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MP acusa Tarcísio e secretário da saúde de omissão em fila de pacientes com câncer e cobra medidas

De acordo com Promotoria de Saúde Pública, 3,8 mil pacientes aguardam tratamento oncológico no SUS da cidade de São Paulo, número 24% maior do que o registrado em maio; espera chega a 200 dias

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Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

O Ministério Público Estadual de São Paulo (MP-SP) acusa a gestão do governador Tarcísio de Freitas e de seu secretário da Saúde, Eleuses Paiva, de omissão na gestão da fila de pacientes à espera de tratamento para o câncer na cidade de São Paulo. Segundo o MP-SP, o número de doentes que esperam por tratamento vem crescendo mês a mês sem que a gestão apresente medidas para ampliar a assistência oncológica.

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Em recomendação expedida na última segunda-feira, a promotora Dora Martin Strilicherk, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos - Saúde Pública, destaca que tenta, desde o primeiro semestre, ter acesso a dados que mostrem o tamanho da demanda e dos atendimentos feitos, mas que, em diferentes reuniões, as informações não são apresentadas pela pasta estadual.

Diz ainda que o secretário Eleuses Paiva faltou a reuniões convocadas pela Promotoria mais de uma vez sem justificativa e que “a participação do Estado na gestão da fila e no atendimento oncológico aos pacientes é absolutamente falha e está aquém do necessário”. A Secretaria Estadual da Saúde diz que ampliou vagas em oncologia e que atendimento também é responsabilidade da Prefeitura (leia mais abaixo).

O Ministério Público destaca que, segundo dados obtidos em sistemas do Datasus, 3,8 mil pacientes com câncer aguardam na fila de espera para iniciar o tratamento no SUS da cidade de São Paulo atualmente, número 24% superior aos 3 mil que aguardavam em maio, segundo a Promotoria.

O problema é crescente porque o número de novos pacientes que ingressam na fila é superior às vagas ofertadas. “Em média, o fluxo de novos pacientes oncológicos gira em torno de 2.500/mês, ao passo que somente são oferecidas 1.059 novas vagas mensalmente (561 na rede estadual e 498 na rede municipal)”, diz a Promotoria, na recomendação.

Ainda de acordo com os dados levantados pelo MP-SP, em algumas especialidades oncológicas, como a pneumologia, o tempo de espera pelo tratamento chega a 200 dias (quase sete meses), contrariando a lei 12.732/12, que garante ao paciente com câncer o direito de iniciar o tratamento no SUS em até 60 dias após o diagnóstico.

O governador Tarcísio de Freitas e o secretário Estadual da Saúde de São Paulo, Eleuses Paiva Foto: Ciete Silvério/Governo SP

Secretário não foi a reuniões nem apresentou dados, diz Promotoria

No documento, a Promotoria destaca que o atendimento de alta complexidade do SUS na cidade de São Paulo “é ofertado, quase em sua totalidade, pela rede estadual de saúde, e há especialidades cujo tratamento sequer está disponível na rede municipal”, por isso os questionamentos da fila oncológica foram endereçados para a gestão estadual.

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O problema da fila de espera não é dessa gestão, ele vem sendo monitorado em inquérito civil desde 2018, período que contempla as gestões de Márcio França, João Doria e Rodrigo Garcia. A Promotoria ressalta, no entanto, que, após a pandemia, o problema se agravou e a fila aumentou, inclusive com mais casos de pacientes com tumores em estágios avançados. Diante do agravamento do cenário, o MP-SP diz ter notificado o secretário da Saúde, no final do primeiro semestre, para esclarecimentos sobre a sua gestão na área de oncologia.

Apesar de notificada, diz o MP-SP, “a pasta estadual de saúde não compareceu na reunião do dia 20/06/2023, sem justificativa plausível para tanto”. Outra reunião foi agendada, para o dia 16 de agosto, mas Paiva não compareceu, enviando como representante o então secretário executivo, Sergio Okane. “Destaca-se que chamou atenção a ausência do Sr. Secretário Estadual de Saúde nas referidas reuniões, tendo em vista que o tema é de alta prioridade”, declara a promotora, no documento.

A Promotoria diz ter efetuado vários questionamentos sobre o número de atendimentos em oncologia e os leitos bloqueados em hospitais estaduais da cidade de São Paulo. Afirma ainda ter solicitado à secretaria a apresentação de proposta para enfrentamento da fila, com uma nova reunião agendada para o dia 20 de setembro. O encontro foi reagendado duas vezes a pedido da secretaria e, quando finalmente aconteceu, em 25 de outubro, o secretário não compareceu novamente, segundo relato da promotora.

A pasta enviou no lugar de Paiva a nova secretária executiva da pasta, Priscilla Perdicaris, mas a representante novamente não apresentou dados sobre o número de atendimentos e, segundo a Promotoria, “insistiu que a gestão abriu novos leitos e que ofereceu novas vagas para atendimento em oncologia, ao passo que os dados de sua produtividade demonstram exatamente o oposto”.

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De acordo com o documento do MP-SP, a secretaria informou apenas que Estado e Município, com recursos oriundos do Ministério da Saúde, ampliariam a oferta do serviço de saúde em oncologia para aproximadamente 930 pacientes, o que seguiria sendo insuficiente dado que a demanda mensal de novos pacientes é de 2,5 mil doentes.

Ao final da reunião, ficou determinado que a secretaria, no prazo de 15 dias, apresentaria os esclarecimentos pendentes, bem como proposta para utilização de recursos do Tesouro Estadual para atendimento da fila de oncologia, dado que somente os recursos federais não seriam suficientes para atender toda a demanda.

Passados os 15 dias, a Promotoria diz não ter recebido os esclarecimentos e, por isso, expediu a recomendação com cobranças à gestão estadual. Na justificativa, a promotora diz que “o Poder Executivo Estadual de São Paulo, na pessoa do Sr. Governador do Estado e do Sr. Secretário Estadual de Saúde, desde o início do ano, violam, por omissão, deveres expostos na Lei nº 14.238/21″, conhecida como Estatuto da Pessoa com Câncer.

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“O não atendimento com celeridade aos pacientes oncológicos, deixando-os em uma fila de espera, [...] ciente o Governo do Estado e a Secretaria Estadual de Saúde de que a espera elimina as possibilidades de cura dos pacientes, ofende o direito à vida, condenando os pacientes à morte, denotando indiferença pelo Estado à direito fundamental, e ineficiência administrativa”, diz o documento.

Nas suas recomendações, a promotora Dora Martin Strilicherk solicita ao secretário que, no prazo de 30 dias, apresente provas da adoção de medidas para contratar imediatamente vagas de tratamento em instituições de saúde privada para os pacientes na fila. Em 60 dias, a Promotoria pede, entre outras coisas, dados sobre a fila e estudos para organizar o atendimento e aumentar a produção assistencial. Em 90 dias, a pasta deve apresentar estudo para criação de unidades de saúde ou contratação de leitos na rede privada para o tratamento de pacientes oncológicos em tratamento paliativo (veja a íntegra das recomendações abaixo).

No prazo de 30 dias:

  • Comprovar a adoção das medidas necessárias para, com recursos próprios do Tesouro Estadual, contratar o tratamento imediato em instituições de saúde privada dos pacientes oncológicos da fila de espera da cidade de São Paulo e novos pacientes do município que excedam o número de vagas da rede pública.

No prazo de 60 dias:

  • Demonstre os estudos e o número de leitos desbloqueados, com base nos leitos cadastrados no CNES, em todo o munícipio de São Paulo, com especial atenção para a Zona Leste, pois o bloqueio dos leitos está estrangulando o atendimento das UPAS e impossibilitando atendimento aos pacientes da cidade em níveis de atenção mais adequados.
  • Apresente os estudos efetuados para melhor gestão da rede própria e dos parceiros, com monitoramento e fiscalização dos índices de produtividades dos prestadores de oncologia da rede estadual, com destaque para grandes serviços, como o ICESP e HC, dentre outros, apresentando as melhorias de produtividade pactuadas, mediante apresentação de cópias dos Contratos agora vigentes e futuros, e medidas adotadas para sanar a maior espera de atendimento nas especialidades de neuro, urologia, cabeça e pescoço, pneumo, gastrointestinal, hematologia e ortopedia.
  • Apresente os dados da regulação de pacientes para o Icesp, conforme solicitado na última reunião: “Cross e SES devem encaminhar por colunas, em PDF, por mês, os nomes dos pacientes que foram regulados ao ICESP, nos últimos 03 meses (julho, agosto e setembro de 2023), com a informação da unidade que inseriu o paciente na fila e a data da inserção, o tempo que o paciente aguardou para o referenciamento entre a inserção do pedido e o atendimento no ICESP”.
  • Apresente estudo e reexame do fluxo de atendimento aos pacientes da oncologia, com o fim de identificar pontos passíveis de melhorias e readequações que promovam maior eficiência, bem como unifique a regulação e seus critérios para todos os prestadores de serviço, declinando quantas vagas do Icesp serão disponibilizadas para a Secretaria Municipal de Saúde, mensalmente.

No prazo de 90 dias

  • Apresente estudo para criação de unidades de saúde e/ou compra na rede privada ou reserva de leitos na rede pública aos pacientes oncológicos em tratamento paliativo, com o devido suporte assistencial e psicológico ao paciente e aos familiares, com o fim de conferir dignidade e conforto às pessoas em processo de morte (pacientes terminais), sem ocupar leitos e recursos que poderiam ser destinados a pacientes com possibilidade concreta de tratamento e sobrevida.

Gestão estadual diz que Prefeitura é responsável por atendimentos e que ampliou vagas

Questionada sobre a recomendação do Ministério Público, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) disse que o município de São Paulo “possui gestão plena em saúde, tem regulação própria e recebe diretamente do governo federal o valor para garantir integral assistência aos seus pacientes, incluindo os oncológicos”.

Afirmou que uma das primeiras ações da gestão foi a realização de um mutirão de oncologia com investimentos de R$ 415 milhões do Tesouro Estadual e que, entre 2019 e 2023, “a cota de vagas de oncologia disponibilizada pelo Estado para o Município de São Paulo aumentou 343%, enquanto o município reduziu a sua oferta de vagas para a área em 66%.”

Acrescentou ainda que o Município era, em 2019, responsável por 37% do custeio dos procedimentos de radioterapia e quimioterapia e reduziu sua participação para 16% em 2023, enquanto o Estado ampliou de 63% para 84% seus gastos com esses procedimentos pela rede pública na cidade.

Sobre o tamanho da fila, disse que tem o registro de1.443 pessoas “no processo de regulação estadual para atendimento oncológico” e que está trabalhando para identificar e unificar as filas de espera por cirurgias, que hoje estão sob gestão dos municípios, “para conferir agilidade e eficiência ao atendimento aos pacientes no Estado”.

A pasta afirmou ainda que “vem dialogando com o Ministério Público, por meio de reuniões periódicas realizadas com a participação da secretária executiva da SES e de técnicos e responsáveis pela área de Oncologia”.

A secretaria afirmou que “nem todas as produções estaduais são registradas nos sistemas do Ministério da Saúde, base utilizada pelo MP, como por exemplo a radioterapia do Hospital Heliópolis, ou procedimentos que não foram faturados perante o órgão federal”.

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Questionada sobre as afirmações da gestão estadual, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou que apenas 30% dos serviços de alta complexidade de várias especialidades estão sob gestão municipal - o restante é de responsabilidade do Estado. Em 2022, diz a Prefeitura, o município de São Paulo transferiu ao Estado as 489 vagas mensais do Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (IAVC). “Atualmente, essas vagas estão sob gestão estadual e menos de 70 são ofertadas ao município”, disse a secretaria, em nota.

Atualmente, cerca de 4.500 pacientes estão em acompanhamento no A.C. Camargo e outros 2 mil pacientes em tratamento no Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC). A SMS informa que todos esses dados e as necessidades da pasta foram apresentados ao Ministério Público e à Secretaria Estadual de Saúde (SES).

A secretaria disse ainda que a rede municipal conta com o Centro Oncológico Bruno Covas, no Hospital Municipal Vila Santa Catarina, aberto em maio de 2022 e que oferece terapias de alta complexidade, inclusive cirurgia robótica. “Desde a sua entrega, a unidade oncológica realizou mais de 50 mil consultas na especialidade de oncologia. A unidade acompanha cerca de 10 mil pacientes por mês, além de realizar 8 mil exames radiológicos e 450 cirurgias.”

Além disso, a gestão municipal diz estar atuando para potencializar o atendimento e início do tratamento dos pacientes oncológicos. “Cabe reforçar que a oferta de vagas é dinâmica com entradas e saídas diárias no Sistema Integrado de Gestão de Assistência à Saúde (Siga), que são monitoradas pela Central de Regulação do município.”

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