A TENDÊNCIA É DESFAZER MAIS E FAZER MENOS

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Por Henrique de Carvalho
Atualização:
Ilustração do autor (Henrique de Carvalho)  

Sempre me perguntam sobre as próximas tendências na decoração e interiores. Que reflexões trazemos da pandemia? E das mudanças climáticas? Como será o estilo de vida? 

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Talvez, como herança da tradição moderna de pensar um futuro positivado pela técnica, repouse sobre os arquitetos essa mística profética que eles cultivaram por 50 anos, anunciando o mundo glorioso que estava por vir. Por vezes, dada nossa natureza curiosa e interessada nos movimentos antropológicos, conseguimos acertar - crédito seja dado à capacidade de imaginar, e não à de ditar regras.

O problema é que às vezes confundem o que os arquitetos pensam com editoriais de moda e comportamento rebatidos literalmente nas casas das pessoas. Essa confusão foi criada porque, de um lado, havia uma pressão dos veículos mais populares em angariar anúncios e, de outro, os assuntos se confundiam por estarem em cadernos que cuidavam de temas ligados a moda e comportamento. Assim, tudo passava a ser tratado em termos muito semelhantes e, num mundo cada vez mais midiatizado e consumista, nada mais natural do que inserir a arquitetura nesse contexto. Deste modo, arquitetura tornou-se sinônimo de casas e decoração.

Usufruindo da minha imaginação empírica antropológica, observo certas tendências que tocam a todos nós. São pensamentos recentes, surgidos a partir das mudanças que vejo em muitas cidades do Estado de São Paulo, e que têm ocorrido, inclusive, no entorno da TANTA, meu escritório. 

Desfazer mais e fazer menos

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A integração espacial é cada vez maior. Veio para ficar e estimular o retorno do convívio. A tendência de derrubar barreiras, paredes, desfazendo mais e fazendo menos, não significa um retorno ao "menos é mais" dos modernos. O moderno passou, é história, é patrimônio tombado. Agora é decidir o que faremos com o que eles fizeram. 

Estamos desfazendo aquele mundo do passado para constituir um novo, mais arejado, luminoso e sustentável. E não vou inventar nenhum jargão aqui, do tipo "mais é mais", para contrapor jargões do passado repetidos como afirmação de verdade. É um clichê desnecessário e é até meio cafona. Hoje toda ação se dá em meio à consciência da complexidade, que não cabe nesse tipo de simplificação.

Na prática dos escritórios, construiremos cada vez menos, mas crescerão as reformas. A subtração também é um gesto construtivo importante. Ela integra, amplia, areja, revela. Dou um exemplo bem simples: muitas vezes a gente tem descascado paredes e pilares para expor suas lindas imperfeições. Sem aplicar nenhum acabamento por cima, sem lixar, sem maquiar, acabamos por descobrir vestígios de outras eras, como pedaços das caixarias do concreto de 60 anos atrás, ainda grudadas em vigas e pilares. Tudo isso tem enorme valor. Passamos a expor os fósseis de uma era recente.

O fazer menos também serve para construções novas. Elas tendem a ter menos paredes, ventilação mais intensa, pátios internos, frestas de iluminação, reaproveitamento de água, energia solar, sistema de compostagem.

Torço para que as novas construções sejam mais leves, com estruturas de madeira ou metal, e menos concreto. E não é preconceito. Veja uma casa sendo concretada e note quanta madeira é usada nas caixas que moldam vigas, lajes e pilares, mais os escoramentos. Com toda essa madeira, daria para se fazer uma obra inteira, sem precisar do concreto. O resultado disso são movimentos em dobro: caminhão para levar a madeira e depois o concreto, fábricas para processar a madeira e também o concreto. E depois todo o madeiramento vira entulho. 

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Certamente conseguiremos fazer mais, poupando recursos.

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