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Todo mundo armado; leia artigo

Ao proibir o celular na cabine de votação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vê o aparelho tecnológico como arma perigosa contra a democracia e o estado de direito

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Por Neuza Sanches
Atualização:

O celular, através da sua conexão e produção de conteúdo digitais, representa um novo instrumento de poder ao alcance dos brasileiros e que, por isso, pode ser usado como uma “arma” de defesa e ataque contra as instituições? A resposta a essa questão veio de uma das mais altas Cortes do País: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao proibir o celular na cabine de votação, o TSE reage às transformações de comportamento dos brasileiros nos últimos anos, na esteira das inovações tecnológicas.

Desde os anos 1990, o Brasil passou por transformações significativas e que conspiraram para se chegar ao cenário atual em relação ao uso desenfreado do celular: chegada da internet, privatizações das telecomunicações, abertura da economia para investimento estrangeiro, inflação baixa, concorrências nos preços da banda larga, criação do celular pré-pago, chegada das redes sociais, serviços de mensagens como Whatsapp, Telegram e Messenger. Resultado: existem hoje mais de 240 milhões de celulares em operação. 

TSE inicia lacração das urnas eletrônicas; Corte eleitoral reage às transformações de comportamento dos brasileiros nos últimos anos, na esteira das inovações tecnológicas Foto: Wilton Junior/Estadão

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Exemplos da vida real aparecem todos os dias nos noticiários nacionais e internacionais. Sem a prova documentada pelos celulares, qual poderia ter sido o desfecho do caso envolvendo a morte de George Floyd nos Estados Unidos ou as imagens de hospitais lotados, pacientes em macas espalhadas por corredores, durante o auge da pandemia de covid-19 no Brasil, sob o olhar indiferente do governo federal? O fato é que a revolução tecnológica e digital deu voz a um universo difuso de cidadãos que passaram a postular suas demandas e visões de mundo diretamente na esfera pública, sem a mediação e o filtro das tradicionais instituições democráticas. Essa ruptura produzida pela revolução digital e acentuada pelo celular colocou novos atores em campo, recodificou a linguagem da política, disseminou novas formas de organização em rede e incrementou movimentos de massa, como o ocorrido no Brasil em 2013.

Chegamos às fake news. A difusão de desinformação - mensagens falsas produzidas deliberadamente com o objetivo de causar dano - não está sob a proteção constitucional do exercício dos direitos e liberdades fundamentais. Na verdade, as informações falsas são uma afronta ao Direito. A confusão entre fato e fake news tem contribuído para turvar a clareza e o vigor com que a Constituição protege as liberdades de expressão. E no esforço para se evitar e conter essa distorção, o que se percebe é que o celular se transformou em instrumento, em uma espécie de arma que tem sido usado contra indivíduos, empresas e instituições. Em uma conversa que tivemos em 2021, o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso levanta a questão: “O ponto negativo é que tem fake news em quantidade. E não tem muito como lidar com isso. Essa é a questão”.

A guerra contra a desinformação ainda está em 7X1. Marcou-se um gol com as iniciativas do poder público. Fato é que o celular é um novo fenômeno. Do comportamento individual ao coletivo. Na política. Na economia. Na vida do cidadão e das instituições que o rodeiam. O aparelho de um palmo, com pouco mais de 140 gramas, mudou a vida da nação. Seu uso tornou-se infinito e até obrigatório. Se antes a falta de modernidade produzia o subdesenvolvimento, hoje, quando se olha a face escura do uso do celular, pode-se concluir, sem risco de errar, que essa mesma modernidade tem produzido também o subdesenvolvimento de ideias e ações, representado por fake news contra as instituições democráticas. O celular é um novo poder. É uma arma de defesa e de ataque às instituições. Estamos todos armados.

Neuza Sanches é jornalista profissional, especialista em Marketing Digital e Compliance. Autora de ‘Celular: democrático ou autoritário?’

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