'Tempestade de areia': seca extrema explica haboob no interior de SP

Norte e nordeste de São Paulo e Triângulo Mineiro estão com seca em grau ‘excepcional’ e ‘extremo’ em monitoramento nacional; impacto é de curto e longo prazo

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Por Priscila Mengue
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A região atingida pela “tempestade de areia” em São Paulo e Minas Gerais no domingo, 26, está entre as piores avaliadas no monitoramento de secas da Agência Nacional de Águas (ANA) de agosto. O norte e o nordeste paulista e o Triângulo Mineiro estão com as classificações de seca "excepcional" e “extrema”, as mais altas em uma escala de cinco níveis (fraca, moderada, grave, extrema e excepcional).

Divulgado em 21 de setembro, o monitoramento aponta que estes graus de seca têm tanto impactos de curto quanto de longo prazo (“normalmente atuando por mais de 12 meses”, segundo a agência). Entre os afetados, estão a agricultura, a pastagem, a hidrologia e a ecologia, o que inclui “grandes perdas de cultura” e “escassez de água generalizada”.

'Tempestade de areia' atingiu Franca e outros municípios no domingo Foto: Igor do Vale/Estadão Conteúdo

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O levantamento também destaca que a região sudeste enfrenta um avanço das secas de nível mais grave “devido à persistência de chuvas abaixo da média”. A situação atual é a pior apontada desde que o monitoramento passou a incluir São Paulo, em novembro do ano passado.

A “tempestade de areia” atingiu justamente as áreas citadas pela agência, em municípios como Franca, Ribeirão Preto e Uberlândia. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) classifica o evento como um tipo de “litometeoro”, isto é, “fenômeno causado pela suspensão no ar de partículas, geralmente sólidas, mas de natureza não aquosa”, dos quais os mais comuns são névoa seca, tempestade de poeira e turbilhão de areia.

Ao Estadão, a meteorologista Estael Sias, da MetSul, disse que o fenômeno é comum em países da Ásia, onde é conhecido como "haboob". Ele é causado por temporais de chuva com ventos fortes que, ao entrarem em contato com o solo muito seco, encontram resquícios de queimada, poeira e vegetação, os quais acabam criando um "rolo compressor" de sujeira que pode chegar a até 10 quilômetros de altura. 

Embora não tão comum, este tipo de evento ocorreu em outras ocasiões em partes da região sudestes e centro-oeste, porém não com a proporção do mais recente. Em agosto do ano passado, por exemplo, um caso semelhante chamou a atenção em Marília, Cândido Mota e municípios vizinhos. “(O de domingo) Foi um fenômeno de grande proporção, mais impactante, fora da curva. Geralmente, ocorre de forma mais localizada, pontual", comenta.

“A gente começou a ver estes fenômenos de maior dimensão com uma frequência maior, como tempestades, queimadas, temperaturas extremas, especialmente nos últimos 18 meses”, aponta Estael. “São vários fenômenos extremos que parecem não estar conectados, mas estão dentro do mesmo fluido, que é a atmosfera. É a atmosfera buscando um equilíbrio com esse acréscimo de 1,5ºC (aumento de temperatura estimado até 2030 em relação ao nível pré-industrial, conforme divulgado em relatório do IPCC).”

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Ela explica que este tipo de evento ocorre geralmente no fim do período de seca intensa, quanto o solo está arenoso, solto, após meses sem chuva e temperaturas altas. “Ao longo de outubro, a umidade vai aumentando.”

Monitoramento mostra agravamento da seca em região atingida por 'tempestade de areia' Foto: ANA/Reprodução

Geólogo eprofessor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, Pedro Luiz Cortês conta que o evento se deve também ao fato de os municípios ficarem próximos de áreas agrícolas que estão em período de preparação do solo e início da semeadura. Desta forma, a terra é mais facilmente carregada pelos ventos. “O solo revolvido tem muita partícula fina com a baixíssima umidade, a umidade que permitiria a coesão dessas partículas.”

Ele comenta este tipo de situação poderia ser evitada com a adoção do plantio direto, com semeadeiras especiais, que não exigem que o solo seja revoldido antes do plantio. Além disso, a presença de mata nativa em alguns trechos poderia atenuar a ação do vento.

O professor destaca que o fenômeno se deve majoritariamente à intensa estiagem deste ano. “O governo (federal) indica que é a seca mais severa em 91 anos”, diz. “É a terceira crise hídrica no interior de São Paulo neste século. Teve a de 2003-2004, a de 2014-2016 e a de agora.”

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A seca na região também tem afetado o fornecimento de água. Em Franca, por exemplo, a Sabesp informou que a queda acentuada na vazão dos mananciais de abastecimento do município impõe ampliação no horário do rodízio, que passou a operar com um intervalo de 36 horas (isto é, um dia e meio com água e um dia e meio sem). Os satélites do Inmet mostraram que o município de Franca registrava ventos intensos de até 60 quilômetros no domingo. A região também estava sob alerta de tempestades com até 30 milímetros de chuva por hora e risco de granizo, como o que atingiu partes da capital paulista na véspera, estragos em plantações, queda de galhos de árvores e de alagamentos.

O instituto emitiu um alerta de tempestade para a região na manhã desta segunda-feira, 27, no qual destaca chuva de 20 a 50mm/dia, ventos de 40 a 60 km/h e granizo. "Baixo risco de corte de energia elétrica, estragos em plantações, queda de galhos de árvores e de alagamentos", salientou./COLABOROU JOÃO KER

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