Por isso, propostas e declarações avulsas de pré-candidatos precisam receber desde já atenção.
Sérgio Moro ficou encantado em visitas a hospitais públicos de ponta em São Paulo.
No Twitter, registrou impressões sobre o Instituto do Coração (Incor), da capital, um "modelo em saúde e tratamento igualitário para pacientes do SUS e do setor privado", e sobre o complexo Funfarme/Hospital de Base, de São José do Rio Preto, uma "referência no atendimento público e privado".
Concluiu, ainda, que "a medicina de excelência deve chegar aos rincões do País".
O ex-juiz em campanha deve saber que a expansão de modelos de alto custo não cabe no atual orçamento do Ministério da Saúde. Se for mantido o teto de gastos federais defendido por Moro, não existirão recursos para investimentos, mal darão para o custeio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Pela legislação, juntar municípios em regiões de saúde, ordenar diferentes serviços, das unidades de atenção primária aos grandes hospitais, com integração e fluxos entre eles, é assunto de gestão compartilhada, o que não se resolve com canetada de presidente.
Moro é entusiasta da corrente que desfruta de certo sucesso hoje em dia, a que prega maior mistura entre público e privado na saúde, embora as justificativas para o arranjo sejam quase sempre dubitáveis.
Hospitais de ensino, como os dois citados por Moro, são imprescindíveis ao SUS. Referências para procedimentos especializados e de alta complexidade, atendem grande número de pacientes, formam profissionais e realizam pesquisas que contribuem para a melhoria de diagnósticos, tratamentos e adoção de novas tecnologias.
Incor e Hospital de Base, além de centros de excelência, compartilham uma singularidade: atendem tanto usuários do sistema público quanto clientes de planos de saúde e particulares.
Cada um utiliza hoje cerca de 15% de sua capacidade para a assistência privada, gerando receita que é reinvestida no hospital e no pagamento complementar de pessoal.
A principal crítica de órgãos de controle nem é a diferença de conforto nas acomodações, é o fato de um grupo de pacientes acessar diretamente internação apenas com pedido médico e guia do plano de saúde, enquanto usuários do SUS enfrentam longa espera antes de serem encaminhados por um serviço da rede pública.
A experiência dos estabelecimentos percorridos por Moro é comum em santas casas e filantrópicos, porém não é admitida na maioria dos hospitais universitários. A dupla porta é vetada, por exemplo, no Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp), no Hospital de Clínicas da Unicamp e em outros 40 hospitais de universidades federais vinculados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
Ex-colega de Moro de Esplanada, Abraham Weintraub, tentou, em 2019, liberar hospitais do MEC para atendimento a planos de saúde, no entanto a proposta acabou sendo retirada do projeto Future-se, que ainda tramita na Câmara dos Deputados.
O atendimento privado em hospitais do SUS não é alternativa nacional porque possui freios incontornáveis.
O mercado de saúde suplementar é concentrado onde há emprego e renda.
Não são todos os planos de saúde que querem exibir hospitais públicos em suas redes credenciadas.
Dependendo da especialidade médica, o valor de um procedimento pago por operadoras é inferior ao repassado pelo SUS.
Mesmo quando se associam ao que o SUS tem de melhor, planos e seguros tendem a tratar hospitais públicos destacados como se fossem de terceira linha, ou seja, desdenham para comprar barato.
Em seu discurso de filiação ao Podemos, Moro afirmou que "precisamos identificar o que cada pessoa necessita para sair da pobreza. Isso muitas vezes pode ser uma vaga no ensino, um tratamento de saúde ou uma oportunidade de trabalho".
Defender o SUS para pobres e a destinação de recursos públicos para o privado que não atende SUS é convicção ideológica. Busca transmitir modernidade, mas pressupõe a evasão de evidências científicas sobre o funcionamento de sistemas nacionais de saúde contemporâneos.
O que incomoda o liberal, para usar o termo que Moro atribui a si próprio, não é o baixo nível de recursos destinados à saúde no Brasil, mas parecer ser a natureza socializante do direito à saúde e dos gastos do SUS.
Ora, de que adiantaria a alegada redução da despesa pública gerida pelo Estado, com adoção de dupla porta, plano de saúde popular ou outra engenhoca, se a despesa coletiva com saúde, confiada em maior proporção ao setor privado, se torna infinitamente maior?
O resultado é um sistema de saúde ainda mais desigual e mais caro para todos.
Visitas guiadas em corredores de bons hospitais colorem a agenda de candidatos, contudo é preciso ouvir quem sofreu para entrar e quem padece por aguardar.
Tanto pior para a madeira que acredita ser violino, é hora de desencantar o debate eleitoral sobre saúde no Brasil.