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A quem ‘pertence’ o orçamento? Entenda o que diz a lei sobre a polêmica entre Lira e o governo Lula

Especialistas ouvidos pelo Estadão explicam que há papéis distintos a cada Poder no processo de execução e aprovação orçamentárias

Foto do author Karina Ferreira
Por Karina Ferreira

Ensaiando uma nova queda de braço entre o Congresso e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou em seu discurso de abertura das atividades legislativas deste ano que o Orçamento da União “pertence a todos e todas”, e não “apenas ao Executivo”. Segundo a legislação, Lira está correto na afirmação quando se refere à participação do Poder Legislativo, entretanto, especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que há uma distorção nessa fala.

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A mensagem de Lira foi dada após Lula vetar R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares de comissões no Orçamento 2024. As outras emendas podem ser individuais (de autoria de cada parlamentar) e de bancadas estaduais (acordadas entre parlamentares do mesmo estado, mesmo que de partidos diferentes).

As emendas de comissão são consideradas as “herdeiras” do chamado orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022. Ano passado, elas totalizaram R$ 6,9 bilhões, enquanto no ano anterior foram de R$ 329,4 milhões.

Mais de 90% do orçamento anual é destinado para as despesas obrigatórias, como salários e aposentadorias. O restante, cerca de 7% pode ser gasto “livremente” pelo governo federal. É nessa fatia menor que entram as emendas parlamentares, usadas pelos deputados e senadores para direcionar recursos para suas bases eleitorais.

Todas as peças orçamentárias no âmbito federal são formuladas pelo governo, mas necessitam de aprovação e apoio da maioria no Congresso para passarem a valer. “A Constituição Federal de 1988 determina, de modo muito claro, que a iniciativa do processo orçamentário é do Executivo. Não há dúvida alguma sobre isso. O papel do Legislativo não é decidir como alocar os recursos públicos. Este papel é reservado, pela Constituição, ao Poder Executivo”, afirma Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo.

A fala foi dita pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) na sessão que marcou o início das atividades legislativas de seu último ano na presidência da Câmara dos Deputados.  Foto: Wilton Júnior/Estadão

Como explica o economista, o Legislativo pode influenciar o processo orçamentário e, dessa forma, conseguir mais ou menos espaço para políticas públicas, de uma ou outra área, por meio de suas prerrogativas constitucionais – de legislar e fiscalizar o Executivo.

No mesmo sentido, o professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio Rennó afirma que a responsabilidade sobre o Orçamento “é uma espécie de guarda compartilhada”. Mas ao contrário do que parece na fala de Lira, o que tem acontecido nos últimos anos, segundo o professor, é uma ampliação do controle do Legislativo sobre o orçamento discricionário.

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“Hoje você tem um Congresso muito mais dono do orçamento do que ele já foi em qualquer outro momento democrático da nossa história recente”, afirma Lúcio. Isso é resultado de uma série de modificações constitucionais feitas por meio de emendas ao longo dos últimos 10 anos, que deram aos parlamentares maior influência e controle sobre o orçamento.

Em 2015, a aprovação da Emenda Constitucional nº 86 fez com que a execução das emendas individuais destinadas aos parlamentares passasse a ser obrigatória – o denominado orçamento impositivo. Na prática, o Executivo é obrigado a executar os pagamentos aprovados pelo Congresso na lei orçamentária, diminuindo o poder de “barganha” entre os dois poderes.

Na mesma esteira, em 2019, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 100, estendendo a obrigatoriedade também às emendas de bancada, às de autoria coletiva e as que reúnem os parlamentares do mesmo estado.

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Graças a essas alterações, as emendas individuais obrigatórias e as emendas de bancadas para este ano, de R$ 25 bilhões e R$ 11,3 bilhões, respectivamente, não sofreram modificação de valores pelo presidente. Apesar dos vetos – dados, segundo o governo, para recompor políticas que ficaram sem recurso –, o valor das emendas sancionado por Lula continua sendo recorde, totalizando R$ 47,8 bilhões entre todos os tipos de indicações parlamentares.

Com o retorno das atividades legislativas, os parlamentares devem pressionar os presidentes das Casas pela recomposição da fatia, mas a apreciação do veto de Lula só deve ocorrer após o Carnaval.

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