O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) firmou, em 2020, quatro empréstimos de R$ 283 milhões para a Apsen e a EMS, fabricantes de medicamento à base de hidroxicloroquina. Embora sua ineficácia tenha sido comprovada em estudos científicos, desde o ano passado, o remédio é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro como alternativa no tratamento à covid-19, o que impulsionou as vendas do medicamento.
O remédio é tradicionalmente usado para o tratamento de doenças reumáticas e da malária. No total, cinco farmacêuticas fabricam e vendem no País remédios com hidroxicloroquina: Apsen, EMS, Germed, Cristália e a multinacional francesa Sanofi-Aventis.
O BNDES, a Apsen e a EMS informaram que a contração dos empréstimos não tem qualquer relação com a produção de medicamentos a base de hidroxicloroquina. em nota, o banco ressaltou que “todos os pleitos financeiros são sempre submetidos à exame técnico de equipe especializada, que considera a viabilidade técnica, financeira e jurídica dos projetos, com base no seu conhecimento sobre o mercado, bem como da consequente aprovação do colegiado competente, em linha com a governança interna do BNDES”.
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As operações contratadas pela Apsen foram reveladas em reportagem da Folha de S.Paulo, publicada na quinta-feira, 4.
Três dos empréstimos – um para a Apsen, de R$ 94,9 milhões, e dois para a EMS, de R$ 81,4 milhões e de R$ 47,8 milhões – foram contratados em fevereiro do ano passado, quando a covid-19 já era uma preocupação mundial, mas ainda não havia chegado ao País. Segundo o BNDES, esses três financiamentos foram pedidos e aprovados em 2019.
No caso da EMS, o empréstimo de R$ 47,8 milhões foi destinado para construção de uma nova fábrica de medicamentos oncológicos. Já o financiamento de R$ 81,4 milhões foi destinado para a ampliação das linhas de produção de medicamentos, de embalagens e para o almoxarifado do complexo industrial da empresa em Hortolândia (SP).
Conforme a EMS, o crédito não teve “relação com a produção de sulfato de hidroxicloroquina”. A empresa produz a versão genérica do medicamento. Questionada, a EMS não informou qual foi a participação do remédio na receita total de 2020.
A Apsen contratou também um empréstimo, de R$ 59 milhões, em junho do ano passado, já em meio à pandemia. Esse financiamento foi pedido em agosto de 2019 e aprovado em abril de 2020, segundo o BNDES. A empresa informou que nem mesmo a operação aprovada em junho foi destinada a investimentos relacionados à produção de medicamentos a base de hidroxicloriquina.
“A Apsen solicitou as novas captações (financiamentos) visando exclusivamente projetos de expansão da área de Pesquisa e Desenvolvimento de novos produtos e da área Industrial, com o objetivo de preparar as áreas produtivas para suportar o plano estratégico de lançamentos dos próximos anos. Reforçamos que nenhuma parte dos empréstimos cedidos à Apsen, seja pelo BNDES ou por qualquer instituição financeira, foi utilizada na produção, pesquisa ou qualquer ação relativa à hidroxicloroquina”, diz a empresa, em nota.
A Apsen fabrica há 18 anos o Reuquinol, o mais vendido dos medicamentos à base de hidroxicloroquina. Segundo a própria empresa, ela respondeu por 80% das vendas dos remédios que usam a substância no País no ano passado. Por outro lado, as vendas do Reuquinol geraram 6,6% da receita da farmacêutica em 2020, quando a empresa faturou R$ 1 bilhão, 18% acima do ano anterior. Em 2019, o Reuquinol garantiu 5% da receita da Apsen. Dessa forma, as vendas do medicamento a base de hidroxicloroquina passaram de R$ 42,4 milhões naquele ano para R$ 66 milhões em 2020.
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Embora não tenham tido a eficácia contra a covid-19 comprovada cientificamente, remédios com hidroxicloroquina venderam mais no ano passado, conforme compilação do Conselho Federal de Farmácia (CFF). As vendas de sulfato de hidroxicloroquina mais que dobraram, para 2 milhões de unidades, alta de 113% ante 2019. Ainda assim, ficaram abaixo do salto de 557% nas vendas do vermífugo ivermectina, que atingiram 53,8 milhões de unidades. Para o CFF, as vendas foram puxadas pela “crença de que esses medicamentos sejam fórmulas milagrosas que previnam ou curem a doença que praticamente parou o planeta”.
Segundo o Sindusfarma, entidade que representa a indústria farmacêutica, as vendas de medicamentos a base de hidroxicloroquina atingiram R$ 91,7 milhões de faturamento para os fabricantes em 2020, alta de 66,7% ante os R$ 55 milhões de 2019.
A Apsen e a EMS não endossam o uso dos medicamentos com contra covid-19. “Com base nas evidências científicas atuais”, a Apsen informou, ainda na nota, que “recomenda a utilização da hidroxicloroquina apenas nas indicações previstas em bula, as quais são aprovadas pela Anvisa” e que “não há aprovação de nenhum órgão regulador da saúde, e nem da OMS, para utilização no tratamento da covid-19”. A EMS frisou que o sulfato de hidroxicloroquina tem “indicação em bula para tratamento de malária, artrite reumatoide e lúpus” e que “orienta que o produto seja utilizado conforme as indicações da bula, sob prescrição médica”.
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Há um ano, em março de 2020, quando Bolsonaro exibiu uma caixa de Reuquinol num encontro virtual com líderes do G-20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, o dono da Apsen, Renato Spallicci, divulgou nas redes sociais as imagens do presidente exibindo seu remédio. Embora o empresário já tenha compartilhado na internet assuntos positivos a Bolsonaro, a Apsen informou que Spallicci não tem relações pessoais com o presidente da República.
Em julho, após ser diagnosticado com covid-19, Bolsonaro voltou a exibir uma caixa de sulfato de hidroxicloroquina, naquela vez da versão genérica fabricada pela EMS, durante a live presidencial semanal. Carlos Sanchez, controlador do laboratório, participou de duas reuniões com Bolsonaro no início da pandemia, em março e maio do ano passado. Em reportagem do Estadão de julho, a EMS informou que a empresa “já passou por muitos governos e busca sempre estabelecer diálogo com todos eles” e eu os encontros de Snachez com Bolsonaro foram promovidos pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), para discutir “questões econômicas e o novo cenário brasileiro diante da pandemia de coronavírus”.