São Paulo vê alta de mortes por PMs; região da Baixada Santista é a que mais mata fora da Grande SP

Proporcionalmente, litoral sul e Vale do Ribeira têm índice de letalidade policial semelhante ao da capital, que possui mais casos, mas também uma população cinco vezes maior

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Por Emilio Sant'Anna

Um ano após atingir a menor letalidade policial desde 2005, o Estado de São Paulo viu os dados desse tipo de morte crescerem novamente no primeiro semestre de 2023. Capital, Região Metropolitana e Baixada Santista - onde 14 mortes foram registradas desde o final de semana, após um soldado da Rota ser assassinado no Guarujá - concentram os maiores números, de acordo com dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública no último mês. Proporcionalmente, a região da Baixada tem letalidade policial semelhante à da capital paulista.

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Em todo o Estado, esse índice subiu 9,4% nos seis primeiros meses do ano. Foram 221 registros, ante 202 no mesmo período do ano passado.

A queda em 2022 foi comemorada e, parcialmente, atribuída ao programa que instalou câmeras de vídeo nos uniformes da Polícia Militar no Estado. Batizada de Olho Vivo, a medida começou em 2021 com o então governador João Doria. Até o final do ano passado eram pouco mais de 10 mil câmeras instaladas em policiais de cerca de 60 batalhões. O Estado tem cerca de 82 mil PMs - nem todos em atividades externas de policiamento.

Neste ano, com 11,4 milhões de habitantes, a capital paulista registrou 104 mortes em confrontos com policiais militares e civis até o final de junho deste ano. No mesmo período de 2022, foram 92 casos, aumento de 13%.

Operação Escudo, no Guarujá; Baixada Santista tem 14 mortes após assassinato de PM Foto: Taba Benedicto/Estadão

Na sequência, a Grande São Paulo, com cerca de 10 milhões (excetuando os moradores da capital), teve crescimento de 6,9% nessas ocorrências. Foram 31 mortes em 2023, ante 29 no primeiro semestre do ano passado.

Os dados da Baixada Santista, no entanto, são os que mais chamam a atenção. Comparada à região, a Grande São Paulo (sem contar os habitantes da capital) tem uma população cinco vezes maior. Os dados de letalidade policial, por sua vez, não seguem essa proporcionalidade.

A Baixada, que na divisão administrativa da Secretaria da Segurança Pública (SSP) abrange também as cidades do Vale do Ribeira, tem pouco mais de 2 milhões de habitantes. As mortes em decorrência de confrontos com policiais foram 20 no primeiro semestre deste ano e 18 no mesmo período do ano passado.

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Não entram na conta os números da Operação Escudo, que a Polícia Militar faz na região desde a semana passada com a morte de um soldado da Rota no Guarujá.

O Estadão fez o cálculo e, proporcionalmente, a Baixada tem índice de letalidade policial semelhante à da capital paulista, que tem mais casos, mas também uma população mais de cinco vezes maior.

  • Baixada Santista: 1 morte para 100 mil habitantes
  • Capital: 1 morte para 109 mil habitantes
  • Grande São Paulo: 1 morte para 320 mil habitantes

Agora, a região contabiliza, em menos de uma semana, quase os mesmos dados de seis meses de operações policiais. Nos mesmos seis meses, cinco policiais da reserva e um em serviço morreram na Baixada Santista, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP).

Crimes em queda x letalidade policial em alta

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De acordo com Carolina Ricardo, Diretora Executiva do Instituto Sou da Paz, não é possível afirmar que o aumento da letalidade policial seja uma resposta a uma escalada dos crimes violentos.

“Crimes violentos mais graves estão em queda no Estado, não há evidência de disputas entre facções, que há muito tempo só tem uma delas e que se fortalece. Por isso, o único fator externo mais relevante pode ser o aumento da circulação de armas. Ainda assim, tendo em vista que o aumento de mortes pela polícia coincide com a mudança de gestão, acreditamos que este deva ser o principal fator”, afirma.

Carolina ressalta que o uso das câmeras foi medida acertada, mas não a única responsável pela queda da letalidade policial em 2022. “O que fez com que a letalidade caísse de forma ininterrupta nos últimos anos no Estado de SP foi uma decisão de adotar uma política de profissionalização do uso da força”, disse.

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Ela cita a aquisição e treinamento para a adoção de equipamento menos letal, as tasers; a implantação das comissões de mitigação de não conformidades, para discutir operacionalmente as mortes em confronto; o fortalecimento do apoio psicológico aos policiais; a apuração célere dos casos de abusos e a adoração do programa Olho Vivo de Câmeras Corporais.

“Seguimos acreditando que as câmeras corporais, se bem implementadas e acompanhadas, podem ser um instrumento importante de redução da letalidade policial, mas também de coletas de provas e revisão de ocorrências que aperfeiçoam procedimentos e salvam a vida de policiais”, completa.

Como o Estadão mostrou, estudos que identificam a dinâmica das mortes cometidas pelas polícias apontam para as chamadas “operações vingança”. Essas ações são caracterizadas por mortes em série cometidas em supostos confrontos na esteira de ocorrências letais contra agentes de segurança pública.

Entre os relatos de supostas torturas e execuções por parte dos policiais está o da esposa de Cleiton Barbosa Moura, de 24 anos, uma das 14 pessoas mortas pela Polícia Militar. Ela disse que o marido estava com o bebê do casal no colo quando foi executado pelos policiais, no Sítio Conceiçãozinha, onde a família mora.

“Eles tiraram nosso bebê do colo para fuzilar ele. Outro policial segurou a criança, que tem dez meses, e depois entregou para nosso outro filho, de 13 anos”, relatou a mulher, que pediu para não ser identificada.

“Todos sentimos pela perda do soldado Reis, que foi atacado covardemente enquanto trabalhava pela segurança da população no Guarujá, em área de forte influência do PCC. E acreditamos que o caso precisa de uma resposta rápida de investigação e punição dos responsáveis”, afirma a diretora do Sou da Paz. “Contudo, sabemos que várias das maiores chacinas ocorridas no Brasil se deram após mortes de policiais (Osasco, Barueri em São Paulo, Cabula na Bahia e Messejana no Ceará) entre outras.”

Carolina lembra que há pesquisas que revelaram essa dinâmica. “A pesquisadora da UERJ Terine Husek calculou (estudando casos no Rio de Janeiro) que a chance de um civil ser morto pela polícia no mesmo dia em que um policial morre em serviço é de 1.150%, no dia seguinte, 350%”, afirma.

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O governo de São Paulo, porém, defendeu na segunda-feira, 31, a atuação policial na Baixada Santista sob a alegação de enfrentamento ao crime organizado e reação proporcional à ameaça de confrontos no local. “Houve atuação profissional que resultou em prisões e vamos continuar com as operações”, afirmou Tarcísio, na segunda-feira.

No dia seguinte, o chefe do Executivo paulista passou a admitir que os casos estão sendo investigados, mas não falou em suspeitas de irregularidades. “Tudo está sendo investigado. Todas as condutas serão investigadas. Se houver excesso, se houver falhas, nós vamos punir os responsáveis”, disse o governador.

Tarcísio de Freiras durante evento no Palácio dos Bandeirantes na terça-feira Foto: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP

Segundo Carolina, o que ocorre agora na Baixada Santista é muito parecido e traz riscos. “Manter essa estratégia de operação, como defende o governador, parece bastante equivocado, até porque ainda está sendo apurado se se trata de retaliação pela morte do soldado Reis. Há alto risco de a violência escalar”, diz.

Na terça-feira, 1º, mais dois policiais militares foram baleados em Santos.

Baixada vê avanço do crime organizado

A Baixada Santista tem visto o avanço do crime organizado. A região concentra um dos maiores números de comunidades espalhadas pelos morros e manguezais do Estado. São ao menos 40, cinco delas no Guarujá.

A região tem locais de difícil acesso para o policiamento motorizado, o que ajuda na expansão das facções, que disputam entre si o controle do território. A proximidade com o Porto de Santos, usado para o escoamento de drogas para o exterior, atrai grupos que desejam aumentar seu poder no tráfico.

A investigação policial aponta que o suspeito de ter disparado contra os policiais da Rota, Erickson David da Silva, de 28 anos, cresceu no Primeiro Comando da Capital (PCC) na Baixada Santista. ‘Deivinho’ conheceu a facção há sete anos e teria recebido lições de tiro em uma das células do grupo criminoso instaladas nos morros existentes na região.

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Apresentação de câmeras corporais adquiridas para implementação de programa na Polícia Militar Foto: Governo de SP

O promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Silvio de Cillo Loubeh, que atuou na investigação e repressão a saques de trens na Baixada Santista, acredita que os traficantes atiraram contra a polícia para proteger o ponto de tráfico. “Infelizmente, é a realidade da Baixada Santista. Nesses lugares a polícia é sempre recebida a tiros.” Segundo ele, o atirador fazia parte da chamada “contenção” – grupos armados que protegem o ponto de venda de drogas.

David Marques, coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lembra que o Porto de Santos “é um equipamento que tem grande atratividade pela capacidade de trânsito de mercadorias para o PCC fazer circular suas mercadorias, sobretudo drogas.”

Nos últimos anos, a facção fortaleceu suas conexões com grupos criminosos no exterior, com rotas de envio de cocaína para Europa e África.

Ação coordenada das polícias

Em nota, a SSP afirma que reforçou o policiamento em todo o Estado e que a Baixada Santista é uma área prioritária para a atual gestão. Durante o primeiro semestre deste ano, em comparação ao mesmo período de 2022, foram presos ou apreendidos 6.091 infratores, representando um aumento de 15,2% na região do Deinter 6.

“No primeiro semestre de 2023, as forças policiais detiveram um total de 95.394 pessoas, representando um aumento de 8,4% em relação ao mesmo período do ano anterior. Nas ocorrências, 99,76% não registraram mortes em confronto. Os dados mostram que a principal causa das mortes em intervenções policiais não é a atuação da polícia, mas sim a escolha do confronto feita pelo infrator, colocando em risco tanto vítimas quanto os participantes da ação”, diz a pasta, que ressalta que todos os casos são investigados pelas corregedorias, encaminhados ao Ministério Público e levados ao Judiciário.

A secretaria afirma que “continua investindo de forma contínua no treinamento do efetivo e na implementação de políticas públicas para reduzir as mortes em intervenções policiais, incluindo o aprimoramento constante dos cursos e treinamentos”.

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