SP tem o maior nº de vítimas no trânsito desde 2016; um motociclista morre por dia

Após diminuição no período de pandemia, óbitos voltaram a subir na capital e também no Estado; órgãos dizem adotar medidas

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Por Gonçalo Junior
Atualização:

O número de mortos em acidentes de trânsito na capital de São Paulo é o maior desde 2016, segundo o Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga) divulgados nesta quinta-feira, 19. Foram 859 mortes nas ruas e avenidas no ano passado, o que representa uma elevação de 18,8% em relação a 2021, que registrou 723 mortes. A alta é puxada pelos óbitos de motociclistas morre um por dia na capital.

A tendência também é de alta em nível estadual. As mortes bateram recorde e atingiram o maior patamar desde 2017. Foram registrados 5.348 óbitos no trânsito no ano passado, ante 4.854 em 2021, elevação de 10%. Os dados levam em conta os óbitos verificados até 30 dias após o acidente.

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Os motociclistas ocupam o topo das estatísticas das vítimas. O número de óbitos nesse público vem aumentando a cada ano, em uma tendência de alta desde 2015, o início da série histórica. Do total de mortes em São Paulo no ano passado, 2.089 foram em consequência de acidentes envolvendo motocicletas, o recorde da série. Houve um aumento de 8% em relação a 2021 (1.935 óbitos).

Pelo terceiro ano consecutivo, o grupo representa as maiores vítimas do trânsito. Só na capital paulista, os óbitos com condutores ou passageiros de motos passaram de 313 para 405, o maior patamar nos últimos oito anos. A maioria das vítimas é de homens de 18 a 24 anos e morre no mesmo dia do acidente.

Pandemia e delivery

Um dos fatores para a elevação das mortes no trânsito foi a retomada das atividades econômicas e sociais com o fim do isolamento imposto pela pandemia do novo coronavírus, na visão de Ciro Biderman, professor de Administração Pública da FGV/SP. “O volume de acidentes está ligado ao volume de veículos em circulação. Houve uma queda em 2020 e 2021 por conta da pandemia, pois tivemos poucas ações de política pública de segurança viária na capital”, diz o especialista.

Atrelados à pandemia, os serviços de motofrete e delivery cresceram significativamente nos últimos dois anos, colocando ainda mais motos nas ruas. Um em cada cinco motociclistas atua profissionalmente na capital. Cada um percorre em média 150 quilômetros por dia de trabalho. Os 200 mil motoboys da capital fazem 3 milhões de entregas diárias, segundo o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas e Ciclistas de São Paulo (Sindimoto).

José Montal, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), afirma que “a precariedade das condições de trabalho nas plataformas por aplicativo, em que a remuneração é feita pelo volume de entregas, exige velocidade, fator de risco para acidentes”.

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Os motociclistas ocupam o topo das estatísticas das vítimas, segundo o levantamento.  Foto: Alex Silva/Estadão


Busca por meios de transporte mais baratos e mais vulneráveis

Pedestres e ciclistas também têm sofrido para se locomover na cidade de São Paulo, como observa o professor Roberto Braga, especialista em planejamento urbano e regional do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp. Entre 2021 e 2022, os óbitos de pedestres passaram de 1.043 para 1.242, elevação de 19%. “A diminuição do poder aquisitivo da população nos últimos anos levou à escolha de modais mais baratos, como a moto, bicicleta e até a pé. Isso aumenta a vulnerabilidade desses três segmentos pelo aumento da exposição”, diz Braga.

Na visão do especialista, essa exposição explica o aumento das mortes entre os ciclistas em uma análise de médio prazo. Em 2015, foram 295 óbitos, ante 352 em 2022. Essa é a mesma visão da professora Angélica Alvim, diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“Temos uma preponderância do automóvel em detrimento da rua como espaço público. O pedestre é o último na cadeia de prioridades. É preciso uma política de estímulo ao ato de caminhar para reduzir o número de atropelamentos, principalmente de madrugada, quando há menor fiscalização”, afirma.

O que diz o governo de São Paulo

O Departamento Estadual de Trânsito (Detran) informa que o Estado de São Paulo tem a menor taxa do País em número de óbitos em acidentes de trânsito, com cerca de 10 mortes por 100 mil habitantes. “Entre maio de 2011 e maio de 2021, a Década de Ação para Segurança no Trânsito da ONU, o Estado registrou uma queda de 32% dos óbitos no trânsito, enquanto a redução foi, em média, de 22% no restante do País”, afirmou o órgão em nota ao Estadão.

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De acordo com o departamento, o “Estado de São Paulo trabalha incessantemente para reduzir as mortes e a violência no trânsito, motivo pelo qual o Detran/SP orienta suas ações com base nos dados e estatísticas do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito (Infosiga), para otimização dos resultados”.

“São Paulo conta com um dos maiores programas de redução aos acidentes de trânsito do Brasil, o Respeito à Vida, que investe anualmente R$ 500 milhões, oriundos das multas de trânsito, em iniciativas voltadas à prevenção de acidentes e à sinalização em municípios paulistas. O Detran/SP adota programas permanentes de ações de Educação para o Trânsito, como Cidadania em Movimento e Educação Viária é Vital”, diz outro trecho da nota.

O que diz a Prefeitura de São Paulo

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito (SMT) e da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), informa que “vem implementando uma série de medidas com o intuito de reduzir o número acidentes de trânsito, vítimas feridas e óbitos no município decorrentes do trânsito da cidade, seguindo o Plano de Segurança Viária – Vida Segura, baseado nos conceitos de Visão Zero e Sistemas Seguros, segundo o qual nenhuma morte no trânsito é aceitável”.

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O poder municipal afirma também que “o planejamento para a gestão do trânsito na cidade também está alinhado às metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030″. “O Programa de Metas 2021-2024 da Prefeitura traz, dentre seus objetivos, reduzir o índice de mortes da cidade de São Paulo para 4,5/100 mil habitantes.”

Um exemplo concreto de medida para proteger as principais vítimas do trânsito, ou seja, motociclistas e pedestres, de acordo com a Prefeitura, é a ampliação das Frentes Seguras (boxes de espera para motocicletas) antes da travessia nos cruzamentos semaforizados. Essa sinalização aumenta a segurança de motociclistas e pedestres, afirma. A CET também vem ampliando a quantidade de faixas de travessias de pedestres.

O que dizem as empresas de aplicativos

A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) afirma, em nota, que “nossas as empresas incentivam, por meio de campanhas e comunicações constantes, a importância do respeito às leis de trânsito”. “Não há nenhum tipo de incentivo por longas jornadas ou pela prática de velocidades acima do permitido nas corridas.” A entidade afirma ainda que “não teve acesso aos dados do Infosiga ou a estudos que relacionam o aumento no número de acidentes de motociclistas às entregas por aplicativo”.

O iFood informa que define as rotas e os tempos de entrega a partir de parâmetros que priorizam a segurança do entregador. “Desde 2018, quando o iFood iniciou a operação com entregadores parceiros conectados diretamente na nossa plataforma, a empresa tem investido em diversas iniciativas para aumentar a segurança. Entre elas estão cursos como Anjos de Capacete, Pedal Responsa e módulos online no iFood Decola, além de termos de cooperação com prefeituras e apoio a campanhas de conscientização como Maio Amarelo. Quase 30 mil entregadores já fizeram cursos para se deslocar de forma segura de moto e de bike no delivery”.

A empresa informa ainda que oferece cobertura de seguros gratuitos a todos os entregadores, desde o momento do aceite do pedido, até o retorno para casa. “Os nossos seguros têm sete coberturas, que incluem despesas médicas, hospitalares, odontológicas; seguro de vida e invalidez permanente total ou parcial; cobertura por lesão temporária, que garante um ganho médio no período de recuperação de um parceiro; entre outras”.

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