WhatsApp no trabalho: como evitar que o uso prejudique sua saúde mental

Se a separação entre comunicação profissional e pessoal está cada vez mais nebulosa, é preciso impor limites para que a utilização indiscriminada do aplicativo não vire gatilho para problemas como ansiedade

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Foto do author Ana Lourenço
Por Ana Lourenço

“Tem um meme que já fala: o contrário de paz é zap”, brinca a advogada Nathalia de Campos, de 33 anos. Há anos ela se questiona sobre a importância que o Whatsapp ganhou na vida das pessoas, inclusive no trabalho. O uso do aplicativo de mensagens já a afetou muito, mas hoje ela consegue ter uma relação saudável com ele.

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“Eu comecei a perceber uma urgência das pessoas por respostas imediatas e isso passou a ser enlouquecedor, a ponto de me deixar com ansiedade. Eu pensava: ‘Meu Deus, será que alguém está precisando de mim e não estou respondendo?’. Meu dia não rendia porque eu estava o tempo todo disponível para o outro”, conta ela.

Com as mudanças trazidas pela pandemia de covid-19, com mais empresas adotando o home office, foi necessária a criação de espaços online para manter a comunicação antes feita de forma presencial. O e-mail se mostrou, em alguns casos, insuficiente para alguns recados que antes eram dados em uma rápida visita até a mesa do colega. Foi assim que o WhatsApp tornou-se uma ferramenta quase obrigatória no mundo corporativo.

Em 2021, segundo uma pesquisa do Mobile Ecosystem Forum (MEF), 66% dos brasileiros contaram usar o smartphone para trabalho e 84% deles relataram utilizar o WhatsApp também para fins profissionais. A tendência veio acompanhada de práticas que, para algumas pessoas, ameaçam a saúde mental, como pressão por respostas instantâneas, inúmeros grupos para discutir assuntos profissionais e mensagens com cobranças mesmo fora do expediente.

Diante do problema, a própria equipe do aplicativo divulgou recentemente que está trabalhando em uma atualização do app que irá permitir separar chats pessoais e de trabalho. Mas, enquanto ela não é lançada, é preciso refletir sobre as consequências do uso excessivo do aplicativo e aprender a impor limites nessa situação.

“Como trabalho remotamente e com pessoas de diferentes Estados do Brasil, o online é a minha fonte de comunicação primária com todo mundo. Mas também é lá que tenho as minhas conversas pessoais. Então, é muito difícil colocar limites”, conta a publicitária Isabela Figueiredo, de 26 anos.

A sobrecarga trazida pelo aplicativo de mensagens foi tanta que Isabela começou a ter sintomas físicos de estresse: desde enxaquecas e queda de cabelo até uma dermatite ocasionada pelo alto nível de cortisol (hormônio relacionado ao controle do estresse). “Cheguei a ser diagnosticada com burnout. As coisas pareciam ser muito maiores, mais urgentes e mais caóticas do que nas mensagens. Era desesperador.”

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O psiquiatra e colaborador do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, Rodrigo Menezes Machado, explica que o ato de responder rapidamente é natural do ser humano. “Principalmente pela questão da necessidade de aprovação social. Quando vemos alguém demandando socialmente de nós, nos sentimos altamente incumbidos de responder àquele chamado”, explica ele.

O que acontece é que isso gera um padrão de comportamento, comandado pela ansiedade, na qual precisamos estar disponíveis o tempo todo. É o que os americanos chamam de FOMO (fear of missing out ou “medo de estar perdendo algo”, em tradução livre). No caso do trabalho, isso se relaciona também com a culpa e o medo de não ser visto como competente ou disponível.

“Eu me pegava pedindo desculpas se demorava um pouco mais para responder. Se eu fosse dormir, mesmo com o celular no silencioso, via a luz da notificação e já ficava me perguntando: ‘Será que é importante? Será que é urgente?’ Eu não tinha nenhuma liberdade”, conta Nathalia.

“O WhatsApp se torna uma ferramenta geradora de estresse a partir do momento que transmite esse senso de urgência. O sistema que processa a ansiedade no nosso cérebro é muito primitivo e ele pode ser ativado não necessariamente por um medo real, mas por um medo abstrato”, explica o psiquiatra. Assim, pode ser desde um medo de uma avaliação negativa no trabalho até de ser julgado por não estar disponível de imediato.

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“Além da cobrança do outro, é importante lembrar que existe a autocobrança em ser produtivo, querer ser o melhor funcionário e dar conta de tudo, não poder dizer não. Esse perfeccionismo é uma característica que a gente encontra muito em pessoas que têm burnout”, ressalta a psicóloga Thaís Fagundes, especializada em trabalho e carreira.

Colocar limites para uso do aplicativo é importante

Se a separação entre a comunicação profissional e pessoal está cada vez mais nebulosa, é preciso impor limites para evitar que o aplicativo invada os momentos de descanso e seja um gatilho para questões emocionais.

Para não alimentar sua ansiedade nem a do outro, não espere, como padrão, respostas instantâneas às suas mensagens, em especial quando não há urgência. E nem se cobre por não estar disponível para responder o que recebe de forma imediata. “As pessoas perderam o filtro de urgência. Muitas vezes é só o jeito de descontarem a ansiedade delas no outro. Mas eu aprendi, pelo menos no meu trabalho, que tudo é importante, mas quase nada é urgente”, relata Nathalia.

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A advogada Nathalia Campos encontrou maneiras de ter uma relação mais saudável com o WhastApp Foto: TABA BENEDICTO

Em muitas profissões, o WhatsApp permitiu uma aproximação entre prestadores de serviços e clientes. Em paralelo, como o contato pela tela pode “desumanizar” essas relações, não é raro que aconteçam extrapolações: seja de horário, quantidade de mensagens ou cobranças.

No caso de Nathalia, ela já deixa claro no contrato com seus clientes que a comunicação pelo aplicativo não é a regra. “Hoje eu respondo as mensagens só uma ou duas vezes por dia. Caso seja urgente, podem me ligar.” O interessante, diz ela, é que, desde que estabeleceu as regras, poucas ligações aconteceram.

Entenda que o horário de trabalho precisa ter começo e fim

O descanso é extremamente essencial para a mente. “Nosso cérebro não pode trabalhar em alta rotação o tempo todo. O ócio é necessário para a gente desenvolver nossas ideias e para a recuperação cognitiva, o que inclui uma boa noite de sono. As telas atrasam o momento em que o cérebro para de trabalhar e sua luz suprime a produção de melatonina, atrapalhando o ritmo biológico”, diz Machado. “O uso excessivo de tecnologia, seja qual for, está ligado ao processo de adoecimento, especialmente ao desenvolvimento de problemas como ansiedade e depressão”, diz o psiquiatra.

No caso de Isabela, a terapia foi útil para ela entender que romantizava seu trabalho, sem deixar muito espaço ou tempo para outras atividades e hobbies. O que funcionou para ela foi transferir as conversas de trabalho para a ferramenta Workplace, do Facebook, e assim manter as comunicações profissionais em aplicativo separado. “Claro que ainda existem dias estressantes, mas minha relação está bem melhor e não tenho mais nenhum sintoma”, conta.

De acordo com Thaís Fagundes, o uso excessivo e indiscriminado de aplicativos de mensagens durante o período de trabalho prejudica a atenção e a concentração. “Uma vez que estamos sempre em alerta, esperando uma notificação, não conseguimos nos concentrar em absolutamente nada. O que não permite que a pessoa foque em uma demanda nem que ela descanse”, afirma.

Uma boa alternativa, quando possível, é ter dois celulares, um profissional e um pessoal, de forma que a prática de checar mensagens de WhatsApp também cumpra o horário comercial e que o aparelho corporativo seja desligado quando acabar o expediente. O uso de aplicativos de mensagens específicos para ambientes de trabalho também é recomendado.

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Boas práticas de uso do WhatsApp para fins profissionais

  • Repense a necessidade das suas mensagens

É interessante refletir, antes de enviar mensagens, se elas são realmente necessárias e, se forem, se o horário é apropriado. Às vezes pode parecer muito claro para você que a mensagem que está sendo enviada à noite, por exemplo, pode ser respondida no dia seguinte, mas o simples envio fora do expediente pode gerar ansiedade em quem recebe, transmitindo uma ideia de urgência. Antes de demandar algo do outro, reflita se você mesmo pode resolver a questão com alguns minutos de pesquisa ou trabalho.

Uma boa estratégia é escrever as perguntas em blocos de notas do celular e, no final do dia, ver o que foi resolvido ou não. Assim, somente as mensagens realmente necessárias serão enviadas.

  • Defina momentos para checar mensagens

Para que seu dia renda e você tenha espaço para descanso e outros afazeres, defina horários, de acordo com a sua rotina e necessidade, para conferir as mensagens de WhatsApp e respondê-las. Mesmo que o outro responda logo em seguida, só volte a retornar no horário estipulado.

“Você não tem que estar disponível o tempo todo. É preciso entender que isso não está condicionado ao seu valor como profissional e, assim, colocar limites. É algo difícil, mas é um processo necessário”, diz Thaís. Algo que pode ajudar é desabilitar as notificações do aplicativo.

O WhatsApp se torna uma ferramenta geradora de estresse a partir do momento que transmite esse senso de urgência Foto: Robin Worrall/Unsplash
  • Não exija uma resposta imediata

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Não exija respostas imediatas de colegas ou funcionários nem se cobre para responder de imediato qualquer mensagem enviada. Lembre-se que, caso o assunto seja super urgente, é possível ligar. Todos temos tarefas igualmente importantes no “mundo offline” e, para o bem da nossa saúde mental, devemos ter um tempo para elas sem a necessidade de checar o celular a cada minuto.

  • Fique um tempo longe do celular

Para muitos, o aplicativo pode ser um lembrete constante das pendências do dia a dia ou da necessidade de ser produtivo, o que pode aumentar a ansiedade. Portanto, ter um tempo somente para você, de preferência longe do celular, é uma forma de tentar relaxar. “Isso reduz o nível de estresse porque eu consigo ter contato com meu próprio corpo e não estou exposta a um estímulo. É como se a gente apertasse ‘reiniciar’ e ficasse no momento presente, ouvindo os próprios pensamentos e percebendo nossos sentimentos”, afirma Thaís.

  • Fique atento a sinais de alerta

É importante perceber se a sua relação com o celular está te causando problemas, mesmo que ele seja essencial para o seu trabalho. Receber críticas ou queixas constantes de familiares ou colegas próximos sobre o uso excessivo do celular ou ficar checando as notificações a cada dez minutos todos os dias são sinais de alerta.

De acordo com Thaís, outros sinais negativos são sentir cansaço extremo mesmo depois de boas noites de sono ou dias de folga e deixar de fazer atividades que você gosta porque fica horas checando e respondendo mensagens no WhatsApp.

Perceba se o rendimento do seu dia tem relação com o uso de WhatsApp e também observe seus questionamentos como profissional diante desse cenário. Não responder alguma mensagem faz você se sentir um profissional “pior”? Se sim, pode ser o momento de buscar ajuda de um terapeuta.

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