Dengue: Procura pela vacina está baixa, e Estados pedem que Saúde amplie faixa etária elegível

Porcentual de doses aplicadas varia amplamente pelo País, mas não ultrapassa a casa dos 30%; crianças de 10 a 14 anos fazem parte de um dos grupos que mais são hospitalizados por causa da dengue

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Por Leon Ferrari
Atualização:

Quase um mês após o início da vacinação contra a dengue no Brasil, Estados consideram a procura pela vacina baixa. De olho nisso, eles pedem que o Ministério da Saúde considere ampliar a faixa etária vacinada no momento, que é de 10 a 11 anos. Alguns já estão vacinando todas as crianças de 10 a 14 anos, o grupo definido para receber o imunizante em 2024.

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O porcentual de doses aplicadas varia amplamente pelo País, mas não ultrapassa a casa dos 30%, segundo levantamento do Estadão. Segundo o Ministério da Saúde, até a segunda-feira, 4 de março, foram aplicadas apenas 190.268 das 1.235.236 doses enviadas, o que corresponde a 15,4% do total. É válido ressaltar que nem todas as unidades federativas começaram a vacinar ao mesmo tempo. Algumas deram início à imunização no final da última semana.

O Brasil foi o primeiro país no mundo a incluir a vacina da dengue no sistema público (SUS). No entanto, o número de doses é limitado, com uma previsão de 6,5 milhões para este ano. Com isso, a pasta, junto ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais (Conasems), precisou escolher um grupo pequeno de indivíduos elegíveis.

A partir de uma série de critérios que indicam a urgência de proteger a população contra a doença, ficou definido que, neste ano, as vacinas disponíveis contemplarão crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de um número também reduzido de cidades. Nesse primeiro momento, são 521 municípios, de 16 Estados e o Distrito Federal.

Secretário de Saúde do Rio, Daniel Soranz, aplica dose da vacina da dengue em criança  Foto: Ricardo Moraes/Reuters

As doses chegam em remessas, em diferentes momentos do ano. A recomendação da pasta é que as primeiras remessas, que começaram a ser distribuídas em 8 de fevereiro, sejam destinadas a vacinar crianças de 10 a 11 anos. Conforme mais lotes são liberados, a pasta pretende ampliar e vacinar os demais adolescentes de 12 a 14.

Para ter ideia, no Distrito Federal, primeira unidade federativa a iniciar a vacinação – e que apresenta a pior incidência da dengue no País –, a cobertura vacinal é “baixa”, segundo a secretaria de saúde. Cerca de 32% das crianças de 10 a 11 anos, o público indicado pelo ministério, recebeu a primeira dose.

O DF diz conversar com o ministério para rever a estratégia de vacinação e “avançar na faixa”. Frente à baixa procura e com receio de que os imunizantes vençam, alguns municípios e Estados decidiram vacinar todas as crianças de 10 a 14 anos. É o caso da Paraíba, do Rio Grande do Norte, de Goiás e do Acre. Eles tem autonomia para fazer isso, diz o Ministério da Saúde, embora indique vacinar de 10 a 11, por ora.

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O Estadão entrou em contato com o Ministério da Saúde que disse monitorar o avanço da campanha com Estados e municípios. A pasta reforçou que a escolha pelo início da imunização nas crianças de 10 a 11 anos é baseada no maior índice de hospitalização por dengue dentro da faixa etária de 10 a 14 anos. O ministério não apresentou uma estimativa de quando o público será ampliado.

Baixa procura surpreende

Os especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que já é possível falar que a procura pela vacinação na rede pública está baixa. Eles destacam a segurança do imunizante oferecido, a Qdenga, da farmacêutica Takeda, e alertam que a faixa dos 10 a 14 anos é uma das que mais precisam de hospitalização por causa da dengue – motivo pelo qual, inclusive, foi a escolhida pelo Ministério da Saúde para receber a vacina neste ano.

Eles confessam também que a baixa procura surpreende, tanto porque o cenário da doença no País é alarmante, com 1,2 milhão de casos prováveis e 278 mortes em pouco mais de dois meses, quanto pelo fato de que nos consultórios os pacientes se mostram muito preocupados em vacinar. Sem falar que as doses da rede privada chegaram a esgotar.

No momento, a Takeda, fornecedora da Qenga, não oferece mais vacinas às empresas, já que o foco é suprir o Ministério da Saúde.

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O infectologista Renato Kfouri, presidente do departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), faz algumas ressalvas: “A gente esperava uma procura maior. Mas, em todo começo (de campanha) espera-se uma menor adesão, ainda mais quando é um público tão restrito, de 10 a 11 anos.”

“Vacinar adolescente já não é simples, numa faixa etária mais estreita, fica mais difícil ainda. E com a chegada de doses aos poucos, ou seja, uma hora chega num município, depois no outro, a comunicação não é fácil”, completa.

Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), avalia que é necessário rever a estratégia de comunicação sobre a campanha de vacinação e a gravidade do cenário atual.

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Segundo ela, alguns estudos, incluindo levantamentos da própria SBIm, mostram que “o motivo mais comum de uma pessoa não ter se vacinado é a falta de informação”. “Respostas do tipo: ‘Eu não sabia que precisava’.”

“Precisamos entender qual é o verdadeiro cenário. O povo está preocupado com a dengue? Ou não? Quando eles estão preocupados, correm para tomar vacina”, diz ela.

Ambos defendem a necessidade de vacinação nas escolas, algo que está nos planos do ministério. Segundo Kfouri, os países com melhor taxa de vacinação em adolescentes são os realizam aplicações nas instituições de ensino.

“Precisa levar a vacina onde o adolescente está. Numa escola, você vai lá e vacina 100, 200, 500 em um dia. Se você ficar aguardando 500 (adolescentes) aparecerem no posto, vai esperar um mês, e olhe lá”, diz.

Sobre o fato de os Estados estarem vacinando faixas diferentes, Kfouri avalia que a medida pode ser necessária. “Não podemos deixar as vacinas vencerem e irem para o lixo.”

Isabella, porém, alerta que esse cenário em que o Ministério, Estados e municípios tomam decisões diversas, semelhante ao que ocorreu na pandemia da covid-19, pode confundir a população. Há o risco ainda, pondera, de falta de imunizantes para a segunda dose no intervalo adequado, afinal, o Ministério está sujeito ao cronograma de entrega da Takeda.

Raio-x da aplicação pelo Brasil

Além do Distrito Federal, o Estadão entrou em contato na segunda, 4, com os outros 16 Estados que receberam vacinas contra a dengue. Apenas o Mato Grosso do Sul não respondeu.

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Sudeste

Em São Paulo, a cobertura vacinal nos 11 municípios do Alto Tietê apresenta uma cobertura vacinal de 17,3%. Foram aplicadas 13.743 doses das mais de 79,4 mil recebidas.

Minas Gerais recebeu mais de 78,7 mil doses em 22 de fevereiro. Até a segunda-feira, 4, 1.472 doses foram aplicadas. Isso significa que apenas 1,86% do total de vacinas recebidas foram administradas. Segundo a secretaria de saúde mineira, o número estimado de crianças de 10 e 11 anos de idade nos 22 municípios selecionados para receber a vacina é de 78.784 pessoas. Só crianças de 10 a 11 recebem a vacina por lá.

A cobertura vacinal das crianças de 10 a 11 anos do Espírito Santo é de 16,16%. No entanto, varia amplamente entre as cidades com imunizante disponível. Em Itaguaçu é de 64,44%, enquanto em Marechal Floriano é de 4,50%, por exemplo.

O Estado recebeu 58.530 doses da vacina. A estimativa é de que a população de 10 a 11 anos seja de 58.525 crianças.

A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro recebeu 231.928 doses de vacinas contra a dengue do Ministério da Saúde. O público-alvo inicial é de crianças e adolescentes de 10 a 11 anos. A pasta não apresentou dados da aplicação, e destacou que isso é responsabilidade dos municípios.

Norte

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No Acre, no Norte do País, onde há também um surto de febre oropouche que preocupa autoridades, as doses chegaram no dia 13 de fevereiro, e a vacinação começou no dia 16. A procura pela vacina está “baixa”, de acordo com a secretaria de saúde.

Das 17.810 doses recebidas, 1.280 foram aplicadas (7,1%). Segundo a pasta, apenas 2,35% da meta de vacinação foi atingida. O Estado resolveu, no dia 19, avançar a faixa etária e contemplar todas as crianças de 10 a 14 anos.

No Estado vizinho, o Amazonas, 8.239 doses das 78.760 recebidas em 10 de fevereiro foram aplicadas. Segundo a secretaria de saúde, isso representa 10,4% do total do público-alvo da vacina. Por lá, são vacinadas apenas crianças de 10 a 11 anos.

Roraima recebeu 20.670 doses da vacina no dia 22 de fevereiro, e começou a distribuí-las no dia 27. A pasta da saúde frisou que ainda não consegue avaliar a procura ou a adesão às vacinas. No entanto, já orientaram os municípios a vacinar todo o grupo de 10 a 14.

“Diante do número de doses recebidas com curto prazo de validade e a possível não adesão da população à campanha, recomendamos aos municípios que a vacinação fosse realizada em todo o público-alvo, ou seja, em todas as crianças e adolescente entre 10 e 14 anos, e que as ações de vacinação se concentrassem preferencialmente nas escolas”, informou, em nota.

Em Tocantins, a vacinação começou no dia 27 de fevereiro. De lá para cá, foram aplicadas 960 doses das 11.540 recebidas. A procura, segundo a pasta da saúde estadual, é “progressiva”.

Nordeste

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O governo da Paraíba informou que, desde o início da vacinação, em 19 de fevereiro, o público foi de 10 a 14 anos. Foram aplicadas 11.303 doses de todas as 37.040 recebidas, o que proporciona 12% de cobertura vacinal.

No Rio Grande do Norte, alguns municípios – como a capital, Natal – ampliaram a vacinação para todos de 10 até 14 anos. Foram aplicadas, até a manhã da segunda, 4, pouco mais de 10 mil doses. A população potiguar entre 10 e 14 anos é de 132.106 pessoas.

Na Bahia, foram aplicadas 35.383 doses (20,74%) das 170.540 recebidas. Apenas crianças de 10 a 11 anos são vacinadas. “Considerando que as regiões de Salvador, Feira de Santana e Camaçari receberam as remessas de imunizantes e iniciaram a estratégia de vacinação logo após o carnaval, a velocidade de vacinação ainda é baixa”, informou.

O Maranhão vacinou 8.268 crianças de 10 e 11 anos até o momento. O Estado recebeu 40.610 doses da vacina em 12 de fevereiro.

A cobertura vacinal varia amplamente entre os municípios que receberam doses. Em São Luís, ela é de 34,05%; em São José de Ribamar, 34,64%; em Paço do Lumiar, 34,80%; em Raposa, 22,78%; e em Alcântara, 49,84%.

Sul

Santa Catarina considera que a procura pelas vacinas “está baixa”. A vacinação começou no dia 24 de fevereiro em Joinville, e nas demais cidades catarinenses entre os dias 26 a 27. O Estado tem uma cobertura vacinal de 17,5% das crianças de 10 a 11 anos. Cerca de 11,8% de todas as vacinas recebidas foram aplicadas.

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O Paraná recebeu 35.025 doses do imunizante. As crianças de 10 e 11 anos são o grupo elegível. A pasta ainda não tem os dados de aplicação e faz levantamento.

Centro-Oeste

Em Goiás, 13% das 158.505 doses recebidas foram aplicadas. O Estado decidiu na última quinta, 29, ampliar a vacinação para o público de 10 a 14 anos.

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