PUBLICIDADE

Nem Engov? Tomar remédio não ajuda na prevenção da ressaca e pode até ser perigoso; entenda

Saiba o que efetivamente funciona para evitar desconfortos depois de ingerir bebidas alcoólicas

Por Rafaela Ferreira

O Carnaval está batendo à porta e não é surpresa que o consumo de álcool é expressivo entre os foliões. Para aguentar vários dias de festa, muitos acabam apostando em uma estratégia: tomar medicamentos associados à prevenção da ressaca antes de sair de casa. Mas especialistas explicam que não há nenhum remédio eficaz na prevenção da ressaca e recorrer a essa estratégia ainda pode trazer riscos.

Vai ingerir álcool? Nenhum remédio pode ajudar a prevenir a ressaca. Foto: pavel siamionov/Adobe Stock

O que é a ressaca

PUBLICIDADE

“A ressaca tem como causa principal a intoxicação pelo próprio álcool. Quando ele é ingerido, precisa ser transformado em várias substâncias até ser eliminado do nosso organismo”, explica o farmacêutico André Bacchi, professor de Farmacologia e Prática Baseada em Evidências da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR). Só que não existe medicamento capaz de interferir nesse processo, amenizando suas consequências.

Isso vale até para o Engov, que, inclusive, ficou marcado pela famosa frase “um Engov antes, outro depois”. O próprio fabricante informa que o medicamento não deve ser misturado com álcool. Bacchi conta que esse medicamento tem muitas substâncias agindo de uma só vez, mas nenhuma age nessa intoxicação por álcool.

Para o farmacêutico, o fato de o Engov ter ácido acetilsalicílico até poderia explicar, em certa medida, por que as pessoas acham que o remédio tem função contra a ressaca – afinal, essa substância analgésica está ligada ao alívio da dor de cabeça, um dos problemas após o abuso alcoólico. Acontece que ela aparece em baixa dosagem no remédio. Para ter ideia, o Engov contém 150 miligramas de ácido acetilsalicílico – na aspirina, esse valor é de, em média, 500 miligramas.

Os riscos à saúde

O farmacêutico ainda faz um alerta: ao misturar álcool com ácido acetilsalicílico – independentemente de onde venha a substância –, o estômago pode sair prejudicado. Isso porque, como o próprio nome diz, a substância é ácida, e pode aumentar a acidez do estômago. “E, por si só, o álcool já é agressivo a esse órgão”, conta. Ou seja, é uma combinação especialmente deletéria, capaz de aumentar o risco de gastrite e sangramentos gastrointestinais.

Outro perigo de ingerir o Engov antes do álcool é que ambos têm efeito sedativo. No remédio, essa ação tem a ver com a presença da mepiramina, um anti-histamínico, isto é, um antialérgico. Já o álcool é conhecido por ser uma substância psicotrópica depressora do sistema nervoso central (SNC) – na prática, significa que ele torna o cérebro “menos ativo”, afetando a maneira de raciocinar, planejar atividades e se locomover.

“Quando as pessoas bebem uma grande quantidade de álcool, ficam sujeitas à sedação. Inclusive, sabemos que, em casos mais graves, é possível ter um coma alcoólico”, lembra Bacchi. “Ao somar um fármaco que possui ação anti-histamínica nesse contexto, o potencial de sedação é aumentado”, frisa. Ou seja, qualquer remédio com esse tipo de função deve ser evitado.

Publicidade

Tem outro ponto: o Engov é apontado como um medicamento capaz de trazer alívio a sintomas como dor de cabeça, náusea e enjoo. Mas, quando o indivíduo ingere álcool, esses são exatamente os sinais que o corpo dá de que o consumo está passando do ponto. Se o medicamento inibir esses alertas, existe a possibilidade de a pessoa seguir bebendo – o resultado pode ser um coma alcoólico e outros tipos de incidentes.

“Muitos sinais de mal-estar que sentimos são sinais dados pelo nosso organismo para nos proteger”, ressalta a farmacêutica Amouni Mourad, coordenadora e professora do Curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP). Ela aponta que, ao mascará-los, acabamos falseando uma normalidade que não existe.

O que diz a bula do Engov?

O fabricante de Engov informa que o medicamento não deve ser usado por pacientes com histórico de alcoolismo crônico, além de ser contraindicado com outras substâncias que deprimem o SNC e com bebidas alcoólicas.

O Engov é um medicamento indicado basicamente para alívio de dor de cabeça, azia e sintomas de alergia. O comprimido é uma combinação de diversos princípios ativos, entre eles o maleato de mepiramina, o hidróxido de alumínio, o ácido acetilsalicílico e a cafeína.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O primeiro desempenha o papel anti-histamínico, isto é, funciona como um antialérgico; o segundo é destinado ao tratamento da hiperacidez estomacal, a azia; o terceiro é o mesmo componente da aspirina, muito usado para o combate de dores de cabeça; e, por fim, tem a cafeína, que atua como um estimulante.

“Uma das recomendações é não tomar esse medicamento com álcool. Se a pessoa usa o remédio e toma álcool logo em seguida, já vai ter comprometimento, porque o álcool não é um bom veículo para nenhum medicamento, mesmo sendo esse”, reforça Amouni.

Em nota enviada ao Estadão, a Hypera Pharma, farmacêutica responsável pelo Engov, confirma que se trata de um medicamento com ação analgésica, antiácida e anti-histamínica, atuando também como estimulante suave do sistema nervoso central (SNC). “É indicado para dores de cabeça, azia, má digestão e indisposição, podendo ser ministrados até quatro comprimidos por dia”, informa. Em casos de sintomas persistentes, a marca recomenda que o consumidor procure um médico.

Publicidade

O que fazer, então, para não ter ressaca?

Em primeiro lugar, esqueça os remédios. A farmacêutica Amouni aponta dois comportamentos cruciais antes da ingestão do álcool: não beber em jejum e sempre se manter hidratado. “Ao beber, a pessoa sente saciedade e acaba não tendo fome. Só que o estômago precisa de comida. Além disso, se a pessoa beber bastante água no intervalo das bebidas alcoólicas, ela consegue diminuir o efeito deletério do álcool, amenizando a ressaca”, descreve.

Evitar a ingestão de bebidas de procedência duvidosa e aquelas com alta concentração de álcool são outras medidas capazes de aliviar um pouco a ressaca. É o que Bacchi chama de tentativa de redução de danos, já que não dá para garantir a prevenção ou eliminação da ressaca.

‘Mesmo assim estou com ressaca. O que fazer?’

O mais adequado é combater os sintomas de forma pontual, ao invés de tomar um medicamento com vários componentes. Por exemplo: se estiver com dor de cabeça, aposte em um analgésico voltado especificamente para isso, como a dipirona. Assim, não há interferência em outros aspectos.

“Claro que a gente também não quer incentivar a automedicação, mas é mais racional tratar pontualmente um sintoma específico que está se sobressaindo nessa ressaca do que tomar um kit achando que tá protegendo”, conclui Bacchi.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.