Zoneamento de SP: Nunes sinaliza vetos, mas ainda não decidiu sobre prédios altos nos bairros

‘A gente tem que fazer um trabalho para errar o mínimo possível’, diz prefeito, que deve sancionar projeto de lei nesta sexta-feira

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Por Priscila Mengue
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O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou nesta quinta-feira, 18, que ainda não decidiu se manterá ou vetará o trecho da revisão da Lei de Zoneamento que libera prédios mais altos em parte dos miolos e nos centrinhos de bairro. O prazo para a sanção termina nesta sexta-feira, 19, com previsão de publicação em uma edição extraordinária do Diário Oficial, no sábado, 20. Também voltou a declarar que não acatará os trechos que transferem a decisão final sobre tombamentos aos vereadores e que autorizam moradia de baixa renda em zona de proteção ambiental.

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O aumento da altura nos miolos é o ponto que mais tem gerado pressão sob a Prefeitura desde que foi incluído no projeto de lei pela Câmara Municipal, a dois dias da votação definitiva, em dezembro. Organizações do mercado imobiliário se reuniram com Nunes na sexta-feira passada, 12, e veicularam uma carta em que defendem a manutenção do artigo. Já associações especializadas e de bairros realizaram um ato nesta quinta, no qual defenderam o veto a esse e cerca de outros 20 pontos.

“É bem complexo. A gente tem que fazer um trabalho para errar o mínimo possível. A gente vai definir a vida das pessoas com o zoneamento, como foi com o Plano Diretor. Está nas nossas mãos o futuro de 12 milhões de pessoas. Portanto, tem que ser algo muito bem pensado”, afirmou Nunes ao ser questionado em agenda pública sobre outro tema. O Estadão tem um guia simples com as principais propostas da revisão e um mapa interativo que permite a busca por endereço.

Entorno do Parque da Aclimação tem diversas quadras de Zonas Mistas, cujas regras são alteradas no projeto de revisão do zoneamento Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O trecho muda o limite de altura nas Zonas de Centralidade e nas Zonas Mistas (quando o imóvel estiver em via com ao menos 12 m de largura), que representam grande parte da área urbana da cidade, com milhares de quadras. O gabarito máximo foi elevado de 48 m para 60 m, nos centrinhos, e de 28 m para 42 m, nos miolos, que são grande parte das quadras mais internas dos bairros.

Essa liberação envolveria condomínios em que parte dos apartamentos seja voltada à população de baixa renda ou que adote a chamada “cota de solidariedade” (nos miolos). No caso da cota, o pagamento pode ser feito de diversas formas, como por meio do depósito de 10% a 20% do valor do terreno no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), voltado prioritariamente à habitação de baixa renda e mobilidade.

O prefeito de São Paulo diz que há opiniões divergentes entre os técnicos especializados do Município a respeito do veto ou não a essa mudança. Inicialmente, horas antes da aprovação da Câmara, declarou que não iria acatar a mudança, porém posteriormente afirmou que não havia interpretado corretamente a proposta, visto que será mantido o “coeficiente de aproveitamento atual” (quantas vezes a área construída pode ser superior ao terreno).

“A gente não chegou em um denominador comum. Ontem (quarta-feira, 17), tive mais uma reunião, de 2 horas, e ainda existem dúvidas sobre aquilo que pode ser positivo e negativo. Essa é uma discussão muito clara, de prós e contras”, disse.

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“O que traz de pró? Vai diminuir a base (prédio fica mais estreito) e vai subir. Quando diminui a base, aumenta a área de permeabilidade, aumenta o corredor de ventilação. O que tem de ruim? A gente acaba fazendo uma concorrência, porque todo o nosso trabalho agora, no Plano Diretor (cuja revisão foi promulgada por Nunes em julho), foi incentivar a moradia próxima do local de transporte. E aí pode ter uma concorrência se a gente libera gabarito aqui, pode ser que a construtora prefira construir aqui do que nos eixos. E a gente quer que as pessoas construam nos eixos (quadras a cerca de 700 m de estações de metrô, trem e corredor de ônibus)”, explicou.

Nunes tem se reunido com secretários municipais e o relator da revisão, vereador Rodrigo Goulart (PSD), para tratar do tema. “Estou para definir estas duas questões: concorre mesmo com eixo? E se concorre, em que grau? É importante a gente incentivar mais área de cobertura de nível vegetal, o prédio subir e ficar mais estreito? A gente ainda está definindo, porque, entre os meus técnicos, há dúvidas, divergências, de qual é mais benéfico. Em todos os lados, tem ganhos, mas qual a gente ganha mais ou menos?”, declarou.

O prefeito se refere ao chamado “coeficiente de aproveitamento”, que é de duas vezes a área do terreno nos miolos e centrinhos. Isto é, é possível construir 200 m² computáveis em um terreno de 100 m², por exemplo. Há, contudo, diversos incentivos de áreas “não computáveis”, alguns já em vigor e outros propostos na revisão do zoneamento, como para empreendimentos sem vaga de garagem, com cogeração de energia limpa, com habitação para baixa renda e com praças abertas ao público, dentre outros. Desse modo, na prática, a mudança no gabarito pode facilitar prédios mais altos e robustos quando combinados com esses estímulos, superando o coeficiente de duas vezes a área do terreno.

Oficialmente chamada de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), é mais conhecida como Lei de Zoneamento. Ela divide a cidade em cerca de 35 zonas, a partir das características locais, cada uma com regras próprias, que envolvem aspectos como altura de prédios, atividades não residenciais permitidas, limite de barulho, incentivos para a atração do mercado imobiliário e áreas de proteção ambiental, dentre outras. A revisão da lei foi aprovada na Câmara em 21 de dezembro, com ampla maioria.

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Os vetos já anunciados pelo prefeito envolvem outros dois pontos que geraram críticas, ambos apresentados horas antes da votação. Parte desses artigos envolve tombamentos de patrimônio cultural, que passariam a ser votados como projeto de lei na Câmara quando envolvessem normas urbanísticas (como altura e recuo de uma construção) e que teriam uma revisão generalizada das áreas envoltórias (quando há regras para vizinhos não “esconderam” o bem tombado), até mesmo nas que estão em vigor há anos (como de casas perto do Museu do Ipiranga, por exemplo).

Como o Estadão noticiou, Nunes já havia sinalizado que esses pontos iriam criar uma nova “instância” de decisão sobre o tema e que quer fazer alterações na dinâmica atual para dar maior celeridade às decisões. As definições são tomadas pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), conselho majoritariamente formado por representantes da Prefeitura e quatro integrantes externos (Câmara, OAB-SP, IAB-SP - departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil - e CREA-SP).

“O que a gente tem definido é o veto com relação à mudança da Câmara na questão do Conpresp, mas já indicando, no veto, que vamos fazer uma readequação na legislação do Conpresp. Esse artigo eu vou vetar. Combinado com os vereadores. Não existe conflito: a gente explicou e eles concordaram. Alguns de uma forma tranquila. O líder do governo (na Câmara, vereador Fabio Riva, do PSDB) discorda, quer que sancione. Democracia é isso”, justificou Nunes.

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O prefeito ainda disse que vetará o trecho que libera moradia de baixa renda em Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam), mas não detalhou sobre o tema. Na terça-feira, 16, já havia respondido a jornalistas que ainda analisava alguns trechos da revisão e respondeu as críticas. “A decisão que será tomada é para o bem da cidade, não vai ser baseada em artiguinho de ‘pseudoespecialistas’, que conhecem muito pouco a cidade. Conhecem muito ali, o ambiente deles, mas conhecem pouco a dinâmica, o contexto da cidade”, afirmou

Na sede do IAB-SP, 24 entidades divulgaram uma moção pelo veto a cerca de 20 de trechos da revisão e ao novo mapa (que divide a cidade em zonas), “levando em conta aspectos conceituais, legais, inconsistências, contradições com as diretrizes do Plano Diretor Estratégico e incompatibilidade entre textos e mapas”, segundo a moção veiculada.

Entre as signatárias, estão o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, a Fundação Getúlio Vargas, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, o Movimento Defenda São Paulo e a Associação dos Proprietários e Protetores de Imóveis Tombados, dentre outras. O texto aponta que a quantidade de “problemas” seria tamanha, que o prefeito deveria avaliar a possibilidade de veto integral e a retomada de um novo processo de revisão, “a partir de uma avaliação técnica da lei em vigor, dos seus impactos e de uma leitura regionalizada do território”.

Além da questão da altura em miolos de bairro, da interferência no Conpresp e do aval a habitação de baixa renda em zona de proteção ambiental, o texto também critica a liberação de megatemplos e shoppings de grande porte na cidade.

“Se o texto aprovado entrar em vigor, perder-se-ão décadas de aperfeiçoamento da legislação urbanística, ambiental e cultural da cidade. Ele foi elaborado de forma apressada pelo legislativo, sem o devido arsenal técnico necessário para uma tarefa dessa dimensão, sem o aval da prefeitura e sem a devida transparência e debate público, resultando em um texto que não resiste a uma análise criteriosa, tanto no conteúdo como na forma”, diz a moção.

Na sexta-feira passada, 12, representante das principais organizações do setor imobiliário e construção civil se reuniram com o prefeito secretários municipais sobre o tema, como a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP) e o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP).

Uma carta foi entregue a Nunes, com o pedido de que mantenha o aumento da altura nos miolos e centros de bairro. Também foi veiculado um vídeo em defesa das mudanças na lei. “Com consciência e responsabilidade, é imprescindível que o Executivo sancione a nova Lei de Zoneamento aprovada pelo Legislativo Municipal e deixe para a sociedade um legado. Um legado que a história reconhecerá”, diz um trecho da carta, também assinada pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a Associação Brasileira dos Escritórios de Engenharia e Arquitetura (AsBEA), a Associação Pró-Centro e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP).

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Também há demandas de vetos regionais. A Associação dos Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP) criou um abaixo-assinado contrário à transformação de algumas quadras de Zonas Corredor em centrinhos de bairro, como na Avenida Dra. Ruth Cardoso. Essa alteração permite construções mais altas e maior variedade de comércios e serviços. Foram angariadas mais de 2 mil assinaturas.

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