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Professor defende taxação de big techs para melhorar infraestrutura de internet no Brasil

Advogado e docente de universidade alemã, Ricardo Campos lança livro sobre o tema nesta terça-feira, 2, em Brasília; ele afirma que é preciso compartilhar custos da infraestrutura física da internet: “é uma questão de justiça social. Quem usa a rede paga”

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Por Julia Affonso
Atualização:
Foto: Columbia University
Entrevista comRicardo CamposProfessor na Faculdade de Direito da Goethe Universität Frankfurt am Main

As big techs aumentaram a quantidade de dados que circulam nas redes e sobrecarregaram a infraestrutura física da internet. As empresas, portanto, precisam ser taxadas e os recursos investidos na ampliação e na melhoria do sistema de cabos e antenas do Brasil. O entendimento é do advogado e professor da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha), Ricardo Campos.

Especialista nas áreas de proteção de dados, regulação de serviços digitais e direito público, Campos lança o livro “A Nova Relação entre Infraestrutura e Serviços Digitais” nesta terça-feira, 2, no salão nobre da Câmara, em Brasília. Na obra, o professor aponta que a infraestrutura física da internet é financiada pelas empresas de telecomunicações e, em última instância, pelo consumidor final. Seria necessário, segundo ele, um compartilhamento de custos - conceito conhecido como “fair share”.

“Cinco empresas sobrecarregam em mais de 50% essa infraestrutura física e não precisam pagar por isso. É uma questão de justiça social. Quem usa a rede paga. Hoje quem paga a rede somos nós, usuários, na hora que temos um contrato com as empresas de telefonia, de internet”, afirma.

“Aumentar a infraestrutura de forma sustentável, trazendo essas empresas para sustentar, é uma questão que diminui a desigualdade social.”

O professor Ricardo Campos lança livro sobre a nova relação entre infraestrutura e serviços digitais no Congresso. Foto: Legal Grounds Institute

A regulamentação da taxação das big techs ficaria a cargo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ricardo Campos explica que um trecho da Lei Geral de Telecomunicações prevê que o órgão pode regular a relação entre empresas de telecomunicações e as chamadas prestadoras de serviço de valor adicionado, como é o caso das big techs.

“Quem sobrecarrega o sistema também tem que colaborar, não só o usuário. A sustentabilidade da internet passa pelo fair share”, afirma.

Leia abaixo a entrevista com Ricardo Campos.

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O sr. afirma no livro que é preciso repensar o arcabouço jurídico para reequilibrar o ecossistema digital de telecomunicações. Como o compartilhamento de custos poderia se inserir nesta nova estrutura?

Com a migração da vida para o meio digital, cada vez mais, agora com a inteligência artificial, a gente tem um aumento dos dados que estão circulando nas redes. Para a comunicação digital acontecer, é preciso haver uma infraestrutura física, de cabos, de antenas. O grande problema é que a rede é financiada apenas pelas empresas de telecomunicações. As telefônicas são, em 90%, quem financia a infraestrutura. Cinco empresas sobrecarregam em mais de 50% essa infraestrutura física e não precisam pagar por isso. É uma questão de justiça social. Quem usa a rede paga. Hoje quem paga a rede somos nós, usuários, na hora que temos um contrato com as empresas de telefonia, de internet. A gente precisa de uma internet que consiga suportar esse aumento do tráfego de dados que a cada ano sobe mais. Quem sobrecarrega o sistema também tem que colaborar, não só o usuário. A sustentabilidade da internet passa pelo fair share.

A saída é taxar essas empresas que sobrecarregam o sistema?

A saída mais eficiente seria que a Anatel mediasse acordos. Ela poderia estabelecer critérios e, caso não chegasse a um acordo, poderia arbitrar. A agência tem competência para isso. Se jogar para o Congresso Nacional, dificilmente, vai haver uma solução rápida. E a gente precisa de uma solução para os próximos dois, três anos, no máximo. A Anatel determinaria que os recursos provenientes desses acordos fossem destinados para a infraestrutura de rede. Estabeleceria os critérios de negociação entre as empresas e também colocaria uma vinculação para ser investida na expansão da infraestrutura.

A Anatel pode começar a regular já?

Ela pode estruturar uma regulação, iniciar com um ato normativo interno que estruture a regulação. (A agência) tem competência, está previsto na Lei Geral de Telecomunicações que ela pode regular usuários. Difere de um projeto de lei. A Anatel já tem uma competência legal, que advém de uma lei aprovada pelo Congresso.

No livro, o sr. aponta que as empresas de telecomunicações estão vulneráveis a decisões unilaterais tomadas pelas plataformas digitais ao negociar cláusulas contratuais. De que maneira elas ficam fragilizadas se as big techs precisam do serviço delas para funcionar?

Pelo tamanho das big techs, elas (empresas de telecomunicações) não têm mais poder de negociação. Essa é a grande questão. O usuário final quer ter ali no plano o acesso a tal aplicativo. Se ela decidir excluir do pacote o acesso a algum desses aplicativos, ela perde os usuários. O poder de negociação das big techs é muito maior do que as empresas de telecomunicações. Por isso, tem que haver um terceiro, como a Anatel, para estabelecer critérios da negociação para ser uma negociação justa e que atinja os objetivos da expansão e sustentabilidade da infraestrutura.

A taxação seria de quanto?

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Isso teria que ser acordado entre eles. Um acordo que leve em consideração planos e metas de sustentabilidade da rede, planos de 5 e 10 anos. Tem que ter cálculos concretos. O mais importante é sentarem à mesa com os critérios postos pela Anatel, que é a agência reguladora competente para saber questões como para onde levar a rede, onde está faltando, onde tem que aumentar a dimensão dos cabos, trocar os cabos. É uma parte técnica, por isso a Anatel. Ela tem todo conhecimento em torno do tema.

Algum país já implementou esta política?

Não, a gente tem hoje a mesma discussão no Brasil, na União Europeia, que fechou uma consulta pública e tem um projeto de lei no Senado americano. Na Coreia do Sul, é o lugar onde o desenvolvimento está mais avançado.

O arcabouço regulatório que rege a internet, atualmente, caducou?

Houve um primeiro momento regulatório da internet e das aplicações em que não se tinha certeza para onde ia a economia digital. Optou-se, então, por um fomento à inovação e não focou-se tanto na proteção de direitos, dos anos 2000 até 2010. A expressão brasileira deste movimento é o Marco Civil da Internet, que é civil, não é regulatório. O pêndulo da regulação está para outro lado agora. Não é mais somente o incentivo à inovação, mas a proteção de direitos e de instituições. A gente tem a Lei de Proteção de Dados brasileira, o debate em torno do PL das Fake News e de regulação de mercados digitais. Hoje, a gente está em um momento de regulação porque a vida, a economia, tudo migrou para a internet.

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O arcabouço regulatório da internet vai precisar ser atualizado de tempos em tempos?

Com certeza, pelo impacto da tecnologia na vida das pessoas. Principalmente, para proteger as pessoas, proteger as relações nessa nova vida digital.

O sr. afirma que a imposição de neutralidade de rede é uma imposição artificial de igualdade. Por quê?

A neutralidade de rede surgiu no primeiro momento regulatório, de incentivo à inovação, quando as empresas de telecomunicações eram as grandes. Do outro lado, a gente tinha um menino de Harvard que tirava foto de colegas da universidade e fez um site com fotos dos amigos, que virou o Facebook. A neutralidade impedia que as empresas de telecomunicação cobrassem por conteúdo, diferenciassem conteúdo a partir de cobrança. Criava um princípio de não discriminação. Só que hoje, a economia virou. As grandes empresas não são mais as de telecomunicações. O outro lado não tem mais inovação, ele é totalmente concentrado. A gente tem um problema muito sério de sustentabilidade, de expansão da infraestrutura. O princípio da neutralidade não pode ser usado para prejudicar o próprio País. A internet no Brasil não é acessível a todos. Aumentar a infraestrutura de forma sustentável, trazendo essas empresas para sustentar, é uma questão que diminui a desigualdade social. Você vai aumentar a participação de grande parte da população, diferentemente da Europa que (o acesso à internet) é universalizado.

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