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Câncer: tratamentos serão cada vez menos agressivos; saiba como

Pesquisas apresentadas no maior congresso de câncer do mundo, nos EUA, mostram que é possível, em alguns tipos de tumores, ter cirurgias menos radicais e até tirar químio ou radioterapia do protocolo terapêutico sem impactar taxas de cura

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

CHICAGO* - Embora os esforços da comunidade científica na área de oncologia tenham se concentrado nos últimos anos na descoberta e desenvolvimento de novos tratamentos contra o câncer, como imunoterapia e terapia celular, tem ganhado força entre os médicos e cientistas o estudo de protocolos terapêuticos que reduzam as intervenções ou a agressividade das terapias sem diminuir a eficácia do tratamento. Na prática, isso significa cirurgias menos invasivas ou tratamentos que reduzem ou até excluem a químio ou a radioterapia, por exemplo.

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A tendência, chamada de descalonamento, foi tema de várias pesquisas apresentadas entre sexta-feira, 2, e domingo, 4, na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, na sigla em inglês), maior congresso sobre câncer do mundo, realizado em Chicago. O Estadão acompanhou a divulgação dos resultados de alguns desses estudos e encontrou trabalhos de destaque com opções eficazes de descalonamento para tumores de intestino (reto), pâncreas, mama e colo do útero.

Os estudos mostraram que a redução ou simplificação das intervenções não prejudicou as taxas de sobrevida dos pacientes, o que indica que os doentes podem ter tratamentos com menos efeitos colaterais e sequelas sem que a eficácia seja impactada.

Tratamento de tumor de reto sem radiação

Uma das pesquisas mais celebradas, apresentada na sessão plenária do congresso, a mais nobre do evento, demonstrou ser possível livrar pacientes com câncer de reto da radioterapia e de seus indesejados efeitos colaterais. Hoje, o tratamento padrão do tumor retal localmente avançado é feito com radioterapia seguida de cirurgia e quimioterapia.

“O problema é que, como outros órgãos da pelve ficam muito próximos da região colorretal, a radiação acaba provocando danos a órgãos como bexiga e ovários, causando prejuízos como incontinência urinária e fecal, infertilidade e problemas na vida sexual”, afirmou Tulio Pfiffer, oncologista do Hospital Sírio-Libanês que acompanhou a apresentação do estudo em Chicago.

Na pesquisa, liderada por cientistas do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, hospital referência no tratamento de câncer nos Estados Unidos, parte dos 1.194 pacientes que participaram do ensaio clínico receberam o tratamento padrão e o outro grupo recebeu quimioterapia em vez de radioterapia como primeira intervenção. Os pacientes que tiveram pelo menos 20% de redução do tumor com a primeira químio foram encaminhados para a cirurgia e nova rodada de quimioterapia sem passar por sessões de radioterapia.

Cerca de 40 mil profissionais participam do encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, na sigla em inglês) em Chicago Foto: Matt Herp/ASCO

De acordo com os pesquisadores, 91% dos pacientes alcançaram essa resposta superior aos 20% e seguiram o protocolo sem radiação. Após um seguimento de quase cinco anos dos participantes do estudo, os pesquisadores observaram que não houve diferença na sobrevida livre de doença entre os dois grupos, o que indica que é seguro retirar a radiação do protocolo terapêutico sem prejuízos nas taxas de cura.

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“Com esses resultados, acreditamos ser possível descalonar o tratamento do câncer retal atingindo as mesmas altas chances de cura, mas com menos toxicidade e efeitos colaterais”, disse Deborah Schrag, oncologista do Memorial Sloan Kettering e líder do estudo.

Para Pamela Kunz, especialista da ASCO, o estudo mostra que, em alguns casos, “menos é mais” no tratamento do câncer. “Podemos evitar, sem comprometer a eficácia, que pacientes recebam radiação. Isso leva a uma melhor qualidade de vida e reduz efeitos colaterais como menopausa precoce e infertilidade”, declarou.

Outro trabalho também para câncer retal localmente avançado apresentou bons resultados para um protocolo terapêutico que mantém a radioterapia e químio, mas elimina a necessidade de cirurgia. “Essa opção pode ser interessante para os casos em que o tumor de reto é localizado nos últimos cinco centímetros do órgão, nos quais a cirurgia pode exigir a retirada do esfíncter anal, o que levaria a uma colostomia definitiva, que é algo que ninguém quer”, diz Pfiffer.

Tratamento de câncer de mama sem quimioterapia

Outro estudo, este feito por pesquisadores da Espanha, mostrou que é possível, em alguns casos de câncer de mama em estágio inicial, combater a doença sem o uso de quimioterapia.

Na pesquisa, realizada com 395 pacientes com câncer de mama do tipo HER2 positivo, parte das participantes recebeu o tratamento padrão com quimioterapia e os anticorpos monoclonais trastuzumabe e pertuzumabe e parte recebeu somente os dois últimos medicamentos.

Ao final de um seguimento de três anos, as pacientes dos dois grupos não tiveram diferença significativa na taxa de sobrevida, o que indica ser possível suprimir a quimioterapia em alguns tipos de câncer de mama também sem impacto nas chances de cura.

Cirurgias menos agressivas para tumores de colo de útero e pâncreas

No campo da cirurgia oncológica, um estudo realizado por pesquisadores canadenses concluiu que a histerectomia (cirurgia para a retirada do útero) radical pode ser substituída pela histerectomia simples nos casos de tumores de colo de útero em estágios iniciais.

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No primeiro tipo de procedimento, mais invasivo e até então tido como padrão para essas pacientes, o cirurgião retira, além do útero e colo do útero da paciente, as trompas, ovários, parte da vagina, linfonodos e outros tecidos e estruturas próximas. Na operação simples, somente o útero e colo são removidos.

O estudo avaliou 700 pacientes com tumores em estágio inicial e de baixo risco. Um grupo foi submetido à histerectomia radical e o outro, à cirurgia mais simples. Após um seguimento médio de quatro anos e meio, os cientistas verificaram que a taxa de recidiva foi similar nos dois grupos (cerca de 2%), mas o índice de complicações urológicas operatórias e problemas de bexiga de curto e médio prazo foram menores no grupo que passou pela histerectomia simples.

Além disso, as pacientes submetidas à operação simples tiveram menos queixas de dor, problemas na vida sexual e questões com a imagem corporal. Para Kathleen N. Moore, especialista da ASCO, o estudo deverá mudar a prática clínica, com a adoção do procedimento menos agressivo para pacientes com estágio inicial da doença.

“(Para essas pacientes) A histerectomia radical tem sido o padrão de tratamento há décadas e as discussões sobre o descalonamento dessa intervenção há muito tempo vinham sendo enfraquecidas pelo risco de impactar negativamente a chance de cura. O estudo confirma que, em pacientes cuidadosamente selecionados, a cirurgia pode ser reduzida com segurança para uma histerectomia simples sem afetar os resultados, e inaugura uma abordagem cirúrgica nova e mais individualizada’, afirmou.

Ainda na área cirúrgica, outro estudo apresentado no encontro da ASCO, conduzido por pesquisadores europeus, demonstrou que a cirurgia minimamente invasiva (laparoscópica ou robótica) para casos iniciais de câncer de pâncreas é tão efetiva quanto a operação tradicional (aberta). O procedimento menos agressivo também reduz o risco de complicações.

A pesquisa de fase 3 avaliou as duas técnicas em um grupo de 258 pacientes de 12 países. Cerca de metade passou pela cirurgia tradicional e o restante, pelo procedimento minimamente invasivo. O percentual de pacientes que puderam ter o tumor completamente removido na cirurgia foi praticamente idêntico nos dois grupos. O índice de recorrência também foi similar.

Sem diferenças no desfecho clínico, os pesquisadores concluíram que a cirurgia mais invasiva pode ser evitada. Consequentemente, o risco de complicações como infecções seria menor e a recuperação seria mais rápida.

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Diante dos numerosos estudos buscando reduzir intervenções no tratamento do câncer com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, a vice-presidente executiva da ASCO, Julie Gralow, reforçou a necessidade de estudar ainda mais o descalonamento.

“É um tema muito importante. Nós precisamos, sim, de novas terapias, mas também temos cânceres com altas taxas de cura, mas com muita toxicidade. É hora de olharmos para abordagens menos tóxicas”, afirmou a especialista.

Para Pfiffer, do Sírio-Libanês, a tendência observada na reunião da ASCO deve ganhar força. “O primeiro objetivo dos tratamentos e do oncologista é curar. Com o passar do tempo, a gente vai aprender a descalonar o tratamento, preservando a taxa de cura dos pacientes, mas com menos sequelas a médio e longo prazo”, diz.

* A repórter viajou a convite da Bayer

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