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Curiosidades do mundo da Política

Constituições do Brasil: do golpe de 200 anos, passando pela fascista de Vargas até a cidadã de 1988

Em dois séculos, País teve sete Cartas Magnas; destas, quatro democráticas (1891, 1934, 1946 e 1988) e três autocráticas (1824, 1937 e 1967)

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Foto do author Heitor Mazzoco
Atualização:

Há 200 anos, no dia 25 de março de 1824, o Brasil conhecia sua primeira Constituição. Outorgada, ou seja, imposta por Dom Pedro I, vigorou por 65 anos – maior tempo de vigência de uma Carta Magna no País até hoje. Naquele período, o que era para ser um ato democrático nos primeiros anos de independência, transformou-se no que muitos especialistas definem como primeiro golpe no País.

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Uma Constituição é um conjunto de normas vigentes que estão no topo da legislação, inclusive com limites de atuação do Estado. O texto atual no Brasil é de 1988 e não permite, por exemplo, pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, assim como prisão perpétua, trabalhos forçados, banimento ou penas cruéis. Caso um deputado federal, por exemplo, proponha algum projeto para aplicação de alguma dessas penas, a proposta é considerada inconstitucional e não pode entrar no ordenamento jurídico.

A primeira Assembleia Constituinte formada no Brasil ocorreu em maio de 1823 e seria responsável pela edição do texto constitucional. No entanto, ao perceber o movimento liberalista, Dom Pedro dissolveu a assembleia ao determinar invasão do plenário. Houve resistência e deputados foram presos e exilados. Eram 272 artigos previstos propostos por deputados que haviam sido eleitos. Oficialmente, depois da intervenção de Dom Pedro, aquela primeira Carta Magna teve 179 artigos.

“Dom Pedro dá um golpe porque, na instalação do processo constituinte, tínhamos um grupo liberal e um grupo monarquista, e estava bem claro que a parte vitoriosa levaria o Brasil para uma Constituição mais liberal, e dom Pedro perderia poder. Então ele deu golpe. Por isso, a Constituição de 1824 foi outorgada. De cima para baixo”, afirma o historiador Eduardo Lima, mestre em história social pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A Constituição de 1824 tem separação de Poderes, porém, o aspecto liberal tomou uma facada por causa do Poder Moderador que colocou Dom Pedro acima da lei

Eduardo Lima, historiador

A insatisfação de Dom Pedro ficou explícita também no texto constitucional outorgado há 200 anos. A instalação dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judicial) ocorreu, mas acima estava o “Poder Moderador”, que fora definido entre os artigos 98 e 101 daquela Constituição. São quatro artigos que mostram que o poder ficou nas mãos de Dom Pedro e, mesmo assim, o eximia de responsabilidade. “A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma”, constava no artigo 99, na grafia da época.

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Primeira página da Constituição de 1824, outorgada no período monárquico Foto: Arquivo Nacional/Divulgação

Em outro exemplo, o artigo 101 do texto constitucional permitia que Dom Pedro perdoasse ou moderasse as penas impostas aos réus condenados. “A Constituição de 1824 tem separação de Poderes, porém, o aspecto liberal tomou uma facada por causa do Poder Moderador que colocava Dom Pedro acima da lei. O texto constitucional amplia alguns direitos civis, mas deixa o monarca com muitos poderes. Depois, vimos espalhadas pelo Brasil revoltas de cunho liberal, que levaram Dom Pedro a ficar até 1831. O autoritarismo o fez cair”, disse Lima.

Em maio de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou um seminário sobre a Assembleia Constituinte de 1823. O evento foi registrado em livro de 160 páginas, que pode ser acessado de graça pelo site do tribunal.

Fim da Monarquia e a primeira Constituição da República

Pouco mais de um ano depois da Proclamação da República, em novembro de 1889, o Brasil teve, em 21 de fevereiro de 1891, sua primeira Constituição promulgada – termo utilizado para o texto constitucional originário das assembleias populares. Aquela Carta Magna trazia importantes mudanças ao sistema político brasileiro diante do fim da Monarquia, como lembra publicação do Senado Federal. Entre as mudanças, houve a “instituição da forma federativa de Estado e da forma republicana de governo; o estabelecimento da independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, regras menos restritivas para o voto e a separação entre a Igreja e o Estado”.

Quadro sobre Proclamação da República feito pelo pintor Benedito Calixto Foto: BENEDITO CALIXTO/ACERVO PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Era ainda o fim do Poder Moderador imposto pela Constituição anterior “voltando-se à fórmula tradicional de separação entre os poderes, propugnada por Montesquieu”, lembram os professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, no livro Direito Constitucional Descomplicado (Editora Método).

Outro detalhe do texto constitucional de 1891, que contava com 91 artigos, era a forma da Carta Magna, que passou a determinar um trabalho mais completo para mudanças constitucionais. “A Constituição adotou a forma rígida, considerando constitucionais todas as suas disposições, as quais somente poderiam ser alteradas mediante procedimento especial, mais laborioso do que o exigido para a criação e modificação do direito ordinário”, citam Paulo e Alexandrino.

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O Brasil constitucionalizou em 1891 o habeas corpus, que até então constava no Código de Processo Criminal de 1832. Em seu artigo 72, parágrafo 22, a Constituição definiu, na grafia da época: “Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o individuo soffrer ou se achar em imminente perigo de soffrer violencia, ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder”. Com pequenas mudanças textuais, a Constituição de 1988, em seu artigo 5º, tem trecho para definir habeas corpus parecido com o de 1891. “Conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

Capa do jornal A Província de São Paulo, que se tornou O Estado de S. Paulo, de 16 de novembro de 1889  Foto: Acervo Estadão

Direitos trabalhistas e permissão de voto para as mulheres

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Quatro anos depois da Revolução de 1930, que culminou com o fim da alternância no poder entre paulistas e mineiros e levou ao poder Getúlio Vargas, um novo texto constitucional passou a valer no País. A Carta Magna de 1934, também promulgada, criou benefícios trabalhistas, como jornada trabalho de oito horas, folga semanal e férias remuneradas.

“O dia de trabalho não excederá de oito horas e nas indústrias insalubres de seis. Em casos extraordinários, poderá ser prorrogado até por três horas, vencendo o trabalhador em cada hora o duplo do salário normal. A prorrogação não poderá ser feita consecutivamente por mais de três dias, e não será permitida nas indústrias insalubres, nem aos que tiverem menos de 18 anos”, constava no parágrafo 3º, do artigo 124, que também definiu, em seu parágrafo 2º, a obrigação do salário mínimo no País. As Justiças Eleitoral e do Trabalho também foram criadas pela Constituição.

O texto constitucional ficou marcado também por permitir, a partir daquele momento, o voto feminino. O direito a escolher candidatos nas eleições, porém, não era permitido para analfabetos, praças, salvo os sargentos, do Exercito e da Armada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial; os mendigos; e os que estiverem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos.

Carlota Pereira de Queiroz durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1934 Foto: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DE SÃO PAULO

Foi neste período que, em maio de 1933, São Paulo elegeu a primeira mulher para o cargo de deputada federal. Trata-se de Carlota Pereira de Queiróz, que nasceu em São Paulo, em 1892. Formou-se em medicina em 1926. A então deputada era a única mulher entre 254 parlamentares eleitos para Assembleia Nacional Constituinte de 1934. Carlota permaneceu no cargo até 1937, quando Vargas fechou o Congresso Nacional. A Constituição de 1934 é a que menos vigorou no Brasil. Isso porque, em 1937, Vargas deu um golpe para instalar sua ditadura no País.

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Ditadura Vargas e a Constituição inspirada no fascismo

Foi pelas mãos do ditador Getúlio Vargas que o Brasil se aproximou do fascismo com a edição da Constituição de 1937, que entrou em vigor em 10 de novembro daquele ano. Sob argumento de que o País corria risco de infiltração comunista, a Carta Magna apelidada de “polaca”, por se aproximar do texto constitucional de extrema direita polonês da época, normatizou a pena de morte no Brasil.

Constituição outorgada: Ditador Getúlio Vargas foi responsável pela Carta Magna de 1937 Foto: Acervo Estadão

O artigo 122 previa inicialmente punição com morte para seis casos, sendo cinco situações para envolvimento com grupo armado que tentasse tomar o poder com ou sem ajuda de grupos estrangeiros. Ou seja, era um aviso para os opositores de Vargas. Aquela Constituição previa, ainda, pena de morte para “homicídio por motivo fútil e com extremos de perversidade”. Esse era o único trecho que envolvia qualquer civil sem questões políticas.

Menos de um ano depois de o texto ser outorgado, em maio de 1938, Vargas ampliou as ações que seriam punidas com morte, como “saque, incêndio, depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar terror”. Passavam, naquele momento, para 10 tópicos envolvendo pena de morte.

Ainda sob o comando autocrático de Vargas, os meios de comunicação sofreram com a censura, e o Congresso Nacional foi fechado. A palavra “censura” aparece duas vezes na Constituição. Ainda no artigo 122, apesar de ser uma parte sobre “direitos e garantias individuais”, Vargas deixa explícito a censura no Brasil. “Com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança publica, a censura prévia da imprensa, do theatro, do cinematographo, da radio-diffusão, facultando á autoridade competente prohibir a circulação, a diffusão ou a representação”, diz trecho na grafia original.

Em 1940, sob a vigência da Carta Magna ditatorial, soldados invadiram a redação do Estadão sob a falsa acusação de uma conspiração armada. Armas foram colocadas no forro do prédio pela própria polícia para forjar provas. Foi nesse período que o Estadão passou pouco mais de meia década sob intervenção a mando de Vargas.

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A redemocratização pela Constituição de 1946

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e o fim das ditaduras de Adolf Hitler, na Alemanha, e Benito Mussolini, na Itália, a autocracia Vargas também chega ao fim.

No fim de dezembro daquele ano, uma eleição presidencial foi realizada no País e contou com três candidatos ao posto mais alto da República (Eurico Gaspar Dutra, Eduardo Gomes, Yedo Fiúza e Mario Rolim). O vencedor, com 55,39% dos votos, foi Gaspar Dutra, responsável por, no ano seguinte, promulgar a Constituição de 1946 no Brasil.

Há uma curiosidade na eleição daquele ano. Apesar de a Carta Magna de 1937 apontar como inimigo o comunismo, em 1945 o candidato Fiúza era do Partido Comunista Brasileiro (PCB), conhecido como Partidão. De acordo com dados da Justiça Eleitoral, ele obteve quase 600 mil votos e terminou na terceira posição no pleito daquele ano - atrás de Dutra e Gomes). O número de votos representou 9,71% do total.

Eurico Gaspar Dutra foi eleito em 1945 e promulgou a Constituição de 1946, que restabeleceu a democracia no Brasil  Foto: TRE-SP | Divulgação

A Constituição de 1946, promulgada em setembro daquele ano, nas palavras do professor Pedro Lenza, em seu livro Direito Constitucional Esquematizado (Editora Saraiva Jur), “inspirou-se nas ideias liberais da Constituição de 1891 e nas ideias sociais da de 1934. Na ordem econômica, procurou harmonizar o princípio da livre-iniciativa com a de justiça social”.

O Golpe de 1964 e a Carta Magna de 1967

Duas décadas mais tarde, em abril de 1964, os militares tomam o poder por meio do que ficou conhecido como Golpe de 64. Mais uma vez, o Brasil retornava, aos poucos, para uma linha ditatorial que durou até 1985. Uma nova Constituição foi outorgada, apesar de o Congresso Nacional ter sido aberto para votação daquele texto constitucional - apenas com aliados do regime.

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“Na mesma linha da Carta de 1937, a de 1967 concentrou, bruscamente, o poder no âmbito federal, esvaziando os Estados e Municípios e conferindo amplos poderes ao presidente da República. Houve forte preocupação com a segurança nacional”, destacou Pedro Lenza em seu livro.

Em publicação do Senado Federal, há lembrança de que “essa Constituição foi emendada por sucessiva expedição de Atos Institucionais (AIs), que serviram de mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, dando a eles poderes extra-constitucionais. De 1964 a 1969, foram decretados 17 atos institucionais, regulamentados por 104 atos complementares”, lembrou a Agência Senado.

Humberto Castelo Branco (à esquerda), Ernesto Geisel e Costa e Silva, em 1966: Os três ocuparam a Presidência da República Foto: ACERVO ESTADÃO

Um dos Atos Institucionais, o de número 5, de 1968, já no governo de Costa e Silva, endureceu a ditadura no País., impondo censura, perseguição, prisões ilegais e até morte contra os que tentaram se rebelar contra a situação da época.

“Entre outras determinações contidas no AI-5, destacam-se: suspensão de qualquer reunião de cunho político; censura aos meios de comunicação, estendendo-se à música, ao teatro e ao cinema; suspensão do habeas corpus para os chamados crimes políticos; decretação do estado de sítio pelo presidente da República em qualquer dos casos previstos na Constituição; e autorização para intervenção em estados e municípios”, cita publicação do Senado Federal, que fora fechado no mesmo dia da edição do AI-5.

Mais uma vez, o Estadão foi alvo de censura imposta pelos militares. No acervo do jornal, há publicação das reportagens e capas que foram censuradas durante o regime militar. Quem acessar, pode comparar a página prevista e a que foi às bancas depois de passar por análise de um censor.

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A volta da democracia com a Constituição cidadã

Desde 1988, o Brasil tem uma Constituição democrática. Passado o período ditatorial dos militares, a Assembleia Constituinte começou a se debruçar sobre o novo texto da Carta Magna brasileira. Em resposta aos crimes militares, como tortura, os constituintes deixaram registrado na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, ser proibida a tortura no País. “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, diz a letra do inciso três.

A atual Constituição brasileira, durante os quase 36 anos de duração, já passou de mais de 130 emendas. Entre as últimas, a emenda 131/2023 permite que o brasileiro naturalizado não perca a nacionalidade brasileira, a não ser no caso que “fizer pedido expresso de perda da nacionalidade brasileira perante autoridade brasileira competente, ressalvadas situações que acarretem apatridia”. E, mesmo que isso ocorra, o novo texto dado pela emenda diz, ainda, que “a renúncia da nacionalidade, nos termos do inciso 2 do parágrafo 4º deste artigo, não impede o interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira originária, nos termos da lei”.

Ulysses Guimarães e outros parlamentares na última sessão da Assembleia Nacional Constituinte na Câmara dos Deputados, em 1988 Foto: Ricardo Chaves/ Estadão

Composta por 250 artigos, a Carta Magna de 1988 ganhou ampla cobertura da imprensa. A Assembleia Constituinte foi presidida pelo então deputado federal Ulysses Guimarães (1916-1992). No dia da promulgação do texto, o discurso de Guimarães repudiou todo movimento golpista. “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina”, disse em trecho de seu discurso.

Leia a íntegra das sete Constituições brasileiras

Constituição de 1824

Constituição de 1891

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Constituição de 1934

Constituição de 1937

Constituição de 1946

Constituição de 1967

Constituição de 1988 (em vigor)

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