo de 24 horas da programação da Rádio da Bispa, de Recife (PE).

Como resultado, encontrou nove inserções que não foram contabilizadas no relatório da empresa Audiency Brasil Tecnologia, contratada pela campanha de Bolsonaro para a auditoria. Assim, as 13 inserções do PL apontadas pela empresa naquele intervalo deveriam ser, no mínimo, 22 -- quase 70% a mais.

Além disso, a emissora pernambucana apontou outro problema no relatório. O documento apresentado pelos advogados de Bolsonaro ao TSE após pedido de esclarecimentos de Moraes traz uma frequência que não corresponde a da emissora no FM e aponta apenas 101 inserções de programas de Bolsonaro no período entre 7 e 14 de outubro.

A rádio diz que foram 200, conforme determinado no mapa de inserções definido pela Justiça Eleitoral. “Não procede a informação de que a Rádio da Bispa 98,7 FM favoreceu um candidato”, destaca. Freitas destaca que a metodologia usada pela empresa tem probabilidade de erro porque, a grosso modo, compara áudios que possui com o que é transmitido pelo streaming da rádio.

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“É como um app que identifica a música que está tocando. Mas tem uma probabilidade de erro. O áudio pode estar distorcido, pode fazer contagem a mais ou a menos. Não sou auditor, mas vejo que se for para fazer seriamente uma auditoria não poderia ser assim”, disse ao Estadão.

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