Qual é a função do ovário? De hormônios à fertilidade, entenda como ele afeta o corpo da mulher

Muito mais do que o órgão da fertilização, o ovário está intimamente ligado à saúde feminina

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Por Ana Lourenço
Atualização:

“Penso muito sobre o quanto a mulher passa a ser mais invisível após o fim da fertilidade. É claro que existe uma função fisiológica que é essencial, mas a gente também precisa começar a refletir como um órgão do nosso corpo faz com que a gente seja definida como ser humano”, diz a escritora Clarissa Wolff, de 32 anos. Há oito anos ela foi diagnosticada com câncer de ovário e teve de retirar o órgão e o útero no tratamento.

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A verdade é que não paramos muito para pensar na saúde dos nossos órgãos - a não ser quando eles têm algum tipo de problema. Mas, para as mulheres, dar uma atenção especial para o ovário pode ser uma decisão inteligente. Especialmente porque ele cuida de duas funções importantíssimas para o corpo: fertilidade e produção hormonal. “A ideia de que o ciclo menstrual é um ciclo que existe para que a mulher possa procriar é uma visão reducionista, extremamente machista e patriarcal”, afirma a ginecologista Samyra Coutrim.

A menstruação só ocorre caso não haja uma fecundação do óvulo. Mas justamente a ovulação é uma das funções mais importantes do ciclo. “A partir da ovulação as mulheres produzem os seus hormônios sexuais, os quais têm atividade em várias estruturas do corpo, porque temos receptores para esses hormônios no cérebro, nos ossos, nos músculos, na tireoide, nas mamas. O que é um atestado de que eles são necessários para desenvolvimento e funcionamento pleno de todo o organismo feminino e não só do sistema reprodutor”, completa a médica.

Clarissa conta que nunca teve a maternidade como um objetivo de vida. “Tenho endometriose diagnosticada desde que comecei a menstruar, aos 13 anos. Quando uns exames mostraram a possibilidade de cisto hemorrágico no ovário, fiz uma videolaparoscopia e descobri o câncer”, conta ela. Na época foi oferecida a chance de congelar os óvulos para posteriormente tentar uma gravidez, porém ela recusou. Assim, com a retirada dos ovários, ela entrou em uma menopausa precoce que mudou sua libido, sua pele e até seu peso corporal. “É muito doido como uma coisa simples como o ovário regula tanto da nossa vida.”

A produção contínua de hormônios afeta duas principais estruturas do corpo: o cérebro (mais especificamente a hipófise) e os ovários. Enquanto os hormônios FSH (o hormônio folículo estimulante) e o LH (o hormônio luteinizante) estão relacionados à fertilidade, o estradiol (ou estrogênio), a progesterona e a testosterona estão ligadas a outras áreas da saúde da mulher, como o humor, o comportamento e as mudanças físicas do corpo.

“O ovário dá o tom para a nossa saúde graças à produção de hormônios, principalmente o estradiol. Por exemplo, existe um risco muito mais baixo de doenças cardiovasculares, enfarte e AVC na mulher antes da menopausa porque esses hormônios fazem uma proteção. Já a progesterona é muito importante para a vida reprodutiva e para a regularização desse ciclo menstrual. A testosterona tem uma ação do ponto de vista cognitivo, na massa muscular e de libido - não só relacionado ao desejo sexual, mas no prazer pela vida”, explica a endocrinologista Ana Priscila Soggia.

Influência na vida da mulher desde a primeira menstruação

Até a mulher chegar na menarca - ou seja, ter a sua primeira menstruação -, o ovário não tem uma presença muito marcada na vida dela. Afinal, é justamente a produção hormonal que chegará com a menstruação que faz as mulheres terem um fechamento da cartilagem de crescimento e pararem de crescer. Mas depois da menstruação, sua influência é constante.

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“Vivemos em uma cultura de não escutar o nosso corpo. Desde a adolescência, tratamos a questão menstrual como algo ruim, que tem que ser higienizado, que vem com cólica, com TPM, mas não trazemos a beleza do corpo da mulher”, reflete Ana Priscila. Se a produção de hormônios afeta todo o corpo, o ciclo menstrual é um avaliador de saúde para a mulher. O estresse, a deficiência de nutrientes, a privação de sono pode ter efeitos significativos no ciclo menstrual, mas se tratamos o fenômeno com distância e inibidores (como as pílulas anticoncepcionais), podemos perder esse acesso.

“Os gametas e os neurônios são as células mais sensíveis do nosso organismo. Isso significa que tudo que existe de estresse oxidativo, que é uma espécie de interferência metabólica, as mais afetadas serão justamente as células mais sensíveis”, diz Samyra.

Ou seja, se a pessoa tem um estilo de vida com hábitos estressores, alimentação inflamatória, com uso de drogas e gestão frequente de bebidas alcoólicas, isso tudo vai afetar as células como um todo, mas principalmente as mais sensíveis. Assim, a melhora da qualidade de vida está intimamente ligada com a salubridade das células.

A escritora Clarissa Wolff, diagnosticada com câncer de ovário, não quis congelar os óvulos  Foto: Guilherme Flores Fernandes

A importância da alimentação

“A alimentação impacta de forma direta na saúde da mulher, pois tem o poder de mexer nos níveis hormonais. Se priorizarmos os alimentos naturais, como frutas, legumes e verduras, e evitarmos os alimentos industrializados e processados, pois são alimentos que podem interferir de forma negativa nos hormônios, estamos falando em uma dieta funcional para a saúde hormonal”, explica a nutricionista Carol Faria.

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Alimentos industrializados, com muita gordura, são considerados inflamatórios, enquanto uma alimentação natural, pode ter o poder anti-inflamatório e antioxidante, agindo de forma positiva no ciclo menstrual e podendo até diminuir cólicas e cistos. “Embora ninguém saiba exatamente porque as mulheres têm ovários policísticos, existe a questão inflamatória como base. Assim, atividade física regular, controle de peso (especialmente da gordura visceral) e uma alimentação anti-inflamatória com alimentos ricos em vitamina E, enzima, pode sim influenciar”, afirma a endocrinologista.

Tanto a síndrome do ovário policístico quanto a endometriose têm uma relação com o hormônio estrogênio, um hormônio inflamatório que tende a ter níveis mais elevados em mulheres com hábitos não saudáveis, diz Samyra. “Essas mesmas pessoas tendem a ter o funcionamento intestinal um pouco pior. Isso faz com que elas produzam menos serotonina, que é um hormônio do bem-estar e analgésico natural. Assim, elas tendem a sentir mais dor e se sentir mais inflamadas”, explica.

Claro que nem tudo que funciona para uma pessoa, necessariamente funcionará para outra. Cada uma tem um processo. De modo geral, é bom prezar por folhas verde-escuras, alimentos vermelhos (como morango, beterraba, tomate), frutas cítricas, temperos naturais e azeite. Além de evitar o excesso de açúcar, sal, gordura e controlar o consumo dos carboidratos, dando preferência aos carboidratos complexos, como batata-doce, grão-de-bico e cenoura.

É importante lembrar que doenças como ovário policístico, endometriose e até questões de fertilidade devem ser tratadas por um médico específico, mas há alguns cuidados que a mulher pode ter. Como o cuidado com a alimentação, a diminuição da gordura inflamatória e a melhora de hábitos.

“Estamos falando de envelhecer com qualidade no contexto orgânico, não estético. E quando eu tenho sono de qualidade, me exercito regularmente, não faço restrição de nutrientes, mantenho bons níveis de colesterol no sangue e não me submeto a grande estresses, tudo isso vai diminuir a minha produção de radicais livres, garantindo uma melhora para o meu corpo e, consequentemente, para minhas células”, explica Samyra.

Reserva fértil e reprodução assistida

Foi justamente com algumas mudanças de hábito e olhar mais íntimo para si mesma que a escritora e especialista em biologia molecular e bioquímica Rebecca Fett conseguiu preparar seu corpo para a gravidez depois da fertilização in vitro.

“Comecei a colocar em prática tudo o que aprendi. Melhorei minha alimentação, cortando carboidratos refinados (para baixar a insulina, que comprovadamente afeta a qualidade dos óvulos), tomando alguns suplementos diários e adotando medidas para limitar minha exposição a toxinas rotineiras, como trocar plásticos por vidro e comprar produtos de limpeza sem perfume”, explica Rebeca em seu livro Tudo Começa com o Óvulo, da editora Sextante.

Tarine Gulusian, com Bernardo, 14, Bella, 6 e Bless, de 1 ano e 9 meses; a bebê veio por fertilização  Foto: Daniel Teixeira / Estadão

Além da alimentação, Rebecca passou a priorizar atividades que lhe traziam alegria. “Vale a pena encontrar estratégias para ajudar a gerenciar o estresse e a ansiedade durante a infertilidade, mesmo que apenas para seus próprios benefícios de saúde mental”, conta.

Apesar de já ter sido mãe de dois filhos, a influenciadora Tarine Gulusian, de 36 anos, sempre sonhou com uma maternidade tranquila. “As minhas duas primeiras gestações tiveram histórias um pouco conturbadas”, diz . “Sempre fiquei com uma falta de ter curtido esse período da gravidez. Então comecei a estudar sobre fertilização in vitro.”

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Apesar de estar decidida com o seu sonho, Tarine teve de mudar diversas coisas em sua vida, incluindo alimentação e estilo de vida, além do controle emocional. “Eu não desejo o processo para ninguém. Precisei tomar muito hormônio, o que piorou a questão emocional e me deixou muito inchada. Engordei 30 kg até o dia do parto”, diz.

Além disso, Tarine passou por tudo isso durante a pandemia, longe de amigos e familiares para ter um suporte emocional, especialmente depois que as primeiras tentativas não funcionaram. “Você se sente a pior pessoa do mundo, um lixo. Foi horrível essa pressão que eu acabei me colocando porque eu expus na minha (nas redes sociais)”, lembra.

Foi preciso um pouco de insistência e até consultas com psiquiatras, mas na terceira tentativa ela descobriu que estava grávida de Bless, hoje com um ano de idade. “A minha geração cresceu com o pensamento de que sucesso é crescer, casar, ter marido. Mas eu estou muito orgulhosa da minha trajetória realizada pelos meus filhos”, conta.

Diferentemente dos homens, as mulheres já nascem com uma reserva fértil. Ela, aliás, é uma das primeiras formações feitas durante a evolução intrauterina da mulher. “A gente já começa a perder nossa reserva ovariana antes mesmo de nascer. Nosso pico de quantidade de óvulos é quando temos por volta de cinco meses na barriga da mãe. Quando nascemos, já reduzimos em mais de 4 milhões de óvulos. E seguimos, depois, com a perda mensal de óvulos. Todas elas são irreversíveis”, explica a médica Camylla Silva, especialista em fertilidade e reprodução humana.

Congelamento de óvulos: o que é e quanto custa

Assim, o congelamento de óvulos deu às mulheres algo a própria natureza não pode garantir: tempo. De acordo com os dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), nos últimos três anos foram realizados no Brasil uma média anual de 10.680 ciclos de coleta de óvulos - lembrando que uma mulher pode fazer mais de um ciclo. Todo o processo consiste em bateria de exames, injeção de hormônios e retirada dos óvulos. Idealmente, ele é feito até os 35 anos de idade e, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, ela pode engravidar até os 50 anos.

“Recomendamos que a mulher que deseja gestar no futuro faça o exame antimulleriano aos 30 anos. Assim, podemos ver a reserva fértil e quantificar o número de folículos disponíveis”, indica a endocrinologista. “Alinhar as expectativas, explicando o processo passo a passo e tirando todas as dúvidas ajuda a mulher a lidar com o estresse e a ansiedade. Em muitos casos, recomendamos fazer um processo terapêutico aliado”, diz Camylla.

Após a retirada, os óvulos ficam armazenados em tanques com nitrogênio líquido em uma temperatura de 196 graus negativos e podem ficar ali até dez anos. Em média, o custo de cada ciclo de estimulação ovariana para congelamento vai de R$ 15 mil a R$ 25 mil. Além disso, a paciente precisa pagar uma taxa anual para manter os óvulos congelados, que fica em torno de R$ 1 mil por ano. Importante lembrar ainda que, posteriormente, quando a mulher decidir usar os óvulos para tentar engravidar, ela terá de fazer uma fertilização in vitro (FIV), adicionando um custo de mais R$ 10 mil a R$ 15 mil no processo.

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Mitos e verdades sobre os óvulos

As mulheres já nascem com todos os óvulos?

Sim, mas essa não é a história toda. Durante boa parte da nossa vida, os óvulos ficam em um estado de dormência, como células imaturas, mas no período de três a quatro meses antes da ovulação precisam passar por uma transformação intensa. E é justamente nessa época que podemos mudar a qualidade dos óvulos para ter uma fertilização mais segura.

Congelar os óvulos garante que a mulher poderá ter filhos?

Não. O congelamento de óvulos não é garantia de uma gestação. Mesmo que a mulher congele seu óvulo aos 30 anos de idade, não significa que aos 40, quando ela quiser utilizá-lo, vai dar certo. Pode ser que depois de algumas tentativas dê, mas pode ser que nenhuma consiga realizar esse sonho. O congelamento é apenas uma possibilidade.

Ao congelar os óvulos a mulher está diminuindo sua reserva?

Não. “O organismo faz um recrutamento folicular, dentre os vários folículos (folículo primordial, folículo pré-antral, folículo antral, folículo dominante e folículo ovulatório). Que nada mais são do que variados tamanhos e fases de maturação do óvulo no mesmo ovário. Os que são visíveis no ultrassom são os folículos antrais, que estimulamos e coletamos”, explica a especialista em fertilidade Camylla Silva. Assim, todo mês o organismo pega o folículo primordial e transforma em folículos maiores, independente da retirada ou não. O ciclo só irá acabar quando a mulher entrar na menopausa.

Tomar suplementos que tenham hormônios podem afetar a ovulação?

Sim, mas é bom lembrar que nem todo suplemento alimentar contém hormônio. Aqueles manipulados que tenham hormônios ou anabolizantes podem sim ter um impacto no ciclo menstrual. Além disso, é possível que também tenham efeitos colaterais do ponto de vista de colesterol, cardiovascular, às vezes até de infertilidade no sexo masculino, conforme explica a endocrinologista Ana Priscila Soggia. Antes de mais nada, converse com o seu médico para ter certeza que não haverá excessos ou consequências.

A menstruação programada com a pílula é a mesma que a natural?

Não. O sangramento que se dá ao final da cartela não é um sangramento menstrual, mas sim um que acontece graças à privação do hormônio sintético que você estava tomando diariamente. “Quando usamos métodos contraceptivos hormonais, seja com o objetivo de prevenir gravidez, seja pra tratar doenças ou sintomas dos períodos - como cólicas, TPM, fluxo intenso -, desligamos nossa ovulação, desligando também a nossa produção de hormônios, o que induz a um tipo de menopausa química”, explica a ginecologista Samyra Coutrim.

Usar pílula anticoncepcional faz com que eu guarde meus óvulos?

Não. Apesar do método contraceptivo inibir a ovulação, isso não afeta a sua reserva ovariana. Afinal, apesar de não estar ovulando, a mulher está em processo de degeneração dos folículos, que vão envelhecendo ali no ovário e, consequentemente, morrendo. Independente do uso de anticoncepcionais ou não, estima-se que a mulher perca, em média, mil óvulos por mês.

Como saber se eu tenho algum problema nos ovários?

  • Dor

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Dor pélvica, durante ou fora da relação sexual devem ser investigadas. Muitas vezes podem ter relação com endometriose, síndrome do ovário policístico e inflamação no ovário

  • Atenção

As alterações ovarianas são silenciosas e podem não trazer sintomas. Por isso é importante dar o seguimento de rotina regular com um bom ginecologista

  • Irregularidade menstrual

É comum que a duração do ciclo menstrual tenha uma pequena variação de mês para mês. Mas caso o ciclo seja muito mais curto ou longo que o normal, ou ainda tenha a ausência de menstruação, é importante verificar a causa

  • Infertilidade

“Caso esteja tentando engravidar sem sucesso, os ovários devem ser avaliados juntos a outros fatores do casal”, indica a especialista em fertilização Camylla Silva

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  • Pele

Aumento da pilificação (aumento de pelos), acne e queda de cabelo podem ser sintomas presentes na síndrome dos ovários policísticos e outras patologias ovarianas

  • Corpo

Aumento do volume abdominal, perda de peso, febre inexplicada: sempre importante avaliar se não há uma possível neoplasia (tumor). Principalmente pacientes idosas devem ficar atentas.

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