Dinheiro vivo, cartão adesivado e doleira: Foliões redobram cuidados para driblar golpes no carnaval

Distração durante festas costuma ser um atrativo a mais para criminosos nesta época do ano

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Por Ítalo Lo Re
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Foliões estão redobrando os cuidados para ir em blocos de carnaval em São Paulo. O objetivo é se proteger de golpes, especialmente os que usam maquininhas de cartão, e de desvios feitos pelo Pix após roubos de celular. Relatos de casos desse tipo estão em alta desde o ano passado, e a distração durante festas de grande porte costuma ser um atrativo a mais para criminosos.

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De diferentes tipos, os golpes são observados ao longo de todo ano, mas podem ganhar novo fôlego no carnaval – a Prefeitura estima mais de 15 milhões de pessoas na festa de rua deste ano. Diante disso, organizadores de blocos e foliões trocam dicas em postagens nas redes sociais e em grupos de WhatsApp para evitar dar brechas para criminosos. As estratégias, que se renovam ano a ano, são as mais variadas possíveis.

Vítima do golpe do cartão trocado no carnaval fora de época do último ano, o engenheiro Gustavo Garcia, de 26 anos, conta que até fez uma lista com recomendações para os amigos. As dicas vão desde priorizar pagamentos em dinheiro em espécie a evitar pagamentos por Pix no meio da multidão, já que o celular pode ser roubado com o aplicativo de banco destravado, o que facilita a realização de desvios.

Gustavo Garcia fez uma lista com recomendações para os amigos depois de ser vítima do golpe do cartão trocado Foto: Arquivo pessoal

Outra recomendação dada por ele é evitar comprar com vendedores não cadastrados pela Prefeitura e com coolers pequenos –normalmente eles são usados porque permitem uma fuga mais rápida dos criminosos. Em julho do ano passado, Gustavo estava em um bloco na Pompeia, zona oeste da cidade, quando foi vítima de uma pessoa justamente com esse perfil.

Ele conta que, ao parar para comprar uma cerveja, o ambulante disse que a maquininha estava com defeito. “Fui pagar na aproximação e ele disse que não estava passando, que teria que digitar a senha”, diz. Após fazer o pagamento e receber o cartão de volta, Gustavo voltou para o bloco para aproveitar a festa com os amigos e só percebeu que havia algo errado horas depois, ao receber notificações de transferência no celular. O prejuízo foi de R$ 9 mil.

Neste tipo de crime, criminosos andam com vários cartões escondidos e, após atender um cliente, devolvem à vítima um outro cartão – no caso de Gustavo, o cartão devolvido era exatamente igual ao dele. Depois, correm para fazer transferências antes que a troca seja percebida e as transações, bloqueadas.

Após a troca, os golpistas podem tanto usar a senha que a vítima digitou na maquininha quanto o próprio código de segurança, em casos de cartão de crédito. Há também a possibilidade de fazer transações sem senhas, com cartões por aproximação. As quantias desviadas vão para contas laranjas. Após não conseguir o ressarcimento do valor desviado, Gustavo entrou na Justiça contra o banco para tentar recuperar o valor.

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“O que mais tenho visto são os golpes com a maquininha de cartão, que vão desde clonagem até troca de cartão”, diz Thais Fabris, de 40 anos, uma das organizadoras de um bloco de rua na zona oeste da capital. Ainda assim, ela reforça ser importante se preparar de diferentes maneiras. “Todo ano tem golpe novo, o deste ano ainda não sabemos bem qual é.”

Recentemente, a consultoria Kaspersky identificou um novo tipo de golpe, em que criminosos entram em contato com vendedores se passando por funcionários de fabricantes das maquininhas de cartão. Após enviar links maliciosos aos comerciantes, eles instalam um vírus no equipamento, que gera erro em pagamentos por aproximação.

Após terem a primeira tentativa negada, as vítimas inserem o cartão no aparelho para tentar efetuar o pagamento novamente e têm altas quantias desviadas para os criminosos. O comerciante fica sem saber o que houve. Ainda não se sabe qual a difusão de golpes desse tipo, mas a sofisticação dá pistas do quão avançados estão os golpistas.

Bloco Casa Comigo arrasta foliões pelas ruas de Pinheiros, na zona oeste Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

Criminosos são muito rápidos, diz organizadora de bloco

Para evitar os golpes mais difundidos, como o do troca do cartão, uma dica dada por Thais é colocar um adesivo qualquer no cartão, o que permite que ele seja identificado com mais facilidade. “Se tem um adesivo bem chamativo, mesmo se o golpista te devolve um cartão do mesmo banco, você vai saber que não é o seu”, diz a carnavalesca. Ela diz já ter usado um adesivo de coração, por exemplo, o que a permitia diferenciar o cartão com facilidade.

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Thais explica que, ainda com cartão adesivado, é importante não fazer pagamentos em máquinas com visor quebrado e suspeitar de valores muito baixos, além de nunca perder o cartão de vista. “Às vezes o golpista diz que a maquininha deu erro e sai com ela para outro lugar, com a justificativa de que vai pegar outra”, conta ela. “Eles (os criminosos) são muito rápidos.”

Hoje, a foliã também tenta não levar o cartão aos blocos. Quando não está com dinheiro em mãos, adota só um cartão de débito com limite baixo. “O ideal é não levar cartão nenhum, porque também está acontecendo o golpe dos caras que passam com a maquininha no meio da multidão como se estivessem pescando os cartões por aproximação”, diz ela.

Thais Fabris usa um adesivo bem chamativo no seu cartão Foto: Lela Corradini

Outro cuidado é levar apenas um celular antigo para a festa, sem aplicativos de banco. “Se não tiver um aparelho parado em casa, desinstale os aplicativos de banco do aparelho que for levar. É horrível, mas a gente tem que tomar muitas precauções”, diz. “Deixo o celular só na doleira e ela por baixo do short. Em cima, fica só uma pochete, com trocado para comprar bebida.”

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Fundador de um bloco na região central, o publicitário Diego Leporati, de 37 anos, tem estratégia parecida. “O melhor, que é até o que eu tenho feito nos blocos pré-carnaval, é sair só com dinheiro trocado. No final, é o que acaba sendo mais seguro”, afirma. Ele foi vítima de uma tentativa de golpe há alguns anos, quando um criminoso tentou trocar seu cartão após uma compra. “Na hora, percebi e pedi para devolver meu cartão verdadeiro, senão ia chamar a polícia.”

Hoje em dia, ele sai só com doleira e, no máximo, um cartão – com um adesivo verde-neon estampado. Também evita levar cartões de aproximação. “Não tenho outro celular, então acabo saindo com meu celular normal, mas tomo alguns cuidados”, diz. O folião desinstala a carteira do Google antes de ir para blocos e também usa uma funcionalidade de banco que permite aos clientes limitarem transações quando estão fora de casa.

Golpes à distância também aumentam em épocas de festas, diz delegado

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Os riscos de golpes não se concentram só no presencial. “Nessas épocas de maior movimentação, como o carnaval, deve aparecer muito phishing voltado a pacote de viagem e a festas de carnaval. Sempre, em véspera de feriados e grandes eventos, tem que tomar cuidado com isso”, diz o delegado Luiz Alberto Guerra, titular da 2ª Delegacia de Investigações Gerais (DIG) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil.

O phishing consiste em armadilhas, normalmente enviadas por e-mail ou SMS pelos criminosos, para tentar obter dados dos alvos do golpe. Como mostrou o Estadão nesta semana, essa tática costuma ser usada para acessar os dados bancários das vítimas antes de as quadrilhas tentarem consumar o golpe por uma ligação telefônica ou mensagem de celular. “A pessoa não caindo em phishing já evita muitos golpes desse tipo”, diz o delegado.

Segundo ele, o caminho do criminoso para tentar aplicar o golpe acaba sendo maior quando não tem dados prévios dos alvos. “Sempre que tiver um contato suspeito, desligue imediatamente o telefone e entre em contato com o gerente da conta ou, por outro aparelho, entre em contato com a central do banco. Com essa dica, fica muito difícil para eles terem êxito”, afirma o delegado.

Nesta semana, repercutiu nas redes sociais o caso de uma jornalista que recebeu uma ligação telefônica de um suposto funcionário do banco em que é cliente informando que sua conta havia sido invadida por criminosos. Ela disse que eles detalharam todas as últimas transações feitas no período recente e que só desconfiou que se tratava de um golpe quando pediram que fizesse uma transação por motivos de segurança. Por pouco, não se tornou mais uma vítima.

Carnaval terá policiamento com drones e agentes à paisana contra golpes

A Polícia Militar de São Paulo terá um efetivo de aproximadamente 14 mil agentes por dia durante as operações de carnaval no Estado, com ações voltadas à movimentação pré-folia. Este ano, o policiamento também conta com 168 drones e agentes à paisana para monitorar “comportamentos suspeitos” e falsos ambulantes aplicando “golpes do Pix” e “da maquininha”.

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Quem se aventurar por algum dos 35 megablocos na capital também precisará passar por uma revista antes de conseguir acesso. Será proibida a entrada com garrafas de vidro e objetos pontiagudos ou cortantes. Essas ações serão feitas por empresa de segurança terceirizadas, mas com o apoio dos policiais.

“Não vou entrar em muitos detalhes, mas nosso pessoal de inteligência estará todo em campo para fazer um policiamento ‘velado’, observando e indo checar esses locais e pessoas, que fingem ser ambulantes e acabam enganando as pessoas”, afirmou, em entrevista coletiva realizada nesta semana, o coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante-geral da PM.

Em nota enviada à reportagem sobre o novo golpe identificado pela Kaspersky, a Secretaria de Segurança Pública informou orientar as pessoas a “não atenderem chamadas de números não cadastrados na lista de contatos, não responder a mensagens de texto de números desconhecidos e não clicar em links enviados sob nenhuma forma de comunicação”. /COLABOROU JOÃO KER

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