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Senador do PT destrava rádio de ex-prefeito condenado por lavagem de dinheiro em Sergipe

Concessão de emissora estava parada no Ministério das Comunicações há mais de uma década; Rogério Carvalho e Manoel Sukita não comentam e pasta afirma que autorização “foi concedida com base em parecer da Consultoria Jurídica”

Foto do author Julia Affonso
Por Julia Affonso
Atualização:

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) ajudou a destravar a concessão de uma rádio de Sergipe que estava parada no Ministério das Comunicações há mais de uma década. A emissora foi idealizada pelo ex-prefeito de Capela Manoel Sukita. O ex-chefe do Executivo sergipano já foi preso, condenado por lavagem de dinheiro e improbidade administrativa e tem afirmado ser pré-candidato à prefeitura do município nas eleições de 2024.

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A permissão de funcionamento foi publicada no Diário Oficial em 22 de janeiro. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e um dos sócios da Mega FM, o empresário Washington Silvestre, assinaram um contrato com validade de 10 anos. No papel, a outra dona da emissora é uma filha de Manoel Sukita, de 24 anos. O convite distribuído pela rádio para a festa de inauguração aponta que o ex-prefeito é “superintendente” da Mega FM.

Rogério Carvalho não respondeu aos questionamentos do Estadão. Em entrevista à rádio Mega FM, o senador mencionou ter sido procurado por “um jornal nacional” e afirmou que teve uma “participação importante” na concessão da rádio. O parlamentar declarou não ter deixado que um pedido de outros políticos, “dirigido ao ministro (Juscelino Filho), impedisse que essa rádio entrasse em operação”.

O Ministério das Comunicações informou em nota que autorização para a rádio funcionar “foi concedida com base em parecer da Consultoria Jurídica, “órgão técnico independente e vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU)”. No fim de janeiro, a pasta barrou um pedido do PT por concessão de rádio e TV.

Washington Silvestre declarou à reportagem que a condição para se tornar sócio da emissora foi Manoel Sukita não constar do quadro societário. “Eu não tenho problema nenhum com a Justiça, então, eu não quero nenhum tipo de impedimento em nenhum CNPJ meu”, disse.

O senador Rogério Carvalho ajudou a destravar a concessão de uma rádio em Sergipe. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

A rádio foi inaugurada em 1º de fevereiro, com uma festa em Capela. O senador Rogério Carvalho concedeu uma entrevista durante a festa de inauguração e afirmou que “teve uma participação importante” para destravar a rádio.

“O fato de eu ter me empenhado para que essa emissora pudesse ser regularizada no Ministério das Comunicações, mas o trabalho todo foi feito por você (Washington Silvestre) e por Sukita”, disse. “Foram vocês que fizeram esse trabalho. Foram vocês que pagaram advogado para correr atrás de regularizar todas as formalidades para a emissora funcionar.”

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Em vídeo publicado pela mulher do senador, Candisse Carvalho, nas redes sociais, Manoel Sukita revelou que o radialista e ex-assessor parlamentar Sdney Souza será um dos âncoras da rádio. Candisse tenta emplacar sua candidatura pelo PT à prefeitura de Aracaju e tem anunciado a inauguração da rádio em suas redes sociais.

Sdney Souza foi assessor parlamentar de Rogério Carvalho, no Senado, entre março e dezembro do ano passado. O auxiliar recebia um salário base de R$ 6.080,09 por mês e estava lotado na Primeira-Secretaria da Casa. Souza foi desligado do cargo neste ano.

Washington Silvestre disse ao Estadão que o investimento na operação da rádio custará entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões. Segundo Silvestre, o valor abrange equipamentos, obras e o pagamento da concessão pública, que custou R$ 3,9 milhões e será quitada em 120 parcelas.

Contrato de concessão da rádio foi destravado em 2023

A Mega FM foi registrada perante a Receita Federal em maio de 2005. Durante um período, a rádio atuou sob arrendamento, ou seja, alugando a frequência de outra emissora em Sergipe. Em paralelo, a emissora buscou a concessão de uma outorga própria junto ao Ministério das Comunicações - uma licença concedida pelo Estado com validade de 10 anos para uma rádio poder operar.

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Entre 2009 e 2013, a Mega FM venceu uma concorrência da pasta, recebeu uma autorização “inicial” do ministério e obteve uma validação do Congresso. O processo estagnou na etapa final, antes da assinatura do contrato, quando o Ministério das Comunicações analisou os documentos da emissora.

Três modificações na composição societária da rádio adiaram por uma década a assinatura do contrato de concessão entre a emissora e a pasta. Nos últimos 10 anos, uma irmã de Manoel Sukita e duas filhas dele passaram pelo controle da emissora no papel. Manoel Sukita constou da sociedade, durante um período, apenas como representante de uma das sócias, sua filha menor de idade.

Mesmo com Sukita formalmente fora do quadro societário, pareceres jurídicos do Ministério das Comunicações, publicados entre 2014 e 2017, chamaram atenção para a atuação do ex-prefeito. Um deles, de 2014, afirmava que a situação processual do ex-prefeito merecia “especial acompanhamento” da pasta.

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Em outro parecer, do mesmo ano, a área jurídica chegou a opinar pela “desconstituição da outorga”, ou seja, pelo fim do processo de concessão. No documento, o jurídico do ministério afirmou que o ex-prefeito era “sem sombra de dúvida, o verdadeiro sócio e dono da empresa” e era preciso considerar “a inidoneidade moral do sr. Manoel Messias Sukita Santos” .

Em janeiro de 2017, outro relatório jurídico afirmou que não era “razoável” que o Poder Público firmasse contrato com “entidade cujo sócio tenha sido denunciado por uma série de crimes cometidos contra a Administração Pública, ainda que não tenha tido sentença penal transitada em julgado”.

“O serviço de Radiodifusão é formador de opinião e o espectro é finito, portanto, deve-se cercar de cautela e o contemplado com a outorga deve atender à boa fé”, afirmou a advogada da União Tatiane Razuk.

O Ministério das Comunicações liberou a assinatura do contrato de concessão com a Mega FM em novembro do ano passado. Em nota técnica, a pasta concluiu que não havia “impedimento” para o prosseguimento do processo, pois as alterações contratuais feitas pela rádio “possuem em comum o objetivo de melhor administrar seus negócios o que, por via oblíqua, resulta na melhor prestação do serviço, para o público envolvido”.

Alteração na lei abriu portas para a rádio

Até 2017, a legislação brasileira exigia “prova de idoneidade moral” como um dos requisitos para rádios e TVs obterem concessões públicas. Naquele ano, o Congresso alterou o Código Brasileiro de Telecomunicações, substituindo a exigência por uma “declaração de que nenhum dos dirigentes e sócios da entidade se encontra condenado em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”.

Sukita foi condenado em ação por improbidade administrativa, pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em 2021, pelo desvio de mais de R$ 700 mil em recursos públicos entre 2011 e 2012. Os valores deveriam ter sido destinados à construção de um sistema de esgotamento sanitário no município, mas, segundo a Justiça, foram sacados “na boca do caixa”.

Por unanimidade, os desembargadores decidiram, pela perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por oito anos e proibição de contratar com o Poder Público, receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios por dez anos. O caso está sob análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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Este não foi o único processo enfrentado por Manoel Sukita, ex-prefeito de Capela entre 2004 e 2012. Ele foi preso em junho de 2014 na Operação Pop, das Polícias Federal e Civil, por suspeita de lavagem de dinheiro. Em 2022, a Justiça Federal o condenou a 10 anos e 10 meses de prisão em regime fechado por lavagem de “uma quantia substancial de verbas públicas”.

A juíza substituta da 9ª Vara Federal, Adriana Hora Soutinho de Paiva, afirmou na sentença que ficou “demonstrado que milhões de reais foram desviados, dinheiro este que envolvia cerca de 14 programas federais ou fundos nacionais”. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o dinheiro da prefeitura foi sacado “na boca do caixa” e bancou Jet Ski, dois apartamentos, sendo um deles duplex, um Porsche e um Camaro para o grupo de Sukita.

“A prova documental constante nos autos indica que o montante levantado pelos réus no período de 2007 a 2012, somente a título de saques bancários, foi de ao menos R$ 12.868.199,41″, apontou Adriana Paiva.

Na sentença, a juíza federal Adriana Paiva afirmou que a Mega FM foi usada para lavar dinheiro. Foto: Reprodução/Justiça Federal

No processo, a Polícia Federal registrou que, em dezembro de 2012, às vésperas de Sukita deixar o cargo de prefeito, foram sacados R$ 1,4 milhão em três datas diferentes. Em duas delas, o então prefeito esteve presencialmente no banco. À PF, Sukita disse que foi à agência em 28 de dezembro daquele ano, quando foram sacados R$ 550 mil em espécie, “para se despedir dos empregados do banco e se informar qual deveria ser o procedimento com as senhas” das contas do município.

A magistrada afirmou que a movimentação financeira de Sukita, entre 2008 e 2012, teve “uma evolução financeira admirável”. Neste período, o então prefeito obteve R$ 650 mil em salários, mas movimentou R$ 15,5 milhões. Na sentença, a juíza registrou ainda que a Mega FM estava “entre as maiores beneficiárias dos recursos públicos desviados”. O ex-prefeito recorreu e o caso está no TRF-5, que ainda não julgou a ação em 2ª instância.

Procurados, o ex-prefeito Manoel Sukita, Rogério Carvalho e a jornalista Candisse Carvalho não se manifestaram. Em entrevista à Mega FM, na festa de inauguração, o senador do PT disse que “um jornal nacional” havia procurado seu gabinete para falar sobre a atuação política dele no processo de concessão da Mega FM.

(A rádio) estava há 13 anos parada e não deveria estar há 13 anos parada, porque estava fazendo falta. Mas agora eu vou responder. Sabe o que foi que eu fiz? Eu não deixei que um pedido do governador, de um deputado estadual e de uma prefeita, dirigido ao ministro (Juscelino Filho), impedisse que essa rádio entrasse em operação”, afirmou.

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Caso de Lula “era bem pior” que o de Sukita, diz empresário

Washington Silvestre é empresário do setor de tecnologia de informação. As companhias controladas por ele já fecharam contratos privados e públicos, incluindo prefeituras de Minas Gerais. Ao Estadão, ele disse que já teve um portal de notícias e buscava ser sócio de uma rádio.

Silvestre relatou ter conhecido Manoel Sukita por intermédio de um vereador da região, soube da emissora e se interessou pelo negócio. O empresário contou, durante o andamento do processo administrativo no Ministério das Comunicações, identificou problemas burocráticos e decidiu procurar “a ajuda de algum representante de Sergipe” - deputados e senadores.

“Quem em questão de minutos respondeu dando agenda e falou que teria interesse em ajudar foi o senador Rogério Carvalho. Muito prestativo”, relatou Silvestre.

“O que foi a ajuda? Foi conseguir uma reunião com a diretoria (de Radiodifusão Privada do Ministério das Comunicações) e a gente apresentar (a documentação) pessoalmente, porque hoje tudo é via sistema. No vício do ofício, as pessoas devolviam documentos que estavam corretos.”

Silvestre se reuniu com o diretor de Radiodifusão Privada, Antonio Malva Neto, do Ministério das Comunicações, em agosto. Na avaliação do empresário, o fato de Rogério Carvalho ter conseguido uma reunião presencial no ministério “evoluiu o que a gente precisava”. “A gente precisava mostrar a documentação técnica e fiscal e apresentamos tudo que era necessário”, disse.

Questionado sobre os processos e a prisão de Manoel Sukita, o empresário disse que os casos o “assustaram muito”.

“Eu sento com juristas de Aracaju, com pessoas do Ministério Público e todos falam que é uma armação (contra Sukita). Outros falam que é verdade. A gente tem hoje um grupo no Brasil que fala que o nosso atual presidente é inocente e outro que fala que ele é culpado. A gente tem grupos que falam que o ex-presidente Jair Bolsonaro é culpado e outros que falam que é inocente.”

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Washington Silvestre contou ao Estadão que, após analisar a questão jurídica, decidiu montar a Mega FM. Uma das condições do negócio era que Manoel Sukita não integraria o quadro societário, mas que “obrigatoriamente” trabalharia na rádio, porque, segundo o empresário, o ex-prefeito é “um fenômeno” no setor.

“Sócia de verdade, hoje, é a filha dele. Ele deixou, como herança, a rádio para ela”, narrou. “Se ele (Sukita) tem problemas, processos com a Justiça, a rádio é uma concessão federal... Eu não tenho problema nenhum com a Justiça, então, eu não quero nenhum tipo de impedimento em nenhum CNPJ meu. Eu entraria na sociedade, mas não com ele.”

O Ministério das Comunicações informou em nota que “a outorga foi concedida com base no parecer 755/2023 da Consultoria Jurídica - órgão técnico independente e vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU) -, que é favorável ao contrato por não haver nenhum impeditivo legal, de acordo com a legislação vigente”. Segundo a pasta, a rádio, “cumpriu com todos os requisitos previstos, assim como os sócios-proprietários que constam no contrato social: Washington Rafael Silvestre e Isadora Sukita Rezende Santos”.

As Comunicações destacaram que, em 2023, o ministério “destravou as outorgas que estavam paralisadas há anos e acionou as áreas responsáveis para se manifestarem sobre os pedidos”. A pasta registrou que “qualquer análise subjetiva, além da competência técnica do Ministério, pode ferir o princípio da impessoalidade que norteia a administração pública”.

“Este processo de outorga seguiu, rigorosamente, o mesmo trâmite e exigências de outras emissoras em 2023″, assinalou a pasta.

“O Ministério esclarece que o diretor de Radiodifusão Privada, Antônio Malva Neto, nunca se encontrou ou teve qualquer contato com Manoel Sukita. A única reunião relacionada à rádio foi realizada de forma institucional com o sócio Washington Rafael Silvestre.”

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